Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/15/2023

Acta - Falta de assinaturas


Tribunal: Relação do Porto
Processo: 0336205
Data: 18/12/2003

Sumário:

A acta de uma assembleia de condominos não deixa de ser válida, e constituir título executivo, mesmo que não contenha todas as assinaturas a que alude o art. 1º, nº 1, do DL nº 268/94.

Texto integral:

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
A Administração do Condomínio ..............., sito na Rua ............, nºs ../../.., freguesia de ..........., ........., instaurou execução ordinária contra Fundo de Investimento Imobiliário ..............., para pagamento da quantia de € 3.991,13, acrescida de juros vincendos.

Alegou, para tanto, e em síntese, que a executada é proprietária das fracções autónomas CB e EK; que, nas Assembleias Gerais de Condóminos realizadas em 9.2.2001 e 1.2.2002, foi aprovado o orçamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, a suportar pelos condóminos, tendo a executada ficado obrigada a contribuir, no ano de 2001, com as quantias trimestrais de € 93,69 e 410,76, respectivamente para as fracções CB e EK, e de € 92,46 e 405,38, no ano de 2002; apesar de interpelada, a executada não pagou o 4º trimestre de 2001, nem todo o ano de 2002.

A exequente apresentou, como título executivo, certidão das actas das referidas Assembleias Gerais, encontrando-se a primeira assinada apenas pela presidente e pela secretária da assembleia (que aí intervieram por si e em representação de várias “fracções”) e, a segunda, contendo apenas uma assinatura.

Por despacho de fls. 41/42 foi a execução liminarmente indeferida, por se ter considerado que a acta dada à execução, junta a fls. 9 a 13, porque não se encontrava assinada por todos os condóminos presentes, não poderia valer como tal e, consequentemente, era insusceptível de constituir título executivo.
Inconformada, interpôs a exequente o presente recurso de agravo, em cuja alegação e respectivas conclusões sustenta que a acta em causa cumpre os requisitos legais e constitui título executivo válido.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O M.mo Juiz a quo proferiu tabelar despacho de sustentação.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II.
A única questão que constitui o objecto do recurso consiste em saber se as actas das assembleias de condóminos, para valerem como tal e como título executivo, têm de estar assinadas pela pessoa que presidiu à assembleia e por todos os condóminos que nela hajam participado.
Esse foi o entendimento expresso na decisão recorrida, e de que a recorrente discorda.
Vejamos de que lado está a razão.

Nos termos da al. d) do art. 46º do CPC, às execuções podem servir de título executivo “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva”.
Uma disposição especial atributiva de força executiva a determinado documento é o art. 6º, nº 1 do DL nº 268/94, de 25.10, preceito segundo o qual “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.

O nº 1 do art. 1º do mesmo diploma estatui que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado”.

Ora, não sendo a acta assinada por todos os condóminos que participaram na assembleia – como sucedeu no caso em apreço – coloca-se a questão de saber se a mesma pode valer como acta, designadamente para efeitos do disposto no art. 6º do citado diploma legal.
Julgamos que a resposta deverá ser afirmativa.

Dir-se-á, em primeiro lugar, que a lei não sanciona expressamente a falta de assinatura de algum ou alguns dos condóminos que tenham participado na assembleia. Designadamente, não comina com a inexistência, ineficácia ou nulidade uma acta lavrada sem tais assinaturas.
E afigura-se-nos não ser aqui aplicável a disciplina que rege as sociedades comerciais, pois estamos perante um instituto (propriedade horizontal) com regime específico do direito civil. De qualquer modo, o Cód. das Sociedades Comerciais não deixa de considerar o documento como acta, nem, sem mais, lhe retira a sua força probatória, quando aquela, devendo ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia, alguns deles o não façam, podendo fazê-lo (vd. art. 63º, nº 3). De acordo com esse preceito, a exigência da assinatura por todos os sócios vem a converter-se, ao fim e ao cabo, “na exigência menor, juridicamente relevante, de assinatura apenas pela maioria dos sócios presentes” [Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, 698].

Por outro lado, é de salientar que, “uma vez aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia representam a vontade colegial e são vinculativas para todos os condóminos, mesmo para os que não tenham participado na reunião (...)”[P. de Lima e A. Varela, CC anotado, III, 2ª ed., 446; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, 173; Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 257]. Ou seja, a acta a que se refere o DL nº 268/94 é também vinculativa para os condóminos que faltem à assembleia, como resulta do disposto no nº 2 do art. 1º deste diploma. Ponto é que as deliberações sejam devidamente comunicadas aos condóminos ausentes, como, de resto, o impõe o nº 6 do art. 1432º do CC.
Ora, não se compreenderia tal regime relativamente aos condóminos ausentes e não se considerar a acta válida e eficaz no caso de haver condóminos que, tendo estado presentes, por qualquer motivo não assinaram a acta.
O entendimento seguido no despacho posto em crise conduziria a que – porque ninguém pode ser materialmente obrigado a assinar um acta - qualquer condómino poderia obstar continuamente à validade das decisões da assembleia. Bastaria, para tanto, e como escreve o ilustre conselheiro Aragão Seia [Ob. e loc. Cit], que um condómino se recusasse a assinar a acta. O que seria inaceitável.
Para este autor, o condómino que se recuse a assinar a acta deve, em última instância, ser notificado “como se de ausente se tratasse”, podendo, nesse caso, “vir a impugnar as deliberações, verificados os necessários pressupostos, ou arguir a falsidade da acta em tribunal”. E, segundo o Ac. desta Relação, de 26.10.98, proc. nº 9850708, in www.dgsi.pt, “a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo, nos termos do art. 6º do D.L. nº 268/94, mesmo que o condómino devedor não tenha estado presente na assembleia ou se tenha recusado a assinar a acta”.
Ora, não vemos qualquer razão para a acta não tenha igual força e natureza quando os condóminos, por qualquer outro motivo, não tenham assinado a acta.
Se “a acta da assembleia de condóminos onde está fixada a obrigação de pagamento para as despesas comuns do prédio constitui título executivo, ainda que o condómino não tenha estado presente nessa assembleia” [Ac. da RC, de 29.6.99, CJ, 1999, III, 43], por maioria de razão tal acta valerá como tal e constituirá título executivo no caso de haver condóminos que, tendo estado presentes, não assinaram a acta, por se haverem recusado a tal ou por outro motivo. É que “a força executiva da acta não tem a ver com a assunção pessoal da obrigação consubstanciada na assinatura dela, mas sim com a eficácia imediata da vontade colectiva, definida através da deliberação nos termos legais, exarada em acta” (Aragão Seia [Ob. cit., p. 198] e citado Ac. da RC, de 29.6.99).
Assim sendo, dever-se-á concluir, como neste último acórdão, que a acta a que se refere o art. 6º, nº 1 do DL 268/94 constitui título executivo contra o proprietário que deixa de pagar, tenha participado ou não na assembleia de condóminos e tenha ou não assinado a acta. Também segundo o Ac. da RP, de 19.3.2001, in www.dgsi.pt (processo nº 0051128) “a acta da assembleia de condóminos (...) que deliberou a realização de obras em partes comuns, por certa quantia global, sem especificação do valor a pagar por cada condómino, embora não esteja por eles assinada, é título executivo”.
Concluímos, portanto, que a acta não deixa de ser válida, e constituir título executivo, mesmo que não contenha todas as assinaturas a que alude o art. 1º, nº 1, do DL nº 268/94.
Procedem, pois, as conclusões do recurso.

III.
Em face do exposto, concede-se provimento ao agravo e, consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro a dar prosseguimento aos termos da execução, salvo se, por outra razão, não for de prosseguir.
Sem custas (art. 2º, nº 1, o) do CCJ).

Porto, 18 de Dezembro de 2003
Estevão Vaz Saleiro de Abreu
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
José Viriato Rodrigues Bernardo

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