Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/12/2023

Acção Executiva - Honorários mandatário II


Por outro lado, nada se ganha com o multiplicar da litigância. No mais, o objectivo do legislador foi, outrossim, olvidar a que o condomínio percorresse todos os trâmites de uma acção declarativa de cada vez que um qualquer condómino não pagasse o devido. Deixar de forma este género de despesas significaria exactamente o contrário, pois que obrigaria o condomínio a intentar uma acção executiva e uma acção declarativa. De outra sorte, não deixar de fora estas despesas, isso sim, garante o fim pretendido pelo DL de 94: a eficácia da gestão do condomínio.

Aceitar o multiplicar de acções é desencorajar o condomínio de intentar qualquer acção contra os condóminos, atenta a circunstância de que, por norma, os valores das quotas condominiais são diminutos. Motivo pelo qual pugnamos pela interpretação extensiva do preceito do art. 6º: cabe no âmbito da expressão “contribuição devidas ao condómino”, as despesas de contencioso, mormente honorários de mandatário que patrocine o condomínio, com vista a obter a cobrança das comparticipações devidas, fazendo-as, assim, repercutir na esfera do condómino faltoso.

Ora, não abranger estas despesas no preceito do art. 6. traduz, no resultado, uma injustificada atomização dos meios processuais para exigir do condómino relapso o cumprimento de obrigações nuclearmente interligadas. Carreando consigo uma solução injusta, e, por isso, contrária à hermenêutica jurídica (nº 3 do art. 9º do CC).

Recorde-se, a título meramente ilustrativo que, no requerimento executivo, o administrador do condomínio pode consignar o seguinte: "Deverá, o executado, liquidar o capital e os juros vencidos e os vincendos até integral pagamento, bem como suportar as despesas judiciais e extrajudiciais, incluindo honorários de solicitador de execução e de advogado, acrescidos de IVA se a ele houver lugar, no valor previsível de € 1 000,00 (mil euros) (vide acta nº ...) e regulamento de condomínio, art. (...)”.

Há quem conclua sobre o montante relativo a honorários e despesas judiciais que o mesmo “não é devido por se considerar que não se encontra abrangido no título executivo”.

Vejamos:

A PH constitui uma forma especial de propriedade referente a edifícios constituídos por fracções autónomas e por partes comuns, em que cada condómino é proprietário de uma ou mais fracções e comproprietário das partes comuns (cfr. art. 1415º, 1420º, nº 1 e 1421º do CC).

Nos termos do art. 1430º, nº 1 do CC, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos (1431º do CC) e a um administrador, e o citado art. 6º do DL 268/94, de 25 de Outubro, atribui a natureza de título executivo às actas de tais assembleias, relativamente aos créditos relativos a “contribuições devidas ao condomínio” ou a “quaisquer despesas necessárias à conservação ou fruição das partes comuns”.

O preceito remete o intérprete para o disposto no art. 1424º do CC, que tem por epígrafe “Encargos de conservação e fruição”, e que no seu nº 1 estabelece que “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções”.

Da conjugação destes dois preceitos resulta, de forma clara, que a acta da assembleia de condóminos não constitui título quanto a todos e quaisquer créditos de que o condomínio seja titular, mas apenas no que respeita àqueles a que se reporta o art. 1424º, nº 1 do CC, ou seja, os que tenham que ver com o pagamento de despesas de conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Neste âmbito tem sido debatida na doutrina e na jurisprudência a questão de saber se a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo relativamente a créditos provenientes de penas pecuniárias aplicadas pelo condomínio nos termos previstos no art. 1434º, nº 1 do CC e relativamente a despesas judiciais, incluindo honorários de advogado suportadas pelo condomínio devido a acções judiciais em que litigue contra condóminos.

Sobre a problemática, em sentido afirmativo, considerando que tais rúbricas se mostram incluídas no conceito de “contribuição devida ao condomínio”, pronunciaram-se, entre outros, os seguintes acórdãos (elencados por ordem cronológica crescente): TRC de 05-06-2001, Pº 455/2001; TRL de 08-07-2007, Pº 9276/2007-7; TRP de 24-09-2013, Pº 7378/11.9YYPRT-A.P1; TRL de 20-02-2014, Pº 8801/09.8TBCSC-A.L1-2; TRP de 24-02-2015, Pº 6265/13.0YYPRT-A.P1; TRG de 22-10-2015, Pº 1538/12.2TBBRG-A.G1; TRC de 01-03-2016 (Pº 129/14.8TJCBR-A.C1; TRP de 17-05-2016, Pº 2059/14.4TBGDM-A.P1; TRG de 02-03-2017, Pº 2154/16.5T8VCT-A.G1,; TRL de 30-04-2019, Pº 286/18.4T8SNT.L1-7; TRG de 06-02-2020 (Pº 261/18.9T8AVV-B.G1; TRP de 21-02-2022, Pº 5404/09.0T2AGD-D.P1; STJ de 05-04-2022, Pº 20315/19.3T8SNT-B.L1.S1.

Na doutrina, tem o mesmo entendimento Sandra Passinhas (A assembleia de condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal; Almedina, 2.ª ed., 3.ª reimp., 2009, p. 319), dizendo que: “(…) embora, rigorosamente, a pena pecuniária não seja uma “contribuição devida ao condomínio”, esta é a solução mais conforme à vontade do legislador. Não faria sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para as penas pecuniárias, aplicadas normalmente para punir os condóminos inadimplentes”.

Em sentido oposto, negando a exequibilidade de tais deliberações, decidiram os seguintes arestos (elencados por ordem cronológica crescente): TRG de 08-01-2013, Pº 8630/08.6TBBRG-A.G1; TRC de 21-03-2013, Pº 3513/12.8TBVIS.C1; TRC 04-06-2013, Pº 607/12.3TBFIG-A.C1; TRP 16-12-2015, Pº 2812/13.6TBVNG-B.P1; TRL de 02-06-2016, Pº 16871-11.2T2SNT-8; TRC 07-02-2017, Pº 454/15.0T8CVL.C1; TRP 07-05-2018, Pº 9990/17.3T8PRT-B.P1; TRL 11-12-2018, Pº 2336/14.3T8OER-A.L1-6; TRL de 22-01-2019, Pº 3450/11.3TBVFX.L1-7; TRP de 09-03-2020, Pº 2752/19.5T8VLG-A.P1; TRP de 20-02-2020, Pº 3975/08.8YYPRT-A.P1; TRP de 08-09-2020, P.º 25411/18.1T8PRT-A.P1; TRG de 10-09-2020, P.º 956/14.6TBVRL-T.G1; STJ de 26-01-2021, Pº 956/14.6TBVRL-T.G1.S1; STJ de 11-03-2021, Pº 5647/17.3T8OER-A.L1.S1; e TRP de 17-06-2021, Pº 627/14.3TBVNG-B.P1.

No sentido desta última tese, manifestaram-se Rui Pinto Duarte (Código Civil Anotado, Volume II, coord. Ana Prata, Almedina, 2017, p. 261), Rui Pinto (“A execução de dívidas de condomínio”, in Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, 2017, p. 192) e Marco Carvalho Gonçalves (Lições de Processo Civil Executivo, 3.ª ed., pp. 146 e 147).
 
Parece-nos que uma leitura mais literal do preceito excluía a consideração de título executivo no que se referia ao estabelecimento de penalidades ou sanções pecuniárias para o atraso no cumprimento das obrigações condominiais.

Veja-se, a este respeito, por todos, a argumentação expendida no Acórdão do TRL de 11-07-2019 (Pº 7503/16.3T8FNC-A.L1-7): “(…) Adiantamos que subscrevemos na íntegra a segunda das teses, por nos convencerem os argumentos invocados na sua sustentação, à qual, como já mencionados, tivemos oportunidade de aderir em acórdão proferido há alguns meses. Para tanto, socorremo-nos da fundamentação do já referido ac. RP de 07-05-2018, que acompanhamos na íntegra, a qual, depois de transcrever o art. 703º do CPC, discorre nos seguintes termos: “Sublinhámos as palavras “apenas” e “disposição especial”, para enfatizar o princípio da excepcionalidade das normas que prevêem títulos executivos avulsos em razão do seu carácter restritivo de direitos patrimoniais e mesmo processuais do devedor, como refere Rui Pinto na obra citada […].

Face à apontada característica de excepcionalidade, as normas que prevêem títulos executivos extrajudiciais têm um âmbito taxativo, não admitindo interpretação analógica, apesar de permitirem interpretação extensiva, atento o disposto no art. 11º do CC. Definida a natureza excepcional da norma, passamos à integração concreta da sua previsão.

Decorre da sua interpretação gramatical, que o nº 1 do art. 6º, do Dl 268/94, atribui força executiva à ata da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado a obrigação de cumprimento pelos condóminos das seguintes prestações: i) contribuições devidas ao condomínio; ii) quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns; iii) pagamento de serviços de interesse comum. E poderemos integrar no conceito de “contribuições devidas ao condomínio” as sanções pecuniárias?

Haverá que tomar em consideração a epígrafe do art. 6º, do DL 268/94: «Dívidas por encargos de condomínio». O art. 1424º do CC define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum”.

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, nas despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns incluem-se todas as que sejam indispensáveis para manter essas partes em condições de poderem servir para o uso a que se destinam. Sendo inegável a conclusão de que, uma vez fixada e deliberada em acta, a penalização pecuniária em que incorre o condómino se traduz numa “contribuição devida ao condomínio”, haverá, no entanto, que concluir, atenta a sua natureza excepcional, que o título executivo a que se refere o nº 1 do art. 6º, do DL 268/94 sob a epígrafe «Dívidas por encargos de condomínio»] não abrange no seu âmbito tal penalização, na medida em que esta não corresponde a um “encargo de condomínio” de acordo com a definição consagrada no art. 1424º do CC.

Os “encargos de condomínio” a que se referem o art. 1424º do CC e o nº 1 do art. 6º, do DL 268/94, apenas respeitam à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como aos “serviços de interesse comum”, traduzindo-se na contribuição proporcional de cada condómino para tais despesas. (…), a contribuição referente a uma penalização deliberada pela assembleia de condóminos nada tem a ver com a previsão legal do art. 1424º do CC, não se integrando na previsão do nº 1 do art. 6º, do DL 268/94, encontrando-se prevista, no nº 1 do art. 1434º do CC, que permite a fixação de «penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador».

Fazendo apelo às regras de interpretação previstas no art. 9º do CC, constituem elementos da interpretação jurídica: a análise da letra e a determinação do espírito da lei, sendo esta efectuada através dos elementos racional, sistemático, histórico e conjuntural. O CC incorpora no conceito de “pensamento legislativo” (art. 9º/1 do CC) um elemento interpretativo de particular relevância – racional ou ratio legis - o qual se traduz na razão de ser, no fim objectivo, prático, que a lei se propõe atingir; a ratio legis revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma jurídica disciplina.

E o objectivo visado pelo legislador ao atribuir à acta de deliberação do condomínio força executiva, através de «disposição especial» [art. 703º, n.º 1, d) do CPC], terá sido o de garantir a imediata exequibilidade das “Dívidas por encargos de condomínio”, como se inscreve na epígrafe do art. 6º, do DL 268/94, abrangendo o título apenas as “contribuições devidas ao condomínio” referentes a tais encargos.

Pensamos, salvo o devido respeito, que conclusão diversa não encontra suporte legitimador no parâmetro de excepcionalidade expressamente previsto para os títulos executivos avulsos.

Com efeito, se considerarmos que o conceito de “contribuições devidas ao condomínio” para efeitos de integração da previsão do nº 1 do art. 6º, do DL 268/94, abrange tudo o que for devido – qualquer contribuição, desde que deliberada pela respectiva assembleia – deparamo-nos com uma “norma aberta” em que a assembleia de condóminos assume uma estranha soberania: tudo o que delibera que seja devido ao condomínio passa a ser de imediato exequível sem recurso à acção declarativa.

Em conclusão, a integração da previsão legal do nº 1 do arti. 6º, do DL 268/94, no que concerne às “contribuições devidas ao condomínio” deverá ser feita com referência ao art. 1424º do CC, que define como encargos de condomínio os respeitantes à “conservação e fruição das partes comuns do edifício”, bem como os que respeitam aos “serviços de interesse comum.”

Acolhendo inteiramente este entendimento, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida, na parte em que considerou “insusceptíveis de serem executados os valores requeridos a título de penalidades””.

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