Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/20/2023

Recusa assinatura da acta


Pode um condómino, que tenha estado presente na reunião plenária do condomínio, recusar-se a assinar a acta?

Estatui o DL nº 268/94 de 25/10, no seu art. 1º, nº 1 que "São obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes". Por seu turno, dimana do no 3 que "A eficácia das deliberações depende da aprovação da respectiva acta, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos".

Da conjugação destes preceitos, verifica-se que as actas devem ser assinadas, quer pelo presidente da Mesa da Assembleia de Condóminos, como pelos presentes (condóminos, seus representantes ou terceiros titulares de direitos sobre as fracções), porém, a eficácia das deliberações, depende da aprovação da acta e não das assinaturas.

Destas sortes, a recusa de um condómino em assinar uma acta não constitui motivo bastante para obstar à validade e eficácia da mesma. No entanto, perante a recusa de assinar de um condómino que tenha participado na assembleia de condóminos, se se verificar que a mesma se dever ao facto de o condómino considerar que a acta não reproduz com verdade o que efectivamente foi deliberado na reunião, deve o teor da acta ser reapreciado e votado, sendo que, se se tiver aprovado pela maioria, prima facie, considera-se que os argumentos do condómino não colheram.

O Código das Sociedade Comerciais
 
Perante este facto, considerando-se que a recusa é, pois, injustificada, há quem defenda que deve o condómino faltoso ser judicialmente notificado para o fazer em prazo não inferior a oito dias. Nesta factualidade, o condómino é notificado judicialmente, pode então invocar, justificando e provando em juízo, a falsidade da acta (cfr. art. 63º, nº 3, do CSC). Acresce que nos termos deste mesmo diploma, a recusa injustificada da assinatura da acta é punível com sanção de multa até 240 dias (art. 521º do CSC).
 
No âmbito do regime das sociedades comerciais, área do direito privado onde a figura da acta mereceu desenvolvido tratamento, realça-se que a acta, definível como “o instrumento técnico em princípio usado para a documentação dos acontecimentos ocorridos nas reuniões dos órgãos colegiais das sociedades comerciais, como de um modo geral de todos os outros entes colectivos, tenham ou não personalidade jurídica” (Pinto Furtado, “A acta e o instrumento notarial de documentação das reuniões de assembleia das sociedades comerciais”, separata da RDES, ano XXV, n.ºs 1-2, 1980, pág. 1), “é um documento que serve de suporte ou instrui a historicidade contemporânea de uma acção” (Pinto Furtado, “A acta…”, pág. 5), cuja função é dar notícia das ocorrências na reunião e não dar forma a essas ocorrências, designadamente às deliberações sociais (Pinto Furtado, “A acta…, pág. 19).
 
Antes da publicação do CSC, a maioria da doutrina entendia que a regra, no domínio da documentação das deliberações sociais, era a da liberdade de forma e em face do disposto no art. 397º do CPC (possibilidade da deliberação social ser suspensa sem apresentação da acta) a acta não era, em regra, sequer uma exigência de prova, de que dependia a eficácia das deliberações tomadas, mas apenas um meio normal de documentar os acontecimentos ocorridos na assembleia, sem interferir com a validade das deliberações (cfr., com menção da posição dos vários autores, v.g., Pinto Furtado, “A acta…”, págs 46 a 52; Albino Matos, “A documentação das deliberações sociais no Projecto do Código das Sociedades”, Revista do Notariado, 1986, nº 1, pág. 43 e ss; Luís Brito Correia, Direito Comercial, 3º vol., AAFDL, 1989).
 
Com a publicação do CSC, passou a ficar estipulado que “as deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem” (nº 1 do art. 63º). Por outro lado, o art. 59º nº 4 do CSC, atinente à acção de anulação das deliberações, mantém a solução de que a proposição da acção de anulação não depende de apresentação da respectiva acta (nº 4), bem assim que o prazo para a propositura da acção se conta, em regra, a partir da data em que foi encerrada a assembleia geral (nº 2, al. a), independentemente da elaboração da acta.
 
A falta da acta não consta do elenco taxativo das nulidades das deliberações (art. 56º do CSC), pelo que se confirma que essa omissão não acarreta a nulidade da deliberação. Por outro lado, os termos peremptórios do art. 63º, nº 1, do CSC, obstam a que se admita a possibilidade, própria da anulabilidade, da sanação do vício através da mera caducidade do direito de impugnar a deliberação (pelo que a falta da acta não constituirá um caso de anulabilidade da deliberação).
 
Por conseguinte, a falta da acta torna a deliberação ineficaz (Albino Matos, “A documentação…, págs 73 a 75; Luís Brito Correia, “Direito Comercial, 3.º volume, páginas 241, 346 e 348; Pinto Furtado, “Comentário…, págs 668 a 674), ineficácia essa resultante da exigência legal de que a prova da deliberação se faça por meio da acta. A acta constitui, relativamente à deliberação, em teoria pura, uma formalidade ad probationem, mas como a lei exige que essa prova se faça exclusivamente através da acta, a situação é semelhante à da formalidade ad substantiam, acabando a destrinça em causa por não ter relevo para o efeito do disposto no art. 364º do CC (Castro Mendes, Teoria Geral de Direito Civil, III, FDL, 1973, págs 100 e 101).

O Regime da Propriedade Horizontal
 
Reportando-nos às deliberações da assembleia de condóminos, afigura-se-nos que lhes são plenamente aplicáveis as considerações supra expostas quanto à distinção entre a formação das deliberações, a sua validade intrínseca, e a elaboração da acta, encarada como documento informativo do teor dessas deliberações. No dizer de Aragão Seia, “a acta é a documentação do deliberado, ou seja, o relato escrito dos factos juridicamente relevantes que tiveram lugar na assembleia, com menção das pessoas que estiveram presentes e intervieram nas deliberações, elaborada por aqueles com legitimidade para o fazer. Dela devem constar as deliberações tomadas, em nada contribuindo, contudo, para a sua formação ou validade; é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular – art. 376º” (Propriedade horizontal, pág. 180).
 
Às deliberações das assembleias de condóminos são aplicáveis as regras da suspensão das deliberações sociais (art. 398º nº 1 do CPC), pelo que a suspensão pode ser requerida e até decretada sem que a acta contendo a deliberação seja apresentada. A própria acção de anulação de deliberação tomada pela assembleia de condóminos deve ser intentada no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação (para o caso dos condóminos que estiveram presentes) ou no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária que tiver sido convocada, sem que a lei exija a prévia elaboração da acta (art. 1433º do CC).
 
As deliberações da assembleia de condóminos assumem manifesto relevo, pois provêm do órgão máximo do condomínio, que decide de todas as questões que têm a ver com as partes comuns do prédio. Essas deliberações são vinculativas não só para os condóminos que estiveram presentes como para os ausentes, posto que as não tenham impugnado. As deliberações estão sujeitas a determinadas maiorias, definidas na lei. Assim, assume especial relevância a certeza acerca do que se passou na assembleia, designadamente para que se saiba qual o exacto conteúdo das deliberações, quem, de entre os presentes, as aprovou e se foram respeitadas as necessárias maiorias. Tal certeza atinge-se, nos termos da lei, através da elaboração de uma acta, onde se relatará o que se passou na reunião e quais as deliberações tomadas.
 
Sandra Passinhas, afirma que “do regime legal não se retira qualquer indicação no sentido de que a acta tenha valor meramente probatório” e defende que a acta é uma formalidade ad substantiam (“A assembleia de condóminos…, páginas 265 a 267).
 
Pelas razões supra expostas, afigura-se-nos que o regime tido em vista pelo legislador para a propriedade horizontal aproxima-se do das sociedades comerciais: embora a sua falta não afecte a validade das deliberações da assembleia de condóminos, a acta é a única forma admissível para provar tais deliberações, pelo que a sua ausência as torna ineficazes, em termos tais que, embora no ponto de vista teórico a acta se apresente como uma formalidade ad probationem, na prática a sua omissão tem a consequência prevista no art. 364º nº 1 do CC (não pode ser substituída por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior).

Para o já citado juiz conselheiro, ARAGÃO SEIA, Propriedade Horizontal, Almedina, 2ª ed., 172 a 175, a acta “é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular – art. 376º. (…) A recusa de um condómino em assinar a acta não pode decretar a invalidade da deliberação. Se assim fosse, encontrado estava um meio de qualquer condómino obstar continuamente à validade das decisões da assembleia. Recusando-se um condómino a assinar deve ser isso consignado na acta, sendo assinada pelos demais que hajam participado na assembleia. É, aliás, o que acontece quando um condómino sai no decurso desta, antes de lavrada e assinada a acta. Se se recusa a assinar, depois de elaborada a acta e assinada pelos demais, deve-se lavrar um “em tempo”, assinado por todos os outros condóminos que participaram na assembleia. Se já não for possível colher a assinatura de todos os que assinaram a acta deve ser notificado como se de ausente se tratasse. Poderá, assim, vir a impugnar as deliberações, verificados os necessários pressupostos, ou a arguir a falsidade da acta em tribunal”.

Neste sentido, o TRP, em Ac, datado de 15-11-2007 (processo nº 0733938), decidiu que:

"I – A acta da assembleia de condóminos é um documento ad probationem, não se assumindo como elemento constitutivo, nem como pressuposto de validade da deliberação, tendo a força probatória de documento particular.
II – A lei não sancioina expressamente a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia, designadamente com a inexistência, ineficácia ou nulidade de uma acta lavrada sem tais assinaturas, não sendo aplicável a disciplina que rege as sociedades comerciais, já que se está perante um instituto (propriedade horizontal) com regime específico no direito civil.
III – O condómino que se recuse a assinar a acta deve, em última instância, ser notificado como se de ausente se tratasse, podendo, nesse caso, vir a impugnar as deliberações, verificados os necessários pressupostos, ou arguir a falsidade da acta em tribunal."

Em sentido análogo, o TRL no seu Ac. de 07-04-2016 (processo nº 2816/12.6TBCSC-A.L1-2), acrescenta que: Considera-se, portanto, que o condómino presente que não assinou a acta ou a não quis ou não a pode assinar e que não impugnou a deliberação, ou não suscitou a questão oportunamente, não pode disso prevalecer-se tendo em conta o instituto do abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil, porque a ela deu causa ou aceitou a forma como a mesma foi elaborada.

Portanto, a jurisprudência conhecida tem, quase unanimemente, defendido que a acta da assembleia de condóminos é uma formalidade ad probationem e a falta de assinatura de condóminos que nela participaram é uma mera irregularidade que, não sendo oportunamente reclamada, não afecta a deliberação tomada nem a exequibilidade do título. Apela-se para o preâmbulo do DL 268/94, onde se diz que o mesmo teve como objectivo “procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”. Defende-se que o condómino presente que não assinou a acta ou a não quis ou não a pode assinar e que não impugnou a deliberação, ou não suscitou a questão oportunamente, não pode disso prevalecer-se tendo em conta o instituto do abuso de direito previsto no art. 334º do CC, porque a ela deu causa ou não quis remediar. Lembra-se que nos termos do disposto no art. 1413º do CC as deliberações contrárias ou não à lei ou regulamentos anteriormente aprovados tornam-se definitivas se não for requerida a anulação por qualquer condómino que as não tenha aprovado nos prazos e pelo modo aí referidos. Tornando-se definitivas, as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções – nº 2 do art. 1º do DL 268/94. Realça-se que a lei não sancionou expressamente a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia. Designadamente, não comina com a inexistência, ineficácia ou nulidade uma acta lavrada sem tais assinaturas. Mais se diz que não se compreenderia que a acta seja vinculativa para os condóminos que faltem à assembleia (uma vez que lhes sejam comunicadas) e não se considerar a mesma válida e eficaz no caso de haver condóminos que, tendo estado presentes, por qualquer motivo não assinaram a acta (cfr., v.g., Ac TRL, de 02.3.2004, processo 10468/2003-1; TRP, 18.4.2006, processo 0621451, 18.12.2003, processo 0336205, e 06.3.2003, processo 0330883).

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