Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/08/2022

Convocação dos inquilinos

Por acordo entre as partes, é possível que as despesas correntes, necessárias à fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum fiquem a cargo dos arrendatários, nos termos do art. 40º do RAU, ou, ainda, ser fixada uma quantia a pagar mensalmente pelos arrendatários. Este acordo deve, sob pena de nulidade, constar do texto escrito do contrato ou de um aditamento, também escrito e assinado pelos arrendatários, discriminar as despesas a cargo dos arrendatários e ser especificado, nos termos dos art. 41º e 42º do RAU.

Tem de se entender que as despesas correntes são gastos de pequena monta indispensáveis à utilização normal das partes comuns e ao pagamento de serviços que beneficiem todos os condóminos, como sejam as despesas com o consumo de electricidade gasto nas zonas comuns, a limpeza das mesmas zonas, pagamento a vigilante, etc.. Ficarão de fora os encargos com as obras de conservação ordinária, de conservação extraordinária e de beneficiação, sempre a cargo dos senhorios, nos termos dos art. 11º a 13º do RAU. 

Se se estipular que estes encargos ou os encargos com as obras ficam a cargo dos arrendatários, a cláusula será nula. Assim, Aragão Seia, Arrendamento Urbano, anotado e comentado, Almedina, Coimbra, 1996, pág. 204 e ss.. As despesas correntes e os encargos que os arrendatários acordaram em pagar não se integram nas rendas. Por conseguinte, a sua falta de pagamento não faz incorrer os arrendatários em mora, para os efeitos do art. 1041º, nem tão-pouco permite aos senhorios resolverem os contratos por falta de pagamento das rendas, nos termos do art. 64º, nº 1, al. a) do RAU.

A função substantiva do serviço do administrador que ele desenvolve no interesse de todo o condomínio, leva a considerá-lo como serviço comum. Neste sentido, pronunciaram-se, Lazzaro/Stincardini, L´amministratori del condominio, Giuffrè Editore, 1992, pág. 28.

O senhorio deve comunicar ao arrendatário, com uma antecedência razoável, todas as informações necessárias para a determinação e a comprovação das despesas a cargo deste, incluindo deliberações da assembleia de condóminos, leituras de contadores ou quaisquer outras. De sublinhar que o administrador não conhece o teor do contrato de locação entre o condómino e o seu inquilino, que é um acto absolutamente estranho à relação entre o condómino e o condomínio (G. Annesanti, "Inquilini nelle assemblee condominiali: problema da risolvere", Nuovo dir., 1976, pág. 461 e ss., e "Ancotra sul rebus dei conduttori nelle assemblee di condominio", Nuovo dir. 1977, pág. 615).

Nos termos do art. 43º, salvo disposição contratual em contrário, as obrigações relativas aos encargos e despesas a cargo do arrendatário vencem-se no final do mês seguinte ao da comunicação pelo senhorio, devendo ser cumpridas simultaneamente com a renda subsequente.

Face à nossa lei, entende-se que o inquilino, tendo um direito pessoal de gozo, não tem um poder próprio de estar presente na assembleia. Neste sentido, para o regime espanhol, Ventura-Traverset, Propriedad Horizontal, Barcelona, pág. 279, que considera que o inquilino só pode votar, em nome do condómino, se apresentar uma procuração escrita passada pelo dono da fracção autónoma.

O legislador limitou a presença na assembleia apenas aos condóminos/proprietários e optou por estabelecer um conjunto de garantias para o inquilino (v.g. a antecedência razoável das informações necessárias para determinação e comprovação das despesas). Esta  solução, sendo a que resulta claramente do regime legal, levanta algumas dúvidas. A atribuição do gozo da coisa através de um arrendamento para habitação, pelo menos num contrato de duração não limitada, não deveria levar implícita esta delegação de poderes, e a consequente atribuição de um poder próprio ao inquilino para participar na assembleia e votar quanto à administração das coisas e serviços comuns?

O nosso legislador liga à participação na gestão da vida condominial a propriedade da fracção autónoma, em desfavor da utilização do edifício, quando, na verdade, são os utilizadores do edifício os maiores interessados na boa administração da coisa comum. Moldada em termos diferentes, que nos parecem mais adequados, está a legislação italiana. Este ordenamento oferece uma resposta mais socializante do condomínio, afastando o proprietário da coisa em benefício do seu utilizador.

Nos termos do art. 9º da Lei nº 392, de 27/7/1978, que disciplina a locação de imóveis urbanos, salvo pacto em contrário, é o inquilino quem paga as despesas relativas aos bens e serviços comuns. Por isso, nos termos do art. 10º, o inquilino tem direito de voto, em lugar do proprietário da fracção arrendada, nas deliberações da assembleia de condóminos relativas às despesas e à modalidade de gestão dos serviços de aquecimento e condicionamento do ar. Tem ainda direito a intervir, sem direito de voto, nas deliberações relativas à modificação de outros serviços comuns.

O direito a participar na assembleia subsiste enquanto subsistir o direito de gozo da coisa comum (Baldassere, "Successione nei diritti del condomínio e partecipazione all´assemblea", in Riv. Giur. Edil., 1970, II, pág. 15). Discute-se na doutrina, se o direito do inquilino a participar na assembleia é um direito autónomo e pessoal, de onde nasça para o administrador a obrigação de enviar directamente ao inquilino o aviso de convocação, sob pena de invalidade das deliberações tomadas na reunião da assembleia (a este direito do inquilino corresponderia um igual direito do condomínio a exigir o pagamento das somas que lhe são imputáveis por lei) ou, pelo contrário, a obrigação de convocação abrange apenas o condómino-locador. Segundo esta última posição, a obrigação de pagamento das despesas condominiais vincula sempre e unicamente o locador, o qual, portanto, é o único obrigado perante o condomínio (esta afirmação baseia-se no princípio segundo o qual a relação de locação é completamente estranha ao condomínio).

A Cassação entende que se trata de uma hipótese de substituição legal do inquilino ao proprietário, na assembleia de condóminos convocada para deliberar sobre despesas e modalidade de gestão dos serviços, que não alterou a disciplina da comunicação do aviso de convocação da assembleia de condóminos. Consequentemente, tal aviso deve ser comunicado ao proprietário e não ao inquilino da fracção, ficando o mesmo proprietário obrigado a informar o inquilino do aviso de convocação recebido pelo administrador.

Para Niconetti/Redivo, Il regolamento e l´assemblea nel condpminio degli edifici", Cedam, Pádova, 1990, pág. 155, esta solução é juridicamente correcta já que não se pode compreender como é que um terceiro, estranho ao condomínio, que tem direito de participar ocasionalmente numa assembleia (e votar) possa invalidar uma decisão tomada pela colectividade dos condóminos.

Assim sendo, o inquilino não convocado poderá agir contra o condómino-locador e poderá fazer valer perante este todos os argumentos que poderia ter usado perante os condóminos, para a redução ou contenção dos custos, em sede de assembleia, se lhe tivesse sido dada a oportunidade. 

Não tendo um direito próprio a participar na assembleia, o inquilino não tem de ser convocado para a reunião. Além de não lhe ser atribuído expressamente tal direito, o art. 43º do RAU vai no sentido oposto ao determinar que cabe ao senhorio comunicar ao arrendatário todas as informações necessárias para a determinação e comprovação das despesas a cargo deste. O inquilino não paga as despesas directamente ao administrador (como qualquer condómino, nos termos do art. 1436º do CC), paga-se ao senhorio, simultaneamente com a renda.

A obrigação do inquilino de pagar as despesas directamente ao condomínio só se pode configurar quando o contrato de arrendamento o preveja expressamente. Este deverá encontrará a sua origem no vínculo contratual assumido e permanece no âmbito restrito do contrato de locação (Eduardo Caputo, "La partecipazione conduttore alle assemblea di condominio", in GM, 1975, I, pág. 394). 

O acordo das partes quanto ao pagamento das despesas sobre a fruição das partes comuns e o pagamento dos serviços de interesse comum pode ser acompanhado de uma procuração ao inquilino para que ele participe na assembleia. Note-se, que sendo o direito de participação na assembleia do proprietário-condómino, o voto do condómino sempre está vinculado às suas obrigações como locador: tem de assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina (cfr. art. 1031º CC) e não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o uso da coisa pelo locatário (cfr. art. 1037º CC).

Se o inquilino não puder fazer valer os vícios das deliberações da assembleia, pode negar-se, correlativamente, à assembleia condominial que possa agir perante o inquilino para exigir o pagamento das contribuições sobre a fracção  autónoma que lhe foi arrendada.

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