Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

11 julho 2025

Direitos do locatário


Situação em análise: Um locatário financeiro subarrenda uma fracção autónoma para a exploração de alojamento local. A assembleia de condóminos, mediante a aprovação de uma deliberação, veda o acesso às partes comuns (por exemplo, uma piscina comum) aos utilizadores do AL, mudando a fechadura da entrada. Quid Juris?

A legitima pretensão do locatário é ser colocado na situação de a fracção autónoma poder voltar a ter a possibilidade de usar, indirectamente (através dos subarrendatários), do bem comum conexo (piscina) à fracção locada, baseado no facto de ser locatário financeiro da mesma (cfr. art. 1 e 10/2/a) do DL 149/95 com as três alterações e rectificação posteriores), possibilidade de que foi privado devido à actuação ilícita do condomínio, ao mudar a fechadura de acesso à piscina, sem lhe entregar a nova chave, o que o coloca numa situação de incumprimento, enquanto senhorio, do contrato de arrendamento celebrado com a arrendatária, fazendo-o incorrer em responsabilidade civil. E o art. 10/2, al. b) e c) do DL 149/95, bem como o art. 1037º do CC, aplicável ex vi do proémio do nº 2 daquele art. 10º, dá ao locatário que for privado da coisa ou perturbado no exercício dos seus direitos, o direito de usar, mesmo contra o locador e portanto também contra terceiros, dos meios facultados ao possuidor nos arts. 1276º e segs do CC.



Note-se que o locatário financeiro, ao “sublocar”/arrendar a coisa, torna-se um “sublocador”/senhorio, mas não perde a qualidade de locatário (financeiro), tal como o contrato de locação financeira continua a subsistir (como decorre, por exemplo, a contrario, do art. 1089º do CC, aplicável como regime subsidiário). Ele continua a ser possuidor da coisa através de outrem, como locatário (financeiro), e continua a ter os direitos inerentes a tal posição. O uso da fracção locada, bem como das coisas comuns conexas, continua a ser por ele exercido, de forma indirecta, através da arrendatária (no caso da fracção através da subarrendatária e dos utilizadores a quem esta presta serviços de alojamento local). O impedimento destes utilizarem a piscina traduz-se assim na privação parcial do direito de uso (indirecto) do locatário financeiro. Pelo que ele tem o direito de reagir contra ela.

Não tem, assim, razão, a assembleia de condóminos, quando sugere que o locatário financeiro não é visado pela deliberação da AG, ou que esta não o priva, a ele, do acesso à piscina. O locatário financeiro não usa a piscina por si, mas através da subarrendatária e dos utilizadores da fracção, pelo que a privação da possibilidade destes utilizarem a piscina é uma privação do direito do requerente.

No sentido de o possuidor indirecto, mediato, poder defender a sua posse exercida através de outrem, mesmo que o possuidor imediato não o faça, veja-se, por exemplo, Manuel Rodrigues, A posse, Almedina, 1981, referindo-se expressamente à questão das posses do proprietário e do usufrutuário, mas esclarecendo que o que diz é de aplicar a todas as modalidades que a posse mediata revestir (págs. 329 e 330), sendo que a posse do arrendatário é, nesta distinção, uma posse directa, e a do locador uma posse indirecta.

No mesmo sentido parece ir, Guerra da Mota, Manual da Acção Possessória, vol. I, Athena Editora, Porto, 1980, págs. 319 a 331. No sentido de que, “[q]uanto ao uso da coisa, o corpus possessório do locatário (incluindo o financeiro) pouco ou nada difere do que cabe ao usufrutuário ou ao usuário, titulares de direitos reais de gozo, envolvendo a prática dos mesmos actos ou muito semelhantes”, veja-se José Alberto Vieira, A posse, Almedina, 2018, págs. 617 e 618.

Note-se que o locatário financeiro, com a coisa locada em seu poder, aparece simultaneamente como detentor no que diz respeito à posse do locador, exercida nos termos da propriedade (a situação regra) e possuidor no que se refere ao seu direito de locatário financeiro (parafraseou-se José Alberto Vieira, obra citada e local citados).

Ao “sublocar”/arrendar a coisa a terceiro, pode-se dizer que ele continua a ser possuidor em nome próprio no que se refere ao seu direito de locatário, que exerce através do “sublocatário/arrendatário”, enquanto o seu “sublocatário”/arrendatário é detentor da coisa no que diz respeito à posse do locatário financeiro e possuidor nos termos do seu direito de “sublocação”/arrendamento.

No entanto, subjacente à pretensão locatário está a seguinte construção: este não terá o direito que invoca porque existe uma deliberação da AG de condóminos do edifício que lho tira?

A questão baliza-se na nulidade ou da ineficácia das deliberações.

O direito resulta do facto de ser locatário financeiro (cfr. art. 1º e 10º/2/a) do DL 149/95) de uma fracção autónoma do edifício que tem uma piscina que é um bem comum dos proprietários daquelas fracções.

Nos termos do art. 1422º/1 do CC, “os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, […] quanto às partes comuns, às limitações impostas […] aos comproprietários de coisas imóveis.”

Como comproprietário dos bens comuns, o locador financeiro e, por isso, também o seu locatário financeiro, no lugar dele, tem o direito de usar das coisas comuns. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito (art. 1406º/1 do CC). Portanto, na falta de acordo nenhum comproprietário pode ser privado do uso dela.

O uso da coisa pode ser um uso indirecto, através da sua locação a outrem (assim, por exemplo, veja-se Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil anotado, Coimbra Editora, 2.ª edição, 1984, pág. 357).

Ora, se os comproprietários decidirem impedir o uso da coisa pela pessoa a quem ela foi dada de arrendamento, estão a privar o comproprietário locador e o locatário financeiro “sublocador” do uso da coisa. Se esse acordo for unânime, nenhuma questão se põe quanto à sua validade e eficácia. Se resultar de uma maioria de comproprietários, sem o consentimento do comproprietário que ficar privado do uso, não pode ser eficaz.

Como dizem Antunes Varela e Pires de Lima: o acordo de que fala o art. 1406º/1 do CC pode ser ditado “pela simples maioria dos consortes nos termos em que esta decide sobre a administração da coisa. A maioria, porém, nunca poderá privar qualquer dos consortes, sem o respectivo consentimento, do uso da coisa a que tem direito. Apenas lhe será lícito disciplinar esse uso, de modo a evitar conflitos e choques de interesses entre os vários comproprietários.”

Daí que, já no capítulo subsequente do CC, dedicado à propriedade horizontal, o art. 1418º/2/b) do CC dispõe que “além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode ainda conter, designadamente, regulamento do condomínio, disciplinando o uso, fruição e conservação, quer das partes comuns, quer das fracções autónomas”; o 1422º/2/d) do CC dispõe que “é especialmente vedado aos condóminos praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição”, e, por fim, o art. 1430º/1 do CC dispõe que “a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.”

Assim, a competência para a AG é para a administração da coisa, para disciplinar o uso da coisa, não para impedir esse uso. Pelo que uma deliberação da AG que prive um dos condóminos do uso, directo ou indirecto, da coisa, sem o consentimento do mesmo, é uma deliberação sobre matéria para a qual não tem competência e, por isso, é ineficaz.

Como diz Sandra Passinhas, “se a AG aprovar uma deliberação lesiva do direito de cada condómino sobre a coisa ou serviço comum […] a deliberação deve considerar-se ineficaz.” (A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, Almedina, Julho 2000, pág. 255). Segundo Pires de Lima / Antunes Varela, obra citada, pág. 448, desde que a não ratifique, o condómino afectado pode, a todo o tempo, arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção ou através de uma acção de natureza meramente declarativa. E é este, sem dúvida, o regime mais aconselhável: seria violento obrigar o condómino afectado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. O mais razoável, do ponto de vista dos seus interesses, é permitir-lhe, em conformidade, com o regime da ineficácia, que ignore pura e simplesmente a deliberação como res inter alios acta.

Mas, pode haver deliberações dos condóminos, por maioria, que privem da possibilidade de uso da coisa comum um dos condóminos contanto aprovadas o seu consentimento. Se ele der o consentimento, não se pode dizer que o direito seja indisponível, ou que a norma que rege a situação é uma norma imperativa ou de interesse público.

Em suma, é um caso de eventual ineficácia da deliberação, não de uma nulidade da mesma. Em qualquer caso, não tendo o locatário dado o seu consentimento, ele não teria que reagir contra a deliberação para poder, mais tarde, frente ao esbulho da possibilidade da utilização da piscina, tentar defender o seu direito ao uso da mesma (indirecto, através da subarrendatária e dos utilizadores servidos por esta).

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