Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/14/2023

DL 40 333 de 14/10/1955 - Preâmbulo


A propriedade horizontal, que é hoje uma realidade insubstituível, foi entre nós instituída e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 40 333 de 14 de Outubro de 1955, o qual na sua essência passou a integrar o Código Civil através do DL nº 47 344 de 25 de Novembro de 1966.
 
Atento o interesse histórico deste regime jurídico, replica-se infra o extenso e esclarecedor preâmbulo do competente diploma.

Ministério da Justiça

Gabinete do Ministro


Decreto-Lei nº 40 333

 
1. Origens e actualidade do instituto da propriedade horizontal
 
A figura da propriedade horizontal ou propriedade por andares, que o presente diploma se propõe regular, depois de ouvida a Câmara Corporativa, parece ser desde há muito conhecida nas nossas leis pátrias.Já no título LXVIII do Livro I das Ordenações Filipinas se dispunha assim: «Se uma casa for de dois senhores, de maneira que de um deles seja o sótão e de outro o sobrado, não poderá aquele cujo for o sobrado fazer janela sobre o portal daquele cujo for o sótão, ou lógea, nem outro edifício algum».

Mais tarde, também o Código Civil (artigo 2335º) faz menção da possibilidade de os diversos andares de um mesmo edifício pertencerem a proprietários diferentes e define, embora em termos muito elementares e deficientes, as obrigações que, na falta de título, compete a cada um deles na reparação dos tectos, das paredes e das escadas do prédio.

Apesar disso, o instituto não conseguiu passar até agora do limbo das mera previsões legais para o campo das realidades práticas, sinal evidente de não corresponder, no pretérito, a nenhuma necessidade económico-social premente. Mas corresponde, sem dúvida, a uma necessidade dos tempos modernos, como de algum modo o atestam, não só a larga divulgação do sistema num grande número de países estrangeiros, mas também as reiteradas solicitações que entre nós, têm sido feitas ao Governo no sentido de ser dada execução ao disposto no artigo 30º da Lei nº 2030 de 22 de Junho de 1948, e bem assim as proficientes considerações com que a Câmara Corporativa volta a justificar largamente a conveniência do regime da propriedade por andares.

Vários factores - uns de natureza puramente técnica, outros de índole económico-social - contribuíram para a consagração, nos sistema jurídicos contempotâneos, de uma figura que, pelo menos entre nós, se diria condenada a não sair da letra morta dos textos legislativos.

De um lado está a necessidade que quase todos os estados modernos sentiram em maior ou menor grau, de restringir de alguma forma o alargamento progressivo da área das grandes urbes, com o fim de facilitar a resolução, entre outros, do problema dos transportes colectivos - cujas dificuldades crescem naturalmente à medida que aumenta a distância do centro às zonas periféricas da cidade - e de impedir que à construção urbana fossem desnecessariamente sacrificados terrenos cuja utilização pode vir a fazer falta á agricultura num futuro mais ou menos próximo. E o único processo viável de alcançar semelhante objectivo, perante o aumento constante das populações e a intensidade crescente do urbanismo, constitui na substituição do sistema tradicional das moradias independentes, mais a carácter com a pureza de costumes e a tranquilidade da nossa vida doméstica, pelo sistema dos blocos residenciais, mais adequado por sua vez às exigências da vida moderna bos grandes centros populacionais. A construção passou assim a desenvolver-se mais em altura, à custa do espaço aéreo, do que em superfície, à custa do solo.

Os progressos da técnica de construção, estimulados pelas necessidades da época, contribuíram por seu turno para desenvolver e consolidar o novo sistema.

Do outro lado está o desejo compreensível, manifestado a breve trecho por uma grande parte da população, de ver legalmente facultada a possibilidade de aquisição do domínio sobre cada uma das diversas fracções autónomas em que os grandes edifícios podem funcionalmente ser divididos, dada a impossibilidade económica que para a generalidade passou a representar a aquisição da propriedade sobre todo o prédio.

As empresas construtoras e os próprios proprietários dos grandes blocos residenciais têm patrocinado lá fora essa natural aspiração das classes menos abastadas, não só porque o novo regime promete um notável incremento da construção, mas também porque através dele se rasgam novas perspectivas ao comércio da propriedade predial urbana.

E, a despeito dos graves inconvenientes que sempre se têm reconhecido nos regimes de comunhão de direitos, a maior parte das legislações modernas acabou afinal por admitir e regulamentar circunstanciadamente a propriedade por andares, atendendo aos apreciáveis benefícios que o sistema traz consigo, dentro dos grandes centros urbanos, relativamente à estabilidade das famílias, ao fomento da construção e ao investimento útil das pequenas economias da classe média da população.


2. Caracteres e designação legal do novo regime
 
Os caracteres fundamentais do regime jurídico da vulgarmente chamada propriedade horizontal são dados pela verificação cumulativa das seguintes circunstâncias:

a) A existência de várias propriedades singulares sobre diversas fracções em que o prédio se subdivide;
b) A articulação de todas as fracções num todo ou unidade, que é o edifício;
c) A existência de bens comuns aos diversos proprietários.

Para a disciplina das relações provenientes do primeiro facto vigoram, em princípio, as normas relativas às chamadas relações de vizinhança.

Mas já o mesmo não se pode dizer no tocante ao segundo aspecto em que se desdobra o problema da propriedade horizontal: esse é privativo do novo instituto.

A disciplina dos bens comuns também parece ter, neste caso, carácter específico, na medida em que necessita afastar-se, em pontos fundamentais, do regime geral da comunhão; o que não surpreende, aliás, desde que se atenda à natureza acessória que revestem, em certo sentido, esses bens. As coisas comuns destinam-se, com efeito, a servir apenas o uso e fruição das diversas coisas sujeitas à propriedade singular. Assim se explica, por exemplo, a associação indissolúvel existente, em princípio, entre a propriedade singular e a propriedade comum, bem como a irrenunciabilidade e a indivisibilidade das coisas comuns, que de algum modo se acham consagrados como regra deste diploma.

A lei nº 2030 usa as expressões «propriedade horizontal» ou «propriedade por andares» para designar esta forma especial de domínio. E é a ideia da divisão por andares que vem já referida, como se viu, no artigo 2335º do Código Civil.

A designação está hoje, porém, profundamente desactualizada. No novo sistema de construção cada um dos andares do edifício é frequentes vezes subdividido em diversas fracções, com uma independência igual ou semelhante àquela de que gozavam outrora, entre si, os diversos andares do mesmo prédio.

Limitar a possibilidade da divisão do domínio sobre o edifício ao regime da propriedade por andares equivalia, por consequência, a restringir o âmbito do novo instituto, sem nenhuma justificação aceitável em face das condições peculiares da moderna construção urbana.

A expressão «propriedade horizontal», cuja origem vem explicada no douto parecer da Câmara Corporativa, também não será isenta de toda a critica: primeiro, porque cada um dos proprietários, graças à sua comparticipação nos bens comuns, pode ser afinal titular dum domínio sujo objecto se estende por diversos planos horizontais; segundo, porque no mesmo plano horizontal do prédio podem existir, à luz das considerações expostas, fracções contíguas capazes de justificar um domínio autónomo.

Mas tem sobre a precedente a vantagem de não fazer uma alusão tão explícita à ideia, superada pelos factos, da divisão do domínio por andares e a de estar largamente divulgada na doutrina e na jurisprudência, tanto nacionais como estrangeiras, para designar a nova espécie de domínio.

À falta de melhor, é essa a designação preferida pelo nossa diploma.


3. Constituição da propriedade horizontal: requisitos a que obedece.
 
A aplicação do regime específico da propriedade horizontal não fica, porém, dependente da simples vontade dos interessados.

É que a propriedade horizontal, se constitui normalmente uma forma louvável de assegurar a estabilidade das famílias e de facultar à classe média o acesso à propriedade predial urbana, pode converter-se para além de certos limites num factor de promiscuidade das pessoas e numa fonte permanente de discórdias e de litígios entre os diversos proprietários.

Para acautelar esse risco, o projecto de regulamento emanado do Governo proclamava o princípio de que a propriedade por andares só deve ser reconhecida quando as diversas fracções do prédio constituam unidades habitacionais ou económicas distintas, suficientemente isoladas entre si (artigo 5º), e tornava a constituição do novo regime depende, em cada caso, duma autorização camarária fundamentalmente destinada a verificar a existência daquela condição prévia.

A Câmara Corporativa. concordando embora com o princípio geral enunciado, não deixou de salientar os inconvenientes do sistema da autorização camarária e de sugerir, por via deles, a solução consagrada no presente decreto, que tem a vantagem de ir mais directa e limitadamente ao encontro do objectivo fundamental visado pelo Governo.

Não se julgou, entretanto, necessário exigir para a constituição da propriedade horizontal a aprovação prévia do respectivo regulamento, muito embora seja provável e altamente desejável que uma grande parte dos interessados trate de definir preliminarmente o estatuto da sua propriedade. O regime da subordinação da propriedade horizontal è existência do regulamento, mesmo nos termos relativos em que o consagra o direito civil italiano (Códigp Civil, artigo 1138º), pode, na verdade, criar embaraços e dificuldades aos interessados, designadamente quando seja instituído por meio de disposições testamentárias, e pouco adiantaria provavelmente, neste começo de vida do instituto, no tocante à segurança e clareza das relações entre os diversos proprietários, em face das disposições supletivas de carácter geral.

Nada obsta, porém, a que as partes, antes ou depois de constituída a propriedade horizontal, procurem definir em regulamento especial os bens e serviços comuns, os encargos comuns, e critério de repartição das diversas despesas, os direitos e obrigações dos vários proprietários, etc. Na falta ou insuficiência do estatuto é que vigora o comum das disposições (supletiva) deste decreto-lei.

Dão-se a seguir algumas indicações, necessariamente abreviadas, sobre os pontos capitais do novo regime.


4. Definição dos bens comuns aos diversos proprietários.
 
A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parede ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.

Não significa isto que as duas ideias - uso em comum e propriedade comum - andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento, e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas.

Mas não é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados.

Quando uma coisa se destina a servir diversos proprietários e o título constitutivo do domínio horizontal a não atribui, em propriedade exclusiva, a um ou a alguns deles somente, é de presumir que a quiseram considerar comum.

E é também, em princípio, o regime mais justo e razoável, por consequência, o que a lei deve considerar aplicável, na falta de convenção em contrário.

O decreto não adoptou, porém, o critério supletivo que à primeira vista melhor parece harmonizar-se com a ideia exposta e que é o de considerar comum as coisas que se encontram afectadas ao uso comum. Preferiu-se a fórmula de sentido negativo, consagrada pelo nº 5 do §1º do artigo 13º e semelhante à perfilhada pelo artigo 5º da Lei francesa de 28 de Junho de 1938, para fazer incidir sobre o proprietário interessado em sustentar a propriedade singular das coisas, cuja natureza comum é reivindicada por outrem, o ónus de destruir o pressuposto da comunhão.

Ao lado, porém, das coisas presuntivamente comuns, mencionadas a título exemplificativo nos quatro primeiros números do §1º, o artigo 13º consagra, ainda, por sugestão da Câmara Corporativa, a existência da categoria das coisas obrigatoriamente comuns.

Também estas se presumirão, nos termos e por força do nº 5 do §1º, adquiridas ou custeadas em comum. Mas, ao contrário do que sucede com as coisas só presuntivamente comuns:

a) Não vale, quanto a elas, qualquer convenção tendente a excluir a comunhão;
b) Os proprietários que as tenham custeado podem, em princípio, reclamar a todo o tempo dos restantes condóminos a correspondente indemnização;
c) A falta de pagamento desta indemnização, mesmo depois da interpelação respectiva, não obsta à comunhão.

5. Direitos e obrigações dos proprietários em relação aos bens comuns.
 
O princípio estabelecido no artigo 15º, segundo o qual o direito dos proprietários sobre os bens comuns é proporcional ao valor das respectivas fracções do edifício, assenta, por um lado, na presunção de que cada um deles ou os respectivos antecessores, tenha m contribuído para a construção ou aquisição das coisas comuns nessa mesma proporção a está, por outro lado, em manifesta correlação com a norma estabelecida para a repartição dos encargos correspondentes às mesmas coisas.

Poderá dizer-se, é certo, que se trata de um critério bastante empírico e que tem muito de arbitrário e de artificial, na rigidez aritmética com que funciona.

Mas, além de ser bastante razoável, não é fácil encontrar um outro princípio geral capaz de exprimir com maior rigor a desigualdade de direitos que parece impor-se entre os diversos proprietários relativamente aos bens comuns e suspeptível duma aplicação prática tão simples .

Por estas razões se explica, aliás, que a mesma solução tenha sido adoptada na generalidade das legislações estrangeiras.

O valor das fracções do prédio que se toma por base para o cálculo do direito referido no artigo 15º, e bem assim, para a generalidade dos casos, em que esse valor assume relevância dentro do presente diploma, deve reportar-se sempre à data da construção.

Não parece realmente justa, nem sequer se coaduna com a presunção sobre que assenta, em grande parte, o critério fixado no artigo 15º, a possibilidade de um dos condóminos ver aumentados os seus direitos relativamente às coisas comuns pelo simples facto de certas obras mais tarde efectuadas, um arrendamento vantajoso ou industrial posteriormente realizado terem aumentado o valor da respectiva fracção dentro do edifício.

A regra fixada no art. 16º, quanto à repartição dos encargos com a manutenção (reparação, gozo e funcionamento ordinário) das coisas comuns ou dos bens afectados ao uso comum (ainda que sujeitos a propriedade singular), está em perfeita harmonia com o princípio estabelecido no artigo anterior relativamente à quota de cada um dos condóminos sobre as coisas comuns e obedece um pouco à ideia de que o uso feito por cada um deles será, tanto quanto possível medi-lo e confrontá-lo com o dos outros, proporcional - ou muito próximo disso - ao valor relativo das suas fracções.

Colo corolário desta ideia, importa desde logo tirar a conclusão de que o critério de repartição dos encargos será diferente quando o uso das coisas comuns se realize em condições de perfeita igualdade entre todos os co-utentes ou exprima claramente uma desigualdade distinta daquela que serve de base ao critério geral do presente diploma.

Estas considerações ajudam também a compreender desde logo o disposto nos dois parágrafos do artigo 16º. A despeito das observações formuladas pela Câmara Corporativa, não parece justa a solução de obrigar a comparticipar nas despesas de conservação ou de benfeitorização dos diversos lanços de escadas (apesar de esta ser considerada, em princípio, coisa comum) os proprietários que deles se não servem normalmente, como no geral acontece com os donos e habitantes de cada andar em relação aos lanços que dão acesso para os andares superiores.

A solução consagrada no decreto diverge bastante da consignada no artigo 2335º do Código Civil: enquanto este exonera injustificadamente das despesas de reparação de cada lanço de escada proprietários que dele se servem normalmente, o decreto apenas exime do encargo os condóminos que normalmente se não utilizam do lanço a reparar ou benfeitorizar, ou seja, os proprietários dos andares inferiores.

Critério, análogo foi adoptado relativamente aos ascensores, para cuja conservação e funcionamento também não seria justo que fossem obrigados a contribuir os proprietários do rés-do-chão ou da cave do edifício que os não utilizem. Este simples princípio de exclusão não bastará, é certo, para estabelecer o regime de justiça ideal entre os diversos proprietários: basta considerar que os andares mais altos são muitas vezes os que valem relativamente menos e, no entanto, os respectivos ocupantes são, relativamente também, os que maior uso fazem no geral dos ascensores e mais agravam, por conseguinte, as despesas do seu funcionamento.

Parece preferível, porém, deixar apenas consignada, por agora, a regra (supletiva) de proporcionalidade do artigo 16º. Aos interessados fica, evidentemente, aberta a possibilidade de a substituírem por qualquer outro criotério, que pode bem ser o da adopção dema taxa progressiva e variável com a altura dos diversos andares.
 
6. Inovações nas coisas comuns. 
 
Reconstrução do prédio parcial ou totalmente destruído. - Os artigos 17º e 18º procuram conciliar, no concernente às inovações a introduzir nos bens comuns, o interesse dos proprietários que fundadamente pretendem melhorar estes bens, em ordem a aumentar as vantagens ou benefícios produzidos pelas coisas sujeitas à sua propriedade singular, e o interesse dos outros proprietários em não serem, imprevista e inopinadamente, compelidos a contribuir para essa melhoria geral num momento em que não possam ou lhes não convenha fazê-lo.

Em face do regime especial consagrado pelo artigo 17º quanto à aprovação das inovações, não repugnará aceitar o princípio, consignado por sua vez no §2º do artigo 18º, da possibilidade de imediata execução das obras de inovação, desde que os proprietários que lhe deram a sua aquiescência ou outros se declarem dispostos a suportar os respectivos encargos. A posição dos dissidentes parece suficientemente acautelada mediante a limitação constante no § único do artigo 17º.

Quando as obras hajam sido aprovadas pela maioria qualificada exigida no artigo 17º e os interessados se não declarem dispostos a prescindir da contribuição dos ausentes ou dissidentes para o custeio da sua realização, deixa-se ao prudente arbítrio do juiz a decisão sobre se as razões apresentadas pelo proprietário dissidente para se escudar da comparticipação nas despesas são, de facto pertinentes.

As considerações atendíveis do proprietário tanto podem referir-se às próprias obras, apreciadas na sua utilidade geral ou vistas à luz das vantagens e inconvenientes que podem acarretar para o opositor, como fundar-se na situação particular deste, designadamente em razões de mera oportunidade económica.

O juiz deverá agir, na apreciação das razões invocadas como fundamento da escusa, com a maior cautela e prudência, de modo a evitar, por um lado, soluções que representem uma injustificável violência da vontade da maioria sobre a vontade do proprietário dissidente e a impedir, por outro lado, que os condóminos minoritários prejudiquem, por simples capricho ou má compreensão dos seus deveres de solidariedade, a realização das obras de manifesto interesse comum.

Muito diferente do enunciado é o regime especial válido para as reparações indispensáveis e urgentes, cuja natureza se não compadece, obviamente, com a necessidade da aprovação pela assembleia. A assembleia poderá sempre, no entanto, dentro dos poderes que lhe competem, apreciar a natureza das reparações efectuadas, nos termos do artigo 19º, e discutir, portanto, a regularidade da actuação de quem tomou a iniciativa de as promover.

Muito semelhante ao descrito a propósito das obras de inovação é o conflito suscitado entre os proprietários que aprovam e os que não aprovam a reconstrução, na hipótese de o edifício sobre o qual se haja instituído o regime da propriedade horizontal ser parcial ou totalmente destruído.

E são análogas as razões que tornam difícil a escolha de uma solução para o problema.

Baseado nos ensinamentos de algumas legislações estrangeiras, o decreto fixou-se na solução ecléctica constante dos artigos 20º e 21º.

Quando a destruição é total ou apenas deixa de pé uma parte do edifício que representa o máximo de um quarto do valor que este possuía antes de ser destruído, só por unanimidade dos interessados poderá ser validamente tomada a deliberação de o reconstruir. A destruição atinge aqui uma parte tão considerável do prédio e há, por outro lado, uma tão intensa valorização dos terrenos para construção nos centros urbanos, onde é natural que o regime da propriedade horizontal venha a prosperar, que não se teve relutância de maior em sobrepor o interesse do proprietário que isoladamente prefere a venda do terreno e dos materiais ao de todos aqueles que optem pela reconstrução. Tanto mais quanto é certo que a assembleia pode perfeitamente aprovar um processo de venda que, sem defraudar os interesses do dissidente tutelados pelo artigo 20º, faculte no fim de contas a reconstrução que os outros pretendam efectuar sobre o mesmo terreno.

Quando a destruição não atinja a gravidade relativa indicada no artigo 20º, já se justifica que o interesse dos dissidentes seja até certo ponto sacrificado ao da maioria qualificada, definida na disposição imediata, que opte pela reconstrução.

O sacrifício do interesse dos dissidentes não vai, no entanto, tão longe como no caso das inovações a realizar nos bens comuns.

Considerando que as despesas da reconstrução, sobretudo quando algum dos condóminos se recuse a participar nelas, serão no geral mais elevadas do que as da simples inovação nos bens comuns, o decreto não permite que, mesmo por decisão judicial, qualquer proprietário possa ser compelido directamente a participar nos encargos da reconstrução. Consente apenas que aos minoritários seja posta a alternativa resultante do disposto no
§1º do artigo 21º.

Limita-se, em princípio, aos outros condóminos o círculo de pessoas a quem a cedẽncia dos direitos do dissidente pode ser efectuada, para dar aos interessados a possibilidade de evitar o ingresso de estranhos na propriedade do edifício (muito embora semelhante risco exista permanentemente para os proprietários, em face da livre alienabilidade das fracções autónomas do prédio e do afastamento do direito de preferência entre os respectivos titulares) e de mais facilmente acordarem em nova planta para a reconstrução.
 
7. Órgãos da administração.
 
Tal como no comum das legislações esteangeiras, também o decreto confia a dois órgãos diferenciados a gestão dos assuntos de interesse comum ligados à propriedade horizontal.

São a assembleia dos proprietários, de um lado, e o administrador, do outro.

A natural preponderância da primeira sobre a actividade deste último reflecte-se em vários aspectos do novo regime, como seja no poder que a assembleia tem de livrem,ente nomear e demitir o administrador (artigo 33º) e na possibilidade de se recorrer para a assembleia, sem prejuízo, naturalmente, dos direitos de terceiros, dos actos praticados pelo administrador (artigo 36º).

Quanto às deliberações da assembleia vale o princípio maioritário. Mas a maioria que, em princípio, decide na matéria não é a do simples número dos proprietários interessados; é antes a maioria do capital investido no edifício. Assim se explica que o artigo 28º reconheça, em princípio, a cada proprietário um número de votos correspondente ao valor relativo da respectiva fracção.

À luz da mesma ideia se explica ainda o disposto no § único do artigo 31º. A maioria a que o preceito se refere, na hipótese de ser necessário convocar nova sessão pela razão aí indicada, não é a maioria numérica dos proprietários presentes. É a maioria ponderada desses proprietários, graduada, portanto, em função do disposto no artigo 28º. Para este caso o que a lei exige ainda é determinado quórum: os proprietários presentes à segunda sessão (e não apenas os que subscreveram a deliberação tomada) devem representar, pelo menos, um terço do valor do edifício.

Há casos, porém, nos quais o decreto se afasta da regra majoritária que acaba de ser definida.

Quanto às inovações nas coisas comuns, exige, como se viu, uma maioria constituída por dois terços do valor investido no edifício. Para a reconstrução de que trata o artigo 21º é indispensável, por seu turno, não só a maioria normal concernente ao valor, mas também a maioria do número dos condóminos.

8. Considerações finais.
 
No intuito de prevenir futuras dúvidas de interpretação, o decreto-lei resolve ainda, de modo explícito, o problema de saber se existe ou não direito de preferẽncia a favor dos diversos proprietários, no caso da alienação de qualquer das fracções autónomas do prédio.

Consagra-se, nesse aspecto, a solução para a qual o projecto governamental já se inclinava e que o respectivo relatório dava como implicitamente contida no articulado proposto.

De facto, o direito de preferência constitui uma limitação aos poderes normais do proprietário e é quase sempre, como tal, uma restrição odiosa. Por outro lado, é fonte de fraudes frequentes destinadas a afastar o seu exercício e, por via disso, é causa também de suspeições constantes quanto à sinceridade do preço referido pelos contraentes nos títulos da alienação.

Por último, a sua consagração neste domínio parece contrariar de certo modo o espírito do novo instituto: o direito de preferência facilitaria a concentração do domínio sobre todo o prédio nas mãos de um ou alguns apenas dos primitivos proprietários, ao passo que o regime da propriedade horizontal visa não tanto favorecer a aplicação de capitais dos proprietários mais abastados como estimular o acesso a um lar próprio do maior número possível de famílias de modesta condição económica.

É certo que a consagração do direito de preferência tem, em contrapartida, a vantagem de prevenir em dados termos os diversos proprietários contra a possibilidade de ingresso de estranhos na comunhão do prédio. mas também é certo que um risco muito semelhante advém para os diversos proprietários da simples faculdade, incontestadamente reconhecida a cada um deles, de arrendar ou emprestar livremente a sua fracção a terceiro e que a vantagem referida não chega, em todo o caso, para cobrir os inconvenientes da solução.

Ainda por sugestão da Câmara Corporativa, converte-se em decreto-lei o regulamento inicialmente projectado pelo Governo.

Há, com efeito, dentro do novo diploma, como o relatório do projecto governamental já tivera, aliás, oportunidade de observar, disposições várias de natureza legislativa. Como esses preceitos superam em quantidade as disposições de carácter regulamentar e se distanciam consideravelmente do espírito que parece animar o artigo 1335º do Código Civil, só há realmente vantagem em dar a forma de decreto-lei ao diploma pelo qual o Governo procura desempenhar-se da missão que a Lei nº 2030 lhe confiou.

Dada a complexidade da matéria, não surpreende que o decreto-lei contenha ainda - sobretudo quanto à hipótese de o proprietário de qualquer das fracções ceder a outrem o respectivo uso e fruição - muitas lacunas, cuja integração se deixa por enquanto confiada ao jogo dos princípios gerais válidos para o efeito dentro do nosso sistema jurídico.

O Governo não deixará, porém, de acompanhar com o interesse devido a evolução do instituto e de tomar as providências legislativas que o tempo mostrar necessárias ou oportunas.

Nestes termos, e ouvida a Câmara Corporativa, nos termos do artigo 105º da Constituição;

Usando da faculdade conferida pela 1ª parte do nº 2 do artigo 109º da Constituição, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
 

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