Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/02/2023

O condomínio pode pedir a insolvência?


A resposta é afirmativa. O condomínio, representado pelo seu competente administrador pode requerer a insolência do devedor.

Para tanto, em sede da Assembleia de Condóminos deve proceder-se à aprovação do relatório de dívidas do condómino até à data da referida, e bem assim, fazer aprovar ou ratificar a deliberação que atribui ao Administrador os poderes para promover todas e quaisquer medidas contenciosas ou para-judiciais para a obtenção dos créditos que o condomínio reclama do devedor, devendo ficar o Administrador com poderes para nomear mandatário(s) para o efeito.

Importa desde logo ressalvar que este pedido deve ocorrer perante uma situação de falta de pagamento das contribuições devidas pelo devedor, o qual já se prolongue há vários anos, tendo o administrador inclusive instaurado já, várias acções com vista à obtenção do pagamento da dívida.

Nesta seara, já houve um tribunal que não aceitou o referido pedido, fundamentando a Sra. Juiz a improcedência da acção no facto do crédito reclamado ser um crédito litigioso – incerto, ilíquido e inexigível – e, como tal, não constitui pressuposto do pedido da declaração de insolvência, argumentando que “Assim não pode a requerida sujeitar-se a um processo de insolvência por não se verificar, nesta data, o facto revelador da insolvência em que alicerça o seu pedido e de que depende a sua qualidade de credor, falecendo um dos pressupostos legais da declaração de insolvência consubstanciada na legitimidade substantiva do requerente”.

No caso vertente, o Tribunal a quo errou na decisão desta acção ao invocar que não pode apreciar-se a existência da certeza e liquidez do crédito invocado pelo requerente já que tal natureza do crédito é pressuposto da dedução do pedido de declaração de insolvência. Errou, ainda, quando referiu que não pode o requerente sujeitar a requerida a um processo de insolvência por não se verificar, nesta data, o facto revelador da insolvência em que alicerça o seu pedido e de que depende a sua qualidade de credor, falecendo um dos pressupostos legais da declaração de insolvência consubstanciado na legitimidade substantiva do requerente.

De facto, o requerente (condomínio) tem um crédito sobre o requerido (condómino devedor), o qual é certo, liquido e exigível, resultante do não pagamento das quotizações de condomínio que se venceram ao longo de vários anos e o activo do requerido não é suficiente para liquidar o seu passivo.

Acresce que no mesmo sentido se pronunciou o Ac. do TRP de 26.01.2010, do qual, retira-se a eguinte súmula: "I- A atribuição de legitimidade para deduzir o pedido de insolvência apenas ao credor cujo crédito não tenha sido contestado, restringiria, grave e injustificadamente, o meio de tutela jurisdicional do direito crédito — seja do requerente da insolvência seja dos demais credores do requerido - representado pela insolvência. II - É ao autor ou requerente que compete assegurar o preenchimento dos pressupostos processuais, desde logo a legitimidade ad causam e para isso é indispensável que se lhe assegure a possibilidade de realização da prova, no processo de insolvência, dos factos correspondentes, se estes forem controvertidos."

E, vide, ainda, Ac. do TRP de 03.11.2010 (como o anterior, disponível em www.desi.pt) com o seguinte sumário: "I – A contestação, pelo requerido, do crédito do requerente da insolvência, ainda que também o conteste previamente ao início do processo de insolvência, em acção declarativa comum, não afecta a respectiva exigibilidade, nem obsta à legitimidade ad causam do último para apresentar o pedido de declaração de insolvência. II – Formulado este pedido e contestada a existência do crédito, o processo de insolvência tem que prosseguir, designadamente para que o requerente possa fazer prova da existência daquele seu direito."

Ora, comummente, a insolvência define-se como a qualidade ou estado de insolvente - impossibilidade de pagar uma dívida; situação de um devedor ou de uma sociedade em que o activo do seu património é inferior ao passivo. O objectivo precípuo de qualquer processo de insolvência é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores.

Quem intervém no tráfego jurídico, assume indeclináveis deveres, à cabeça deles o de honrar os compromissos assumidos. A vida económica do condomínio é uma vida de interdependência, pelo que o incumprimento por parte de certos agentes, repercute-se necessariamente na situação económico e financeira dos demais, pelo que, urge dotar estes dos meios idóneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas.

Assim, sendo a garantia comum dos créditos, o património do devedor, é aos credores que cumpre decidir quanto à melhor efectivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado. Não valerá, portanto afirmar, que no novo Código é dada primazia à liquidação do património do insolvente. A primazia que efectivamente existe, não é demais reiterá-lo, é a da vontade dos credores, enquanto titulares do principal interesse que o direito concursal visa acautelar: o pagamento dos respectivos créditos, em condições de igualdade quanto ao prejuízo decorrente do património do devedor não ser, à partida e na generalidade dos casos, suficiente para satisfazer os seus direitos de forma integral. Expressamente se afirma, todavia, que o devedor pode afastar a declaração de insolvência não só através da demonstração de que não se verifica o facto indiciário alegado pelo requerente, mas também mediante a invocação de que, apesar da verificação do mesmo, ele não se encontra efectivamente em situação de insolvência, obviando-se a quaisquer dúvidas que pudessem colocar-se (e colocaram-se na vigência do CPEREF) quanto ao carácter ilidível das presunções consubstanciadas nos indícios” – preâmbulo do DL 53/2004 de 18/3 – CIRE.

As causas de insolvência são apenas as que se encontram enunciadas na lei e não outras.

Em Ac. datado de 16-01-2014, o TRL decidiu que, a declaração de insolvência pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se alguns dos seguintes factos que descrimina nas suas alíneas – art. 20/1 Cire.

Presumindo-se que o legislador soube expressar o seu pensamento de forma adequada – art. 9/3 CC -, da leitura deste preceito constata-se que nenhum entrave foi colocado por este a que a declaração de insolvência do devedor possa ser requerida pelo titular do crédito litigioso sobre o mesmo.

Na verdade, para o legislador é indiferente a natureza do crédito cuja titularidade é invocada como pressuposto da legitimação do requerente de tal declaração podendo o crédito ser de natureza pública (fiscal, segurança social, etc.) ou laboral.

Assim, onde a lei não distingue não nos cabe a nós fazê-lo “ubi lex non distinguit, nec nos distinguire debemus”.

Da leitura deste art. também se extrai que a legitimidade para requerer a declaração de insolvência do devedor é de natureza processual (ad causam) e, não já substantiva.

Assim, é tem legitimidade para requerer a declaração de insolvência quem se atribua a qualidade de credor do requerido e não, necessariamente, quem é na realidade, efectivamente, credor deste – art. 26 CPC.

A questão de saber se o requerente é ou não credor do requerido prende-se com a questão de mérito e não com a questão de legitimidade processual/ad causam para requerer o pedido (pressuposto processual que, caso se não verifique, há lugar à correspondente excepção dilatória), não podendo o credor/requerente ser privado da subsequente possibilidade processual de justificar e provar a existência do seu invocado crédito.

Paralelamente, em sede de acção executiva, a legitimidade afere-se e é conferida a quem no título executivo figura como credor e à pessoa que no título tenha a posição de devedor – art. 55 CPC – e, não já e necessariamente, a quem efectivamente e na realidade, seja credor e devedor, respectivamente.

Entendimento diverso acarretaria um tratamento discriminatório em desfavor do titular do crédito litigioso relativamente aos credores condicionais (cfr. art. 50 Cire), sem qualquer razão que o justificasse – o titular do crédito litigioso careceria sempre de legitimidade para requerer a declaração de insolvência, enquanto que o titular de um crédito sujeito a condição suspensiva ou resolutiva, tinha sempre legitimidade para o fazer, (atente-se no art. 94 Cire), sendo certo que tal posição viola o princípio da “par conditio creditorum”, conquanto na antecâmara do processo de insolvência – cfr. art. 194 Cire.

“A tese contrária à defendida enferma de duas fragilidades passíveis de crítica: por um lado, pressupõe um juiz totalmente passivo e alheado das vicissitudes processuais subsequentes à apresentação da pi. de declaração de insolvência por iniciativa do credor (apreciação liminar da p.i, com possibilidade de indeferimento liminar (art. 27/1 Cire) e eventual dedução de oposição por parte do devedor (art. 30 Cire), e eventual audiência de discussão e de julgamento (art. 30/1 e 4 Cire) e que não deixam de possibilitar ao juiz um controlo mínimo sobre o bem ou mal fundado do pedido de declaração de insolvência; por outro lado, menospreza o princípio da auto-suficiência do processo de declaração de insolvência, quer na vertente da tutela provisória da aparência, quer na perspectiva da extensão da correspondente competência material para o conhecimento de todas as questões cuja decisão se mostre imprescindível para a sentença a proferir no processo de insolvência (cfr. art. 96 CPC)” – cfr. ac. STJ de 29/3/2012, relator Fernandes do Vale.

Acresce, ainda, que negando-se legitimidade ao titular de crédito litigioso, afunilar-se-ia gravemente, o acesso à tutela jurisdicional dos direitos de crédito prosseguido pelo processo de insolvência ante a impugnação judicial, bastas vezes, com intuitos meramente dilatórios.

Vingando esta tese, qualquer titular de crédito litigioso careceria de legitimidade para requerer a declaração de insolvência, caso o devedor contestasse, ainda que sem qualquer fundamento.

Entendemos que não há lugar à possibilidade de contradição de julgados, processo de insolvência e no processo em que tenha sido suscitada a litigiosidade do crédito, porquanto não são confundíveis legitimidade processual e julgamento de mérito, sendo certo “que serão certamente nulos ou muito residuais os casos em que o incumprimento de uma só obrigação determine, por si só, a declaração de insolvência do devedor – art. 20/1 b) Cire -, além de que a magra vantagem conferida ao credor requerente, art. 98/1 Cire, para pagamento do respectivo crédito, é superada pela desvantagem da sua eventual responsabilização cível pela dedução do pedido infundado de declaração de insolvência (art. 22 Cire), o que funcionará, sem dúvida, como factor inibidor da sua dedução – cfr. ac. STJ cit. supra.

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