Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

10/06/2023

Suspensão das deliberações - Pressupostos


4.2.2.2 Suspensão das deliberações - Pressupostos 
 
Diz-nos o ac. TRP de 11/05/2015 que “são requisitos cumulativos da providência cautelar de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, constitutivos do direito do requerente:

a) deliberação contrária à lei, estatutos ou contrato; 
b) a qualidade de condómino; e 
c) a alegação que da execução da deliberação pode decorrer dano apreciável”.
 
No que concerne ao primeiro pressuposto, correspondente ao fumus boni iuris, para o qual basta fazer prova sumária,cremos não haver nada mais a acrescentar.

Relativamente à legitimidade activa, entendemos que também aqui, perante uma deliberação anulável, deverá ser feita uma leitura conjugada dos nºs 1 e 5 do art. 1433º, exigindo-se que, além da qualidade de condómino (ou qualquer outra que lhe dê legitimidade)(209), o requerente não tenha aprovado a deliberação anulável (ou porque votou contra, ou porque se absteve, ou porque nem sequer esteve presente nem se fez representar). 
 
Quanto à legitimidade passiva, apesar de o art. 383º, nº 2, CPC referir que “é citada para contestar a pessoa a quem compete a representação judiciária dos condóminos na acção de anulação” (ou seja, o administrador ou a pessoa que a assembleia designar para esse efeito/representante especial, à semelhança do que acontece na acção principal – arts. 12º, e), CPC e art. 1433º, nº 6), a suspensão deverá ser requerida contra todos os condóminos que votaram a favor da deliberação, individualmente considerados (210)(211). 
 
O condómino que queira lançar mão deste meio processual tem de alegar e apresentar prova suficiente para que, numa lógica de summaria cognitio, demonstre a existência de um vício na deliberação que cause um dano apreciável, um periculum in mora. Para a tomada de decisão não se exige, naturalmente, o grau de certeza que se exige numa decisão definitiva, mas é necessário que exista uma “probabilidade muito forte de que a execução da deliberação possa causar o dano apreciável que, com a providência, se pretende evitar”(212).
 
Note-se que a exigência de um dano apreciável não se deve confundir com a de um dano irreparável ou de difícil reparação, de resto exigida para a providência cautelar comum (art. 362º, nº 1, CPC), pelo que se pode tratar de dano reparável (213), desde que seja visível, de aparente dignidade e estimável (214). O requisito do dano apreciável traduz-se, assim, num“conceito indeterminado, carecido de densificação através da alegação e comprovação de factos de onde possa extrair-se a conclusão de que a execução da deliberação acarretará um prejuízo significativo, de importância relevante” (215), pelo que exige alguma valoração por parte do juiz.
 
Não basta, portanto,um dano abstracto que qualquer deliberação ilegal é susceptível de produzir, exigindo-se um dano que, em face de factos materiais concretos - cuja prova constitui ónus do requerente - deva ter-se por apreciável (216)(217). Tal dano pode dizer respeito ao próprio condómino (se for de estrita natureza patrimonial/económica, por exemplo) ou ao condomínio, no seu todo (se se verificar na estrutura física do prédio, podendo mesmo tratar-se de questões estéticas ou arquitectónicas).

Notas

208. A este propósito, Pinto Furtado, op. cit., pp. 775 a 777
209. Designadamente o locatário no contrato de leasing para habitação e em caso de constituição do direito de usufruto, uso ou habitação sobre uma determinada fracção [apesar de, em princípio, ter direito de voto o nu proprietário, o mesmo direito pode, em alguns casos, caber aos titulares daqueles direitos reais limitados (quando se trate da administração ordinária ou do gozo da coisa e dos serviços comuns)] - cfr. Sandra Passinhas, op. cit., pp. 235 a 237.
210. Neste sentido, Abílio Neto, op. cit., p. 735 e ac. TRE de 19/05/2016: “Em sede de providência cautelar de suspensão de deliberação (condominial), tendo sido indicados como requeridos os condóminos individualmente considerados e não tendo sido estes citados, não podia ser proferida decisão a decretar a providência, mesmo que se admita que possam e devam ser representados em juízo pelo administrador do condomínio.”
211. Cfr. «Legitimidade Passiva»., sobre a legitimidade passiva para as acções de anulação

212. José Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II: arts. 381º a 675º, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2008, p. 95 e ac. TRL de 16/12/2008.
213. Idem, ibidem.
214. António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol.IV: Procedimentos Cautelares Especificados, 4.ª ed. revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2010, p. 100.
215. Ac. TRL de 20/11/2014.
216. Abrantes Geraldes, Temas..., pp. 99 a 101, Abílio Neto, op. cit., p. 734 e ac. TRL de 28/02/2008.
217. João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 70 entende que tem de existir “claramente algum prejuízo especial do condómino requerente, objectivamente aferível”, dando o exemplo de uma deliberação que estabelece que uma determinada obra ao prédio deverá ser suportada única e exclusivamente pelo condómino requerente. Por outro lado, afasta a deliberação que determine que a realização de uma obra necessária no prédio deve ser suportada por todos os condóminos, mesmo que o condómino requerente alegue não ter possibilidade de pagar, por questões relacionadas com a sua situação económica. Entende o autor, posição que sufragamos, que não existe “dano grave para estes efeitos, sendo uma responsabilidade expectável, decorrente da situação de condomínio, embora, evidentemente, tal esteja dependente de apreciação casuística”

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