Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

09 julho 2025

Restrições de direito público ou privado


O proprietário goza, de modo pleno e exclusivo, do uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art. 1305º do CC), sendo que, no caso da propriedade dos imóveis, esta abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico (cfr. art. 1344º, nº 1, do CC).

As restrições que decorrem da parte final do art. 1305º, podem ser de direito público ou de direito privado.

As restrições aos direitos que decorrem da parte final do art. 1305° do CC podem ser de direito público ou de direito privado. Entre as restrições de direito público, podemos apontar a expropriação por utilidade pública e ao confisco, de onde sobressai o sacrifício imposto ao titular da propriedade. Igualmente a apropriação pública.

Estas estão fixadas na lei e, portanto previstas nos ar. 1308º e 1310°.Tratam-se de duas espécies de expropriação: 
  • Expropriação por utilidade pública. Consiste na privação, através de um acto da autoridade pública e por motivo de utilidade pública, da propriedade ou do uso de determinada coisa; e
  • Expropriação de carácter particular ou privado. Visam as mesmas, essencialmente, regular conflitos de vizinhança, situando-se o seu campo de abrangência e aplicação na área das servidões legais.


Sob a epígrafe «Expropriações» dispõe normativo inserto no art. 1308º do CC que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei.», acrescentando o art. 1310º do mesmo diploma que «Havendo expropriação por utilidade pública ou particular (…) é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados.»

Destes dois ínsitos decorre a expressão legal do direito à propriedade privada que a todos é consentido e que se constitucionalmente consagrado no art. 62º da CRP, bem como a enunciação dos desvios ao carácter absoluto a tal direito, posto que apenas se encontra garantido que o cidadão não possa ser arbitrariamente desapossado dos seus bens imóveis, admitindo-se todavia que o seja, em determinadas circunstâncias especificas e de ser indemnizado caso isso venha a acontecer.

O direito a indeminização é inerente as figuras da: expropriação (art. 1308º do CC) e requisição (art. 1309º do CC). O art. 62º da CRP assegura que a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão, nos termos da Constituição e da lei, só sendo permitida a requisição civil temporária e a expropriação por utilidade pública, mediante justa e pronta indemnização, como condição de eficácia da expropriação. 

Artigo 62.º
(Direito de propriedade privada)

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante pagamento de justa indemnização.

Este preceito constitucional reconhece o direito de propriedade privada, estabelece-se no seu nº 2, que a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização. Do que se retira, no que ao caso interessa, que a expropriação de bens no domínio da propriedade privada, apenas pode ser levada a cabo se tiver por fim a sua afectação à utilidade pública, compensando-se a ablação do património dos seus legítimos proprietários, com o pagamento de uma compensação económica, que se entendeu denominar justa indemnização, o que se fará, nos termos da lei, através de um processo próprio, que tem por desiderato, não só a translação da propriedade do seu primitivo proprietário para a entidade expropriante, mas também, e principalmente, a atribuição da justa indemnização ao expropriado.

O processo expropriativo é um processo de interesse público que, fora dos casos previstos no próprio Código das Expropriações (Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro), não pode ser extinto sem o cumprimento dos seus desideratos essenciais, como dissemos, a translação da propriedade para a entidade expropriante e o pagamento da justa indemnização ao expropriado.

Porém, atente-se que na última parte do artigo 1310.° do CC, atribui-se o direito à indemnização a todos os titulares de direitos reais sobre a coisa e não apenas ao proprietário. 

As restrições de direito privado são as que resultam das relações de vizinhança. Têm elas em vista regular conflitos de interesses, quer surjam entre vizinhos, em consequência da solidariedade dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de serem uns exercícios plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos.

A requisição pode ser definida como o acto administrativo pelo qual um órgão competente impõe a um particular, verificando-se as circunstâncias previstas na lei e mediante indemnização, a obrigação de prestar serviços, de ceder coisas móveis ou de consentir na utilização do interesse publico e que não convenha procurar no mercado.

A servidão é o direito pelo qual se amplia o gozo de determinado prédio à custa de uma correlativa restrição no gozo de um prédio vizinho, precisando-se na Lei civil que «Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente;(…)», art. 1543º do CC.

Como supra deixamos enunciado, a possibilidade legal de expropriação por utilidade particular tem a sua área privilegiada de aplicação no âmbito das servidões e nestas, nas legais, aludidas nos art. 1550º a 1563º do CC (de passagem, presa, aqueduto e escoamento), as quais conferem ao respectivo titular a faculdade de as constituir coercivamente, independentemente do consentimento e da vontade do dono do prédio serviente.

Nota sobre os conceitos de servidão administrativa e de restrição de utilidade pública

O conceito de servidão administrativa deriva do conceito de servidão predial do direito civil, sendo esta entendida como o encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente: diz‐se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia.

Da noção civilista resulta que, para que exista a servidão, é necessário existirem dois prédios pertencentes a donos diferentes e que haja um proveito de um prédio objectivamente ligado ao outro prédio. Tal pode não acontecer quando se fala em servidões administrativas.

Na doutrina, a servidão administrativa tem sido entendida como o encargo imposto por disposição da lei sobre certo prédio em proveito da utilidade pública de uma coisa.

No entanto, este conceito tem evoluído na medida em que, por um lado, a servidão administrativa pode incidir sobre imóvel não considerado prédio ou até sobre um direito e, por outro lado, as servidões administrativas também podem ser constituídas por actos administrativos praticados para o efeito.

Assim, por servidão administrativa deve entender‐se o encargo imposto sobre um imóvel em benefício de uma coisa, por virtude da utilidade pública desta.

Para além do conceito genérico de servidão administrativa, importa ainda atender às características principais das servidões administrativas que a seguir se identificam:

  • Resultam de imposição legal ou de acto administrativo praticado por determinada entidade administrativa com competência para tal;
  • Têm subjacente um fim de utilidade pública;
  • Podem não ser obrigatoriamente constituídas a favor de um prédio, podendo ser constituídas a favor de uma entidade beneficiária ou de uma coisa;
  • Podem recair sobre coisas do mesmo dono;
  • Podem ser negativas (proibir ou limitar acções) ou positivas (obrigar à pratica de acçõe);
  • Quando a servidão é constituída por acto administrativo, é obrigatório dar conhecimento da decisão de constituir a servidão aos respectivos interessados;
  • São inalienáveis e imprescritíveis;
  • Cessam com a desafectação dos bens onerados ou com o desaparecimento da função de utilidade pública para a qual foram constituídas.

Convém ainda referir que o procedimento de constituição de servidões administrativas segue actualmente o regime legal previsto no Código das Expropriações (CE) aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (vide art.º 8.º do CE).

Quanto à noção de restrição de utilidade pública, esta distingue‐se da de servidão administrativa.

Por restrição de utilidade pública deve entender‐se toda e qualquer limitação sobre o uso, ocupação e transformação do solo que impede o proprietário de beneficiar do seu direito de propriedade pleno, sem depender de qualquer acto administrativo uma vez que decorre directamente da Lei.

Na actualidade, são diversas as restrições de utilidade pública que podem surgir ao direito de propriedade, impostas pelas mais variadas razões e visando a protecção de interesses colectivos.

São as novas exigências da vida em sociedade, como sejam o ambiente, a defesa do solo agrícola, a ecologia, os recursos naturais, o património cultural, etc. que justificam a imposição de restrições ou limitações aos direitos dos particulares, em defesa de interesses públicos.

A servidão administrativa não deixa de ser uma restrição de utilidade pública pois tem subjacente a protecção de um bem ou de um interesse público, mas com características próprias.

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