Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/12/2023

Acção Executiva - Honorários mandatário III

 

Sobre a especifica exequibilidade dos honorários a mandatário debruçou-se, em particular, o Acórdão do TRP de 08-09-2020 (Pº 25411/18.1T8PRT-A.P1, concluindo que, “os honorários devidos a advogado e mais despesas decorrentes da interposição de execução não são despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum do condomínio, tal como definidas no art. 6º, nº 1, do citado DL 268/94, não podendo, por isso, mesmo que tenham sido aprovados em assembleia de condóminos e constem da respectiva acta, ser incluídos na execução movida contra o proprietário que deixe de pagar a sua quota-parte no prazo fixado”.

Conforme se lê na fundamentação deste aresto: “Nesta sede a cobrança de tais valores por via executiva não encontra apoio no já citado art. 6º, n.º 1, do DL n.º 268/94. Não há dúvida que quando o condomínio celebra com um advogado um contrato de mandato forense para efeitos de interposição de execução destinada à cobrança de prestações não pagas ou, ainda, quando, no âmbito dessa execução, tem que suportar despesas inerentes a tal processo, está a agir no interesse colectivo dos condóminos. Todavia daí não resulta que esteja em causa a prestação de «serviços de interesse comum», na acepção que nos parece ter sido querida pelo legislador ao consagrar a previsão do art. 6º, nº 1, do citado DL 268/94, que foi a de relacionar tais despesas com as despesas inerentes ao funcionamento intrínseco do condomínio, salvaguardando a operacionalidade e a rapidez na cobrança de dívidas do condómino que, exclusivamente, se relacionam, de forma directa e imediata, com as obrigações dos condóminos, em relação às partes comuns, à sua conservação e fruição. Serão serviços de interesse comum aqueles serviços que se mostram colocados à disposição de todos os condóminos e que eles poderão ou não usar conforme lhes aprouver, como sucede, por exemplo, com os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais como ascensores, caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, serviços de segurança e vigilância do imóvel, etc. Não é o que se passa com o serviço do advogado, consistente no patrocínio forense no âmbito da execução instaurada para cobrança coerciva de quotas ou outras prestações devidas, ou, ainda, com o valor das despesas suportadas no âmbito de tal execução, pois que nenhum dos condóminos pode usufruir ou usar de tais serviços. (…)”.

Em moldes algo diversos, considerou-se no Acórdão do TRG de 06-02-2020 (Pº 261/18.9T8AVV-B.G1) que, “relativamente aos honorários de advogado - questão sobre a qual também se tem dividido a jurisprudência (acórdão TRP de 18/02/2019; no sentido defendido pelo apelante, o acórdão do TRL de 5/06/2001) - valem as actas da reunião da assembleia de condóminos como título executivo (desde, que claro está, no título se determine desde logo o montante em causa).

Na verdade, implicando o incumprimento do condómino relapso o recurso a juízo para dele se obter coercivamente a satisfação das contribuições devidas (da sua quota-parte concernente a assegurar o funcionamento das partes comuns, conservação e fruição destas), o pagamento dos honorários devidos ao mandatário que patrocine a causa constituirá uma despesa necessária ao pagamento de serviço de interesse comum (acórdão do TRL de 5/06/2001.

Não se argumente que sendo a cobrança das contribuições do interesse do condomínio, o serviço prestado pelo mandatário em vista da sua cobrança coerciva não se inclui no âmbito dos serviços de interesse comum, postos à disposição dos condóminos, por o serviço do mandatário não ser serviço que qualquer dos condóminos possa usar (não estar na disposição de cada um deles), não sendo eles, executados, beneficiários dos serviços prestados pelo advogado - serviços de interesse comum seriam, assim, tão só os aludidos no art. 1424- do CC: serviços postos à disposição de todos os condóminos, que eles poderão usar ou não usar, como, por exemplo, os serviços relacionados com equipamentos comuns, tais como ascensores, caldeiras de aquecimento, jardins colectivos, piscinas, antenas colectivas, serviços de segurança e vigilância do imóvel (Ac. TRC de 7/02/2017 e Ac. TRP de 18/02/2019).

Não cremos que esse seja a solução mais conforme à hermenêutica do preceito. O que releva, estamos em crer, para determinar se o serviço é de interesse comum (para efeitos do nº 1 do art. 65 do DL 268/94) não é estar o serviço na disposição directa de cada um dos condóminos (na possibilidade de o utilizar ou não), antes tratar-se de serviço prestado para alcançar o interesse comum. Atente-se no serviço de limpeza dos espaços comuns: tal serviço não está na disponibilidade directa de fruição por qualquer condómino (nenhum condómino os poderá usar na sua fracção); é serviço de que frui (e beneficia) na medida em que goza (ou pode gozar/fruir) das partes comuns, onde o mesmo é prestado. Do mesmo modo, os serviços prestados pelo mandatário ao condomínio em causa executiva destinada a haver coercivamente de qualquer condómino a quota-parte das contribuições devidas ou das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, serão fruídos/gozados pelos condóminos (todos) na utilização/fruição/gozo das partes comuns, já que os valores cobrados na execução se destinam a suportar os encargos com aquelas.

Conclui-se, face ao exposto, que o pagamento dos honorários devidos ao mandatário pela demanda em juízo dos condóminos relapsos, com vista a cobrar coercivamente destes a sua quota-parte nas contribuições e despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, constitui despesa necessária ao pagamento de serviços de interesse comum, compreendida na previsão normativa no nº 1 do art. 6 do DL 268/94 - e por isso que as actas da assembleia de condóminos que deliberem sobre o montante respectivo gozam de executoriedade”.

Independentemente da orientação que se perfilhasse, afigura-se-nos, contudo, que os contornos do problema se alteraram, sensivelmente, na decorrência da entrada em vigor da Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro. Como se sabe, esta Lei veio rever o regime da PH, alterando, nomeadamente, o CC e o DL n.º 268/94.

De entre as alterações introduzidas pela Lei nº 8/2022, de 10 de Janeiro, ao DL 268/94, consta a do nº 3 do art. 6º desse diploma, onde se passou a dispôr que: “3- Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio”.

Ora, pode considerar-se que o aludido art. 6º, nº 3, do DL 268/94, na redacção dada pela Lei nº 8/2022, tem natureza interpretativa. Conforme refere A. Santos Justo (Introdução ao estudo de direito, 12ª Edição, Almedina, 2021, p. 302), “a interpretação autêntica dimana duma fonte não hierarquicamente inferior à que interpreta. Ocorre através duma lei (dita interpretativa) que se integra na lei interpretada. Trata-se, portanto, da explicitação legislativa duma lei duvidosa, carecida de esclarecimento, que tem a força vinculativa da lei … Além do órgão legislativo que elaborou a lei interpretada (auto-interpretação), a interpretação autêntica pode ser igualmente feita por outro órgão legislativo (hetero-interpretação)”.

Dispõe o nº 1 do art. 13º do CC que a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença transitada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza.

Conforme refere Pedro Romano Martinez (Introdução ao Estudo do Direito; AAFDL, 2021, pp. 222 e 223) “a regra interpretativa contrapõe-se à inovadora, porquanto, na primeira, não se prescrevem soluções novas, atende-se, explicando, à regulamentação existente. As regras interpretativas fixam o sentido de outras regras jurídicas – p. ex., art. 9º CC (…). cA lei interpretativa, ao determinar o sentido da lei interpretada, integra-se nesta e o sentido agora fixado vincula o aplicador desde o início de vigência da lei interpretada”.
 
Refere o mesmo Autor (ob. cit., p. 391) que, “[n]o caso de lei interpretativa prescreve-se a retroactividade (artigo 13.º, n.º 1, CC). A lei interpretativa é retroactiva, pois actua sobre factos ocorridos na vigência da lei interpretada e que antecederam a entrada em vigor daquela, com salvaguarda do caso julgado e de efeitos já produzidos.

A retroactividade da lei interpretativa resulta de se ter estabelecido um novo entendimento, que se pretende integrar na lei interpretada (art. 13º, nº 1, 1ª parte, CC), ficando, porém, ressalvados os efeitos já produzidos em quatro hipóteses: 1) cumprimento da obrigação; 2) sentença transitada em julgado; 3) transacção; 4) actos análogos. (…).”.

Ora, no caso, a nova regulação normativa do art. 6º, nº 3, do DL n.º 268/94, na redacção da Lei 8/2022, contemplou o entendimento de que, se consideram abrangidos pelo título executivo a que se reporta o nº 2 do mesmo artigo, os juros de mora, à taxa legal, da obrigação nele constante, bem como as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

A nova lei, na medida em que regulou da forma descrita, a problemática dos elementos que se consideram abrangidos pelo título executivo assente nas actas de deliberações da assembleia de condóminos, tem carácter interpretativo e não inovador.

Conforme se escreveu, neste mesmo sentido, no Ac. do TRP de 21-02-2022 (Pº 5404/09.0T2AGD-D.P1: “Julga-se, no entanto, que, tendo em conta a recente intervenção do legislador (que pode ser qualificada como uma verdadeira interpretação autêntica do legislador através da alteração introduzida no nº 3 do art. 6º pela Lei 8/2022 de 10 de Janeiro (…), deve passar a prevalecer esta interpretação que considera abrangida pela referida expressão as penas pecuniárias, devendo, assim, “considerar-se abrangidos pelo título executivo… as sanções pecuniárias, desde que aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio” – como esclarece agora a nova Lei”.

No caso, o embargado pugna pela interpretação extensiva do art. 6º do DL 268/94, dizendo que, “cabe no âmbito da expressão “contribuição devidas ao condómino”, as despesas de contencioso, mormente honorários de mandatário que patrocine o condomínio, com vista a obter a cobrança das comparticipações devidas, fazendo-as, assim, repercutir na esfera do condómino faltoso”.

Em face do referido, poderá entender-se que, por via da interpretação decorrente da publicação da Lei nº 8/2022, no título executivo poderão considerar-se contempladas as sanções pecuniárias que sejam aprovadas em assembleia de condóminos ou previstas no regulamento do condomínio.

Ora, ao invés do pugnado pelo recorrente, certo é que, não se alcança que os honorários que sejam devidos ao mandatário que patrocine o condomínio numa acção judicial para cobrança de contribuições devidas ao condomínio, se integrem no conceito de “sanções pecuniárias”, para efeito do nº 3 do aludido art. 6º do DL 268/94, expressão que se encontra em perfeita correlação com o sentido do art. 1434º, nº 1, do CC.

Conforme se salientou no Acórdão do TRP de 17-06-2021 (Pº 627/14.3TBVNG-B.P1), as penas pecuniárias são destinadas a compelir e pressionar os condóminos a cumprir “e, por isso, não visam imediatamente a satisfação de despesas, constituindo antes uma receita eventual do condomínio”.

Os honorários traduzem, por seu turno, o preço ou remuneração do serviço desempenhado por advogado ao seu cliente, não constituindo, por si só, qualquer sanção pecuniária.

De todo o modo, pode verificar-se que, em sede do Regulamento do Condomínio pode constar que: “A cobrança judicial das contribuições, ordinárias ou extraordinárias, importa para o condómino faltoso a obrigação de pagar, além do montante devido, dos respectivos juros de mora e da multa, todas as despesas judiciais e extrajudiciais despendidas para o efeito, nomeadamente custas dos tribunais, honorários de advogados e despesas administrativas”.

E, seguindo o sentido interpretativo consignado no art. 6º do DL 268/94, na redacção da Lei 8/2022, poder-se-ia dizer que os honorários de advogados se encontravam referenciados no Regulamento do Condomínio como “despesas judiciais e extrajudiciais” e que, de acordo com o mencionado, devessem ser incorporadas na obrigação de pagamento do condómino faltoso.

Todavia, o próprio Regulamento afasta a possibilidade de se conferir tal natureza a despesas ainda não despendidas, dado que, só as despesas judiciais e extrajudiciais efectivamente despendidas, podem determinar a actuação do comando ínsito no mencionado Regulamento.

Igual cuidado se pode denotar na competente acta onde conste que: “Foi ainda deliberado que, expirado o prazo concedido para pagamento, se proceda judicialmente contra os condóminos supra identificados que não tenham regularizado a sua situação perante o condomínio, cobrando-se para o efeito o montante em dívida a título de quotizações, dos respectivos juros de mora vencidos e vincendos e da multa, todas as despesas judiciais e extrajudiciais despendidas para o efeito”.

Ora, o montante que seja indicado pelo administrador e que não se mostre ter sido despendido pelo mesmo, é uma despesa ainda não concretizada, sendo certo que, no requerimento executivo o mesmo apenas se pode reportar a um valor previsível de honorários a despender.

Por outro lado, nem do regulamento, nem da acta constará deliberado o montante que será mencionado no requerimento executivo como referente a honorários. Nesta factualidade, verifica-se, pois, inexistir título executivo que sustente a pretensão de pagamento da aludida quantia.

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