Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

10/12/2023

Regime jurídico das deliberações da AG


Conclusão
 
O estudo do regime jurídico das deliberações das assembleias de condóminos permitiu-nos chegar a, não uma, mas várias conclusões. Apresenta-se, desde já, a mais vaga, mas também a mais importante e evidente de todas: é premente uma reforma legislativa no que a esta matéria diz respeito.
 
A elaboração da presente exposição iniciou-se com diversas questões que, na sua maioria, se encontravam relacionadas com a interpretação das normas civilísticas que regem a propriedade horizontal. É que estamos perante um regime não raras as vezes insuficiente, deixando nas mãos do intérprete uma excessiva tarefa de interpretação, muitas vezes com recurso à analogia. O resultado: um emaranhado de soluções doutrinais e jurisprudenciais que tentam apertar a desafogada malha da lei, levando frequentemente a soluções distintas e até contraditórias entre si. 
 
Todo este quadro gera uma incerteza e uma insegurança jurídicas que afectam o verdadeiro destinatário do instituto – o condómino -, pondo em causa a estabilidade do condomínio e até mesmo as relações entre os moradores e/ou proprietários das fracções autónomas. 
 
Concretizemos.
 
Da mera leitura da lei poder-se-ia retirar que tão-só as exigências de unanimidade (mitigada) e de maioria simples para aprovação de deliberações são susceptíveis de uma flexibilização em segunda convocatória. Porém, entendemos que a possibilidade de convocar uma segunda reunião deve ser reconhecida também perante deliberações que careçam de maioria qualificada e, por outro lado, considerámos estar, neste aspecto, perante uma lacuna, a preencher com respeito pelo espírito da lei e por aquela que haveria de ser a vontade do legislador. 
 
Recorrendo à analogia, concluímos que o cumprimento da maioria qualificada em dois momentos distintos deve ser permitido, ainda que com as devidas adaptações, à semelhança do que acontece perante as outras exigências de aprovação.
 
Relativamente aos vícios nas deliberações, reconhecemos a existência de deliberações nulas, anuláveis, ineficazes e inexistentes, explanando as devidas distinções. Tivemos ainda oportunidade de ver que nem todas as deliberações que violam disposições imperativas são necessariamente nulas e que, por isso, o nº 1 do art. 1433º não deixa de se aplicar quando estejam em causa normas injuntivas. 
 
Concluímos, por outro lado, que a jurisprudência não faz a devida compartimentação entre os vícios que se reconduzem ao art. 280º, nº 1 e aqueles aos quais se aplica o art. 294º. 
 
Na mesma linha de raciocínio, deixámos algumas sugestões para o intérprete perceber se está perante normas inderrogáveis ou não e, se sim, em que casos é que a sua violação justifica a nulidade. 
 
Parece-nos que esta é uma das matérias que mais carece de reforma, sendo necessário o recurso a muitos conceitos gerais, não sendo, por isso, suficientemente clara para o aplicador leigo que é, muitas vezes, o próprio administrador.
 
Por fim, foi possível aludir aos meios não judiciais, cuja aplicação deve (ou, pelo menos,deveria) ser preferível, não só pela celeridade que os caracteriza, mas também por não serem potenciadores de conflitos entre condóminos. 
 
Quanto às vias judiciais, concluímos que o prazo para propositura de acção de anulação se inicia na data da deliberação, independentemente de se tratar de condómino presente ou ausente, salvo se este último não tiver sido regularmente convocado. Também aqui reconhecemos que a formulação adoptada pelo CPC se afigura muito mais clara e objectiva, pelo que seria importante a sua importação, com as devidas adaptações, para o Código Civil.
 
Em relação aos prazos de caducidade das duas vias estudadas, considerámos que estes não são de conhecimento oficioso e que correm em paralelo. 
 
Quanto à legitimidade, entendemos que é reconhecida legitimidade formal ao administrador do condomínio para determinadas acções, não se colocando a questão da sua legitimidade processual, aferida em concreto. Por outro lado, defendemos que o administrador não tem legitimidade passiva, pelo que deverão ser demandados todos os condóminos que aprovaram a deliberação inquinada, ainda que possam ser representados judiciariamente por aquele.
 
É evidente que muitas outras conclusões foram tendo lugar ao longo de todo este “relatório”, pelo que se mencionam aqui apenas as que assumem maior relevância.

O apelo é, reitere-se, o da reforma legislativa de um instituto que se mantém inalterado há quase vinte e cinco anos e que, infelizmente, não tem acompanhado o boom da construção em altura sujeita ao regime da propriedade horizontal. 

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