Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/15/2022

A destruição do edifício

No caso de destruição do edifício ou de uma parte que represente, pelo menos, três quartos do seu valor, qualquer dos condóminos tem o direito de exigir a venda do terreno e dos materiais, pela forma que a assembleia vier a designar.

Nada impede que, no TCPH, "os condóminos hajam acordado em solução diferente, aceitando desde logo a reconstrução do edifício no caso de destruição total, ou confiando à assembleia dos condóminos, por deliberação da maioria simples ou de qualquer maioria qualificada, a tomada de uma decisão. Pretende-se proteger cada um dos condóminos contra imposições da maioria, que envolvam para qualquer deles um encargo excessivo ou inoportuno, mas não há nenhum interesse público que a lei pretenda acautelar contra a vontade dos condóminos, pois se algum interesse social aflora no caso, esse é apenas o da reconstrução do edifício, que de nenhum modo colide com a validade da convenção das partes em sentido oposto ao prescrito no nº 1 do art. 1428º (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, pág. 438, 2).

Acresce sublinhar que a Ley sobre Propriedad Horizontal, considera no seu art. 23º, que a destruição do edifício se considera produzida quando o custo da reconstrução exceda 50% do valor do prédio ao tempo do sinistro, a menos que o excesso esteja coberto por um seguro.

Se a destruição é total (seguindo Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 438 e ss.), ou representa, pelo menos três quartos do total do prédio, não se admite que a assembleia dos condóminos, contra a vontade de qualquer destes, possa deliberar sobre a reconstrução. A lei concede a qualquer dos condóminos a faculdade de se opor à reconstituição do condomínio, exigindo a venda dos terrenos e dos materiais. Não se lhe permite, ao contrário do que resultaria dos princípios válidos em matéria de compropriedade, o direito de exigir a divisão do terreno e dos materiais, restrição que provém da especial afectação ao prédio da área sobre a qual o edifício estava implantado.

Ao condomínio no edifício substitui-se ou sucede, com a destruição daquele, a mera comunhão do solo e dos materiais. Mas como se trata de uma comunhão que resulta de coisa que em parte pertenciam em domínio exclusivo a cada condómino, e são sempre destinados à elevação de um edifício, os condóminos não podem pedir a divisão, mas apenas que sejam vendidos os materiais e o solo. Podem, naturalmente, ser vendidos a um, a vários, ou a todos os condóminos (cfr. Giuseppe Branca, Commentario del Codice Civile, Livro III, STEB, 1955, pág. 292).

Se cada condómino pode exigir a venda do terreno, tal significa, implicitamente, que ele pode exigir a demolição da parte do edifício que ficou de pé, para que o terreno seja vendido livre de qualquer construção, a menos que seja possível aliená-lo em condições igualmente favoráveis para eles, mantendo a parte da construção que não foi destruída (Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 439, 5).

Se a destruição atingir uma parte menor, pode a assembleia deliberar, pela maioria do número dos condóminos e do capital investido no edifício, a reconstrução deste. Neste caso, os condóminos que não queiram participar nas despesas de reconstrução podem ser obrigados (1) a alienar os seus direitos aos outros condóminos, segundo o valor entre eles acordado ou fixado judicialmente.

O condómino pode escolher o condómino ou condóminos a quem a transmissão deve ser feita. O condómino pode também vender a sua parte a um terceiro; neste caso, o adquirente sucederá nas obrigações do alienante (cfr. Lino Salis, Il condominio negli edifici, Trattato di diritto civile italiano, Tomo III, Torino, 1950, pág. 241). Enquanto os condóminos interessados na reconstrução não declararem que pretendem exercer esta faculdade de aquisição, os discordantes podem alienar os seus direitos a terceiros. Até ao momento em que a faculdade de adquirir seja exercida, os condóminos discordantes conservam todos os seus direitos sobre o condomínio e, por conseguinte, podem dispor deles a favor de quem quer que seja (cfr. Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., pág. 440, 7).

A aquisição das fracções autónomas é uma faculdade e não uma obrigação imposta ao condóminos (cfr. art. 1305º do CC). Deve revelar-se que o conteúdo do direito de propriedade muda continuamente, com o variar das exigências económicas e sociais da colectividade, no sentido de que se coloquem limitações à faculdade do privado dispor da coisa de que é proprietário (cfr. Edoardo Volterra, Istituziuoni di diritto privato romano, Ed. Ricerche, Roma, 1961, pág. 291).

Estamos perante um caso de nítida prevalência do interesse comum sobre o interesse do condomínio singular, que vai ao ponto de o forçar a alienar os seus direitos. A lei visa defender um interesse comum (a reconstrução do edifício) e já nos deixa antever que o interesse colectivo não é igual à soma do interesse de todos os condóminos. Um deles, pelo menos, não partilha o interesse na reconstrução do edifício.

O instrumento da obrigação legal de contratar, grosso modo, serve para garantir a realização de um interesse considerado prevalecente sobre os outros. O interesse do grupo dos condóminos na reconstrução do edifício merece mais tutela que o interesse do condómino em decidir da sorte dos seus direitos individuais. Este interesse é sempre referível aos condóminos - e é comum, em sentido próprio, com base na circunstância de que são titulares todos os condóminos enquanto membros do grupo. Mas autonomiza-se e distingue-se do conjunto desses interesses, transformando-se em algo diferente: no interesse colectrivo.

(1) A favor da execução específica desta obrigação de emissão de uma declaração contratual, vide Henrique Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, pág. 18.

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