Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/06/2023

Encargos - Penas pecuniárias - Execução


Tribunal: Relação de Lisboa
Processo: 4678/18.0T8ALM-A.L1-2
Data: 15-12-2022

Sumário:

I) As obrigações não reais respeitantes a direitos disponíveis encontram-se sujeitas a prazos de prescrição.

II) A obrigação do condómino de pagar as despesas atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescreverão em 5 anos, nos termos do artigo 310.º, al. g) do CC e o prazo da prescrição começará a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. n.º 1 do artigo 306.º. do CC.

III) Interposta execução em que o executado não é citado nos 5 dias posteriores à sua instauração, porque a tramitação processual prevê que a citação seja posterior à penhora, beneficia o exequente da interrupção do prazo prescricional decorridos que sejam esses 5 dias, nos termos do artigo 323.º, n.º 2, do CC, pois que não lhe é imputável a não citação em tal caso.

IV) O direito de crédito em execução, no que concerne às quotas extra, está titulado por documento com valor de título executivo e este título é superveniente à constituição e vencimento da dívida, cumprindo assim a exigência do artigo 311º do Código Civil para que o respectivo prazo de prescrição passe a ser o ordinário, pelo que, a obrigação correspondente, porque não se renova anualmente – traduzindo-se na prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, fixando-se o valor respetivo a forfait - prescreverá em 20 anos.

V) A Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro veio rever o regime da propriedade horizontal, alterando, nomeadamente, o Código Civil e o DL n.º 268/94, de 25 de outubro.

VI) De entre as alterações introduzidas pela Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, ao DL n.º 268/94, de 25 de outubro consta a do n.º 3 do artigo 6.º desse diploma, onde se passou a dispôr que: “3- Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”.

VII) A nova regulação normativa do artigo 6.º, n.º 3, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro, na redação da Lei n.º 8/2022, contemplando a previsão de que se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o n.º 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio, tem caráter interpretativo (cfr. artigo 13.º, n.º 1, do CC) e não inovador.

VIII) Em face do referido, poderá entender-se que, por via da interpretação decorrente da publicação da Lei n.º 8/2022, de 10 de janeiro, no título executivo poderão considerar-se contempladas as sanções pecuniárias que sejam aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

IX) As penas pecuniárias são destinadas a compelir e pressionar os condóminos a cumprir e, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio.

X) Os honorários traduzem, por seu turno, o preço ou remuneração do serviço desempenhado por advogado ao seu cliente, não constituindo, por si só, qualquer sanção pecuniária.

XI) Não se mostrando que o montante indicado pelo exequente a título de honorários de mandatário tenha sido despendido pelo exequente e não sendo o mesmo indicado nas actas das assembleias de condóminos, nem no regulamento do condomínio, inexiste título executivo para cobrança de tal verba. 

Fundamentação:

Nos termos do mencionado artigo 6.º, n.º 1, do DL n.º 268/94, de 25 de outubro: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Conforme resulta do preâmbulo do citado DL 268/94, de 25 de outubro, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio).
Contudo, conforme se afirmou no Acórdão do STJ de 02-06-2021 (Pº 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1, rel. FERREIRA LOPES): “Para valer como título executivo nos termos do art.º 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo. A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art.º 6º do DL n 268/94”.
De facto, os requisitos de exequibilidade da acta da reunião de condomínio se reconduzem a:
- Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;
- Fixação da quota-parte devida por cada condómino;
- Fixação do prazo de pagamento respectivo (cfr., neste sentido, os seguintes Acórdãos: TRL de 26-01-2017, Pº 1410-14.1YYLSB-A.L1-8, rel. ILÍDIO SACARRÃO MARTINS; TRC de 23-01-2018, Pº 7956/15.7T8CBR-A.C1, rel. ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO; STJ de 19-06-2019, Pº 5859/08.0YYLSB-A.L2.S1, rel. FÁTIMA GOMES; STJ de 01-10-2019, Pº 14706/14.3T8LSB.L1.S1, rel. ACÁCIO DAS NEVES; TRC de 18-05-2020, Pº 1546/19.2T8SRE.C1, rel. MARIA JOÃO AREIAS; STJ de 02-06-2021, Pº 1549/18.4T8SVL-A.E1.S1, rel. FERREIRA LOPES; TRP de 13-01-2022, Pº 143/08.2TBMTS-B.P1, rel. FILIPE CAROÇO; TRL de 28-04-2022, Pº 672/21.2 T8LSB.L1-8, rel. TERESA SANDIÃES).

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