Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/06/2022

Convocação dos cônjuges

A fracção autónoma pode, e será esta a situação normal quando for a casa de morada de família, fazer parte da comunhão conjugal. No regime supletivo da comunhão de adquiridos, regulado pelo art. 1717º e ss. do CC, o imóvel será bem comum se adquirido pelo cônjuges na constância  do matrimónio (cfr. art. 1724º do CC), e não for considerado bem próprio pelo art. 1722º do CC. No regime da comunhão geral (cfr. art. 1732º e ss. do CC), o imóvel é sempre bem comum, se não for incomunicável nos termos do art. 1733º do CC.

Cada um dos cônjuges tem legitimidade para a prática de actos de administração ordinária dos bens comuns (cfr. art. 1678º, nº 3 do CC). Este preceito consagra o princípio da co-direcção para a gestão dos bens comuns e, especialmente, a administração concorrente para os actos de administração ordinária (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, anot. ao art. 1678º, pág. 289, 12). O cônjuge que administra bens comuns não é obrigado a prestar contas da sua administração, mas responde pelos actos intencionalmente praticados em prejuízo do casal ou do outro cônjuge.

A questão que se coloca é esta: no âmbito da administração concorrente, quem tem de ser convocado para a reunião da assembleia dos condóminos, onde apenas se decida sobre a administração ordinária das coisas e serviços comuns?

Salvo melhor opinião, tal como ocorre com o regime da compropriedade, a convocatória deve ter-se dirigida a ambos os cônjuges. Ambos são proprietários da fracção autónoma e os dois têm o direito de participar na sua administração. O cônjuge que não participou na assembleia, por não ter sido regularmente convocado, pode impugnar a deliberação independentemente do facto de o outro cônjuge ter participado na assembleia.

Alguma doutrina italiana (cfr. Nicoletti/Redivo, Il regolamento e l´assemblea nel condominio degli edifici, Cedam, Pádova, 1990, pág. 129) entende que o aviso convocatório pode ser expedido apenas a um dos cônjuges, e a jurisprudência é unânime em considerar que a válida convocação de um dos consortes da fracção pode resultar ainda do aviso ao outro comproprietário, quando haja circunstâncias presuntivas para considerar que o segundo proprietário deu conhecimento ao primeiro da reunião. Para Gino Terzago, Il Condominio - Trattato Teorico-Pratico, Giuffrè Ed., Milão, 1988, pág. 220 e ss., em princípio, não basta que o aviso convocatório seja enviado aos cônjuges pois cada um tem o direito de estar em posição de conhecer o dia e a hora da assembleia e de exercer o seu direito de compropriedade.

Quando os cônjuges vivam juntos, a convocatória será enviada para o domicílio comum. Na hipótese de vários comproprietários que convivam, deriva dessa convivência a ideia de que os assuntos de interesse comum são objecto de informação recíproca e são discutidos entre os cônjuges, sem necessidade de impor ao administrador o ónus de enviar avisos de convocação distintos que, segundo o critério id quod plerumque accidit, é de todo supérfluo.

Para este problema, vale ainda o art. 1105º do Codice que, sendo aplicável ao condomínio por força do art. 1139º, permite presumir, em geral, que o aviso de convocação notificado a um dos condóminos é levado ao conhecimento dos outros contitulares do direito de participar na administração dos bens comuns, salvo se for demonstrada a existência de um conflito de interesses ou outra situação anormal de que derive a necessidade de comunicação directa a todos os participantes na comunhão. Nos termos do art. 67º disp. att. do Codice, para a validade das deliberações é necessário que todos os participantes hajam sido previamente informados do objecto da deliberação.

A questão em causa ganha verdadeiro significado quando os cônjuges vivem em separação de facto. Nesse caso, é necessário enviar um aviso convocatório distinto a cada um deles. Mas é um ónus do cõnjuge que muda de residência comunicar, por escrito, ao administrador, o seu novo domicílio ou o domicílio do seu representante (cfr. art. 1432º, nº 9 do CC). Se não o fizer, a entidade convocante enviará a convocatória para o domicílio comum e a assembleia considera-se regularmente convocada.

Os actos de administração extraordinária só podem ser praticados com o consentimento de ambos os cônjuges. Quando a assembleia decida sobre estas matérias, ambos devem estar presentes na reunião e assinar a respectiva acta.

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