Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/18/2022

As assembleias universais


A Assembleia Geral dos Condomínios é o órgão supremo do condomínio, de funcionamento intermitente, constituído pela reunião dos seus consortes, regra geral, regularmente convocados (cfr. art. 1432º, nº 1 e 2 do CC) para apreciação e decisão de assuntos de interesse comum, devidamente especificados na convocação (cfr. art. 174º nº 2, 1ª parte, do CC). No entanto, no presente escrito, importa atentar na 2ª parte deste último preceito.

De facto, resulta do nº 2 do art. 174º do CC que "São anuláveis as deliberações tomadas sobre matéria estranha à ordem do dia, salvo se todos os associados comparecerem à reunião e todos concordaram com o aditamento".

O processo de deliberação inicia-se com a convocação da Assembleia realizada pelo Presidente da Mesa. Os requisitos e formalidades desta convocação balizam-se, designadamente, na confirmação da qualidade dos presentes, e verificação da existência do quórum constitutivo e deliberativo. Estas exigências de convocação justificam-se fundamentalmente para proteger os interesses não apenas dos próprios condóminos, mas visam proteger também os interesses de terceiros titulares de direitos sobre as fracções.

Nos termos do art. 54°, nº 1, 2ª parte, do CSC, as Assembleias Universais são adoptadas numa assembleia que não foi precedida de um acto de convocação dirigido a todos os sócios (ou esse acto de convocação padeceu de algum vício), mas em que todos estiveram presentes e, além disso, em que todos manifestaram vontade que a assembleia se constituísse.

Assim, pois, para se poder realizar uma Assembleia Universal ou Totalitária, ter-se-ão que cumprir três requisitos essenciais:

1) A presença de todos os condóminos

É portanto, condição primeira que todos compareçam. Se algum dos condóminos não comparecer, já não será possível realizar-se a Assembleia Universal. Importa salientar que, pese embora o art. 54°, nº 1, não o refira expressamente, não há razão para não contar como condómino presente aquele que se faz (devidamente) representar na Assembleia Universal. Aliás, da conjugação do n° 3 do mesmo artigo e da parte final da al. a) do n° 1 do art. 56° resulta que onde se lê (na norma supracitada) “desde que todos os sócios estejam presentes” se deverá ler “desde que todos os sócios estejam presentes ou regularmente representados”.

Questão diferente desta é saber se estão cumpridos todos os requisitos para se poder considerar que um condómino está devidamente representado numa Assembleia Universal., porquanto, se para uns actos de administração, tem-se por bastante uma procuração verbal, para outros, aquela carece de outras formalidades.

Por outro lado, há quem defenda que para se realizar a Assembleia Universal, deverão estar presentes não só todos os condóminos, mas também todos aqueles sujeitos (não sócios) a quem lei confere o direito de estar presente na assembleia, como é o caso do(s) membro(s) do(s) órgão(s) de administração, no entanto, sobre este assunto, partilho a opinião de Pedro Maia (Invalidade da deliberação social por vício de procedimento, pág. 706) no sentido de que a sanação de vícios respeitantes à convocatória não carece da presença dos não sócios, ainda que tais sujeitos tivessem o direito de estar presentes e devessem, por isso, ser convocados.

2) Assentimento de todos os sócios em que a assembleia se constitua

Não basta que todos os condóminos compareçam num determinado local e subsequentemente se reúnam ocasionalmente, porquanto, para que a Assembleia Universal se possa constituir, tem a mesma que resultar inequivocamente do desiderato e assentimento de todos os condóminos na constituição da referida Assembleia.

Vale isto por dizer que, se um ou alguns dos condóminos, ainda que presentes, manifestarem a sua discordância no sentido de que a Assembleia se reúna em sessão plenária.

3) Vontade unânime de que a assembleia a constituir delibere sobre determinado assunto

Para que a Assembleia Universal se constitua, não basta a presença de todos os condóminos e que todos tenham manifestado a sua aquiescência no sentido de que a mesma se realize, porquanto, cumpridas as duas primeiras condições, haverá que cumprir necessariamente uma terceira: todos os condóminos terão que acordar em que se delibere sobre um assunto específico.

No entanto, uma vez decidido por unanimidade que a Assembleia delibere sobre tal assunto, a deliberação a tomar considerar-se-à aprovada apenas quando reúna os votos necessários para o efeito nos termos gerais.

Relativamente a este requisito, refere V. Lobo Xavier (RLJ, 119.°, 223/224 e 277/278) que: "(...) presente embora, o sócio não perde o direito de invocar a irregularidade da deliberação, quando tenha manifestado no colégio a sua discordância de que se delibere sobre aquele assunto. De outro modo, esse sócio ver-se-ia obrigado a ausentar-se da reunião para, impedindo dessa maneira o funcionamento da norma em questão, obstar à validade da deliberação que viesse a ser tomada sobre o dito assunto (...) Se todos os sócios concordam expressa ou tacitamente com que se deliberasse nas circunstâncias referidas, não há qualquer motivo para excluir a possibilidade de vir depois a tomar-se por maioria uma deliberação plena-mente válida. (...)".

Ponto é que seja manifestada por todos os condóminos a vontade de deliberar, e que as deliberações incidam sobre o ou os assuntos consentidos por todos os presentes. Esta última fórmula é certamente elíptica tratado efectivamente de assuntos sobre que todos os condóminos consentiram deliberar – o que não significa, assim, que a deliberação tomada só seja de admitir como válida quando votada unanimemente. O consentimento para que se delibere é que tem de ser unânime, isto é, dado por todos os condóminos. Este consentimento não invalida que um ou alguns dos consortes se abstenha ou vote mesmo contra. 
 
Cumpridos cumulativamente todos estes três requisitos estarão, pois, os condóminos em condições de se reunirem em Assembleia Universal. 
 
No entanto, quando o legislador regulou a realização das Assembleias Gerais de Condomínio poderia ter começado pelas Assembleias Universais, prescrevendo que as deliberações podiam ser tomadas em Assembleias nas quais todos os condóminos comparecessem; e que, quando não tivessem comparecido todos os condóminos, as deliberações poderiam ser tomadas, desde que as Assembleias tivessem sido regularmente convocadas. 
 
As Assembleias Universais ou Totalitárias justificam-se por, face à presença do universo dos condóminos, estar garantida uma plena participação para lograr deliberações válidas, independentemente de, a montante, não existir uma convocatória formalmente regular ou de o(s) assunto(s) não estar(em) inscrito(s) na respectiva ordem de trabalhos. 
 
Este tipo de Assembleias é forma eficaz para facilitar o funcionamentos das Assembleias Gerais, neste caso dispensando e simplificando as formalidades e burocracias da convocação dos condóminos sem, ao mesmo tempo lesar os seus interesses. Assim, se não houve convocação ou esta foi irregular, a Assembleia Universal, no qual devem estar presentes (ou, tal como já referimos, representados) todos os consortes, funciona como alternativa para que se possa proceder à deliberação de um qualquer assunto urgente e indispensável. 
 
Conforme afirma António Caeiro (Temas de Direito das Sociedades, pág. 477 ss.), “na verdade, a primeira finalidade da convocação é possibilitar a comparência dos sócio se não há dúvida de que, estando presentes todos estes, se atingiu este objectivo, embora a convocação tenha sido irregular. Se todos os sócios comparecerem à reunião da assembleia, não podem restar dúvidas de que o meio utilizado para os convocar, qualquer que ele tenha sido, surtiu pleno efeito, produziu o resultado a que exactamente: chamar os sócios à participação na assembleia (...)”. 
 
Assim, desempenhando a convocatória esta função meramente instrumental (a de dar conhecimento aos respectivos condómins da data e local de reunião a realizar, bem como quais os assuntos que irão ser discutidos), não releva qualquer vício dessa convocatória se na respectiva Assembleia Geral estiverem presentes todos os condóminos e todos concordem que a assembleia se constitua e delibere sobre os assuntos em causa. 
 
Se, ao invés, não estiverem presentes todos os condóminos, a lei só legitima o funcionamento da Assembleia Geral quando esta foi precedida de convocação válida, pois a todos os condóminos foi oferecida a possibilidade de participar na mesma, designadamente porque foi efectuada um convocatória visando essa participação.

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