Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/04/2022

Proibir presença pessoas estanhas à assembleia


No regime da Propriedade Horizontal, a assembleia é um órgão colegial reservado a todos os condóminos (cfr. art. 1430, nº 1 do CC), a quaisquer pessoas titulares de direitos sobre as fracções autónomas (cfr. art. 1º, nº 4 do DL 268/94 de 25/10) e ao administrador, que tanto pode ser um condómino como por um terceiro (cfr. art. 1435º, nº 4 do CC), sendo o mesmo omisso quanto à presença de outras pessoas.

Pronunciando-se sobre a presença de estranhos nas assembleias gerais de sociedades, Luís Brito Correia, em Direito Comercial, Deliberações dos Sócios, vol. III, p. 44, AAFDL, 1989, observa que “A regra é (…) que as pessoas estranhas à sociedade (que não sejam sócios, membros dos órgãos sociais, obrigacionistas ou respectivos representantes) não podem participar, nem sequer estar presentes na assembleia, a menos que o presidente da mesa os autorize e a própria assembleia não se oponha a essa autorização”.

Segundo o citado autor, tal regra justifica-se pelo facto de a sociedade ser um agrupamento de particulares e as assembleias gerais dizerem respeito à sua vida privada, pelo que, não pode um sócio exigir a presença de estranhos na assembleia, contra a vontade do presidente da mesa ou da própria assembleia.

J. M. Coutinho de Abreu, também defende que “Porque as assembleias gerais são reuniões privadas (não públicas) outras pessoas que não as indicadas (v.g. técnicos auxiliares de sócios como os advogados, contabilistas ou economistas, trabalhadores da sociedade, tradutores, jornalistas) só podem estar presentes nelas (sem direito de intervenção e, claro, de voto) se autorizadas pelo presidente da mesa; ainda assim, os sócios podem deliberar revogar essa autorização (nº 6 do art. 379º)”.

Mas será que o art. 61º, nº 3 do Estatuto da Ordem dos Advogados não tem a amplitude de excepção? A faculdade estatutária que resulta deste preceito do EOA não constitui um direito absoluto que se projecte ilimitadamente sobre todo o ordenamento jurídico, devendo antes ser interpretado à luz do art. 20º, nº 2 da CRP. O referido preceito constitucional refere-se ao direito a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade, o que, de acordo com o entendimento da doutrina maioritária, significa perante qualquer autoridade pública ou privada dotada de poderes públicos.

A assembleia geral de accionistas de uma sociedade anónima, atenta a sua natureza, não é obviamente uma autoridade pública, assim como também não se trata de uma autoridade privada dotada de poderes públicos. A concretização do âmbito de aplicação do art. 20º, nº 2 da CRP, demonstra que o direito à assistência e acompanhamento por advogado não é um direito ilimitado e não se impõe, em qualquer circunstância, e perante qualquer entidade pública ou privada.

O art. 379º, nº 6 do CSC visa igualmente a protecção de direitos constitucionalmente consagrados, como sejam, o da reserva da intimidade da vida privada, direito que também assiste às pessoas colectivas de direito privado. Em consequência, a faculdade estatutária que resulta do art. 61º, nº 3 do EOA não é um direito absoluto; tem limitações, nomeadamente, as que decorrem do direito à reserva da intimidade da vida privada da sociedade.

Dispõe o nº 6 deste art. 379º: “A presença na assembleia geral de qualquer pessoa não indicada nos números anteriores depende de autorização do presidente da mesa, mas a assembleia pode revogar essa autorização.” Os números anteriores aludem a accionistas sem direito a voto e a obrigacionistas (nº 2), representantes comuns de titulares de acções preferenciais sem voto e de obrigacionistas (nº 3), administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão e revisores oficiais de contas (nº 4) e a accionistas agrupados (nº 5).

Sobre esta norma, escreve Luís Brito Correia: “A regra é, pois, que as pessoas estranhas à sociedade (que não sejam sócios, membros dos órgãos sociais, obrigacionistas ou respectivos representantes) não podem participar, nem sequer estar presentes na assembleia, a menos que o presidente da mesa os autorize e a própria assembleia não se oponha a essa autorização.” “Compreende-se que assim seja. A sociedade é um agrupamento de particulares e as assembleias gerais dizem respeito à sua vida privada; não são abertas ao público (cfr. art. 80º do CC).”

“Por isso mesmo, em regra, um sócio não pode, por si só, exigir a presença de estranhos na assembleia, contra a vontade do presidente da mesa e da própria assembleia.” (Direito Comercial, 3º volume, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1995, pág. 44. Igual entendimento se colhe em J. M. Coutinho de Abreu: “Porque as assembleias gerais são reuniões privadas (não públicas) outras pessoas que não as indicadas nos nºs anteriores (v.g. técnicos auxiliares de sócios como os advogados, contabilistas ou economistas, trabalhadores da sociedade, tradutores, jornalistas) só podem estar presentes nelas (sem direito de intervenção e, claro, de voto) se autorizadas pelo presidente da mesa; ainda assim, os sócios podem deliberar revogar essa autorização” (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. VI, pág. 92, comentário ao art. 379º). Também Manuel Nogueira Serens faz depender a presença de estranhos – auxiliares dos sócios (técnicos, advogados) ou mesmo de jornalistas, seja da imprensa, da rádio ou da televisão – de autorização do presidente da mesa (Notas sobre a sociedade anónima, Revista de Direito e Economia, ano XV, pág. 206).

Ora o nº 3 do artigo 61º do Estatuto da Ordem dos Advogados consagra a competência plena do advogado perante qualquer autoridade ou entidade e regulamenta o direito constitucionalmente consagrado à assistência e acompanhamento por advogado, consagrado no nº 2 do art. 20.º da CRP.” O nº 3 do art. 61º do EOA (aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26.01) estatui: “3 - O mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.”

A presença de advogado a acompanhar o sócio nas assembleias gerais da sociedade pode ser justificada por se considerar útil a presença de um jurista, mormente quando as matérias em discussão requeiram conhecimentos de direito que o sócio não possui. Mas o mesmo raciocínio vale para todas as situações em que as matérias em discussão envolvam e requeiram conhecimentos técnicos que escapam ao sócio, pelo que não se descortina fundamento para considerar de modo diferente a situação do advogado, sob pena de violação do princípio da igualdade.

O art. 20º, nº 2, da Constituição da República estatui que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídica, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.” Para Gomes Canotilho e Vital Moreira o segmento “qualquer autoridade deve incluir não somente as autoridades públicas mas também as autoridades privadas dotadas de poderes públicos (CRP anotada, vol. I, 4.ª ed., 2007, pág. 413). No caso estamos perante um ente privado – uma sociedade comercial – não dotada de quaisquer poderes públicos, pelo que aquela norma constitucional não fornece apoio à excepção.

A norma constante do nº 6 do art. 379º assume natureza especial, destinando-se a assegurar que em princípio apenas as pessoas directamente ligadas à sociedade possam estar presentes, não se encontrando revogada pelo art. 61º, nº 3, do EOA. Como observa Pedro Maia, a participação de terceiros na assembleia geral pode inibir ou constranger os accionistas de participarem na assembleia (designadamente no uso da palavra, na apresentação de propostas e até no voto – pode até contender com direitos da personalidade dos accionistas (O Presidente das Assembleias de Sócios, in Problemas do Direito das Sociedades, IDET, 2002, pág. 446).

Aduz-se, em síntese, que, o nº 6 do art. 379º do CSC, que faz depender a presença de qualquer pessoa não indicada nos números anteriores do mesmo artigo de autorização do presidente da mesa, não se encontra revogado pelo nº 3 do art. 61º do EOA. A presença de qualquer pessoa não indicada nos nºs 1 a 5 daquele art. 379º mesmo que essa pessoa seja advogado, depende de autorização do presidente da mesa. 

A este respeito, o TRL em Acórdão datado de 03/6/2014, decidiu que "A presença de um advogado a acompanhar um accionista numa assembleia geral de uma sociedade anónima depende da autorização do presidente da respectiva mesa".

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