Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

10/11/2023

Suspensão das deliberações - Decisão


4.2.2.6 Suspensão das deliberações - Decisão
 
No que diz respeito à decisão, o facto de uma deliberação ser contrária à lei ou aos estatutos não determina, automaticamente, que ela irá ser suspensa. Com efeito, o juiz deve pesar os dois pratos na balança, colocando, num lado, o prejuízo provável do(s) condómino(s) requerente(s) com a execução da deliberação, cuja alegação e prova terão de ser feitas por ele(s) e, no outro lado, o prejuízo provável do(s) condómino(s) requerido(s), que igualmente têm o ónus de o provar (art. 381º, nº 2, CPC)(228). 
 
Ao contrário do que acontece no procedimento cautelar comum, não é necessário que se verifique um excesso considerável do prejuízo do(s) requerido(s) em relação ao prejuízo do(s) requerente(s) – “basta que ele seja superiora este para que o juiz, consideradas as circunstâncias do caso, possa recusar a providência” (229). Em consonância com a posição adoptada relativamente à legitimidade passiva, não podemos aqui aceitar o entendimento de Sandra Passinhas que, no seguimento da sua doutrina, considera que o juízo de ponderação a ser feito tem, de um lado, o interesse do condómino impugnante e, do outro, o “condomínio resistente em não ver prejudicada, por comportamentos dilatórios, a funcionalidade da gestão da coisa comum” (230).
 
É que, como temos vindo a defender, os réus desta providência cautelar haverão de ser os condóminos que aprovaram a deliberação e, nesse sentido, não se pode considerar, sem mais, que é do lado passivo que se encontra o interesse do condomínio enquanto colectividade. Contudo, entendemos que o interesse do condomínio não deve ser descurado, devendo o juiz, no exercício do seu prudente arbítrio, indagar sobre o que será mais prejudicial para a comunidade de condóminos.
 
Ainda no âmbito do art. 381º do CPC,o legislador estabeleceu que a citação suspende, de imediato, a execução da deliberação até à decisão de primeira instância, sendo ilícito ao condomínio executá-la durante esse período (cfr. nº 3). Trata-se de um modo que o legislador encontrou para fazer face ao periculum in moraque resulta do próprio procedimento cautelar e de uma forma de responsabilizar aqueles que pratiquem actos de execução da deliberação depois da citação (231). A gravidade desta consequência implica, portanto, que o juiz proceda a um exame mais consciente e rigoroso do requerimento,já que a sua decisão no sentido de citar o administrador pode levar a que um pedido infundado de uma deliberação paralise, injustamente (232) – ainda que de modo provisório -, a vida condominial.

Posteriormente,com a decisão de primeira instância, cessa o efeito legal de suspensão imposto pelo nº 1 do art. 383º. Ora, havendo recurso de tal decisão, o efeito da sua subida vai depender do sentido que aquela tenha tomado. Assim, sendo decretada a suspensão da deliberação, o eventual recurso tem efeito meramente devolutivo (nº 1 do art. 647º, CPC). Tal significa que a decisão é imediatamente exequível e, obrigando à suspensão,a deliberação não pode, novamente, ser executada até que haja uma decisão em contrário. Não obstante, nos termos do arts. 649º, nº 2 ex vi 647º, nº 4, CPC, o recorrente que pretenda executar a deliberação enquanto aguarda pela decisão do tribunal a quo pode requerer a prestação de caução (233).

Ainda que nos pareça uma hipótese remota, o recorrente terá de “procurar convencer o tribunal de que a suspensão (...) da decisão recorrida evitará prejuízo considerável que pode emergir da atribuição de efeito meramente devolutivo” (234). A título exemplificativo, a assembleia delibera a implementação de ascensores no prédio e tal deliberação é suspensa por decisão de primeira instância. Ora, tendo a apelação, neste caso, efeito meramente devolutivo, tal significa que a decisão tem de se cumprir e, portanto, a deliberação não pode ser executada. Não obstante, se o recorrente requerer a prestação de caução e a decisão de suspensão da deliberação passara ter efeito suspensivo, tal significa que não se extraem efeitos jurídicos da decisão antes do  seu trânsito em julgado, pelo que os condóminos podem seguir com a implementação dos ascensores. 
 
Trata-se de um exemplo meramente académico, na medida em que a prestação de caução num caso destes só se justificaria se houvesse muita probabilidade de a decisão de primeira instância ser revogada, o que, naturalmente, é de muito difícil previsão. Não sendo decretada a providência,a deliberação da assembleia passa a poder ser executada imediatamente, uma vez que se encontra ultrapassado o momento previsto no art. 381º, nº 3, CPC. 
 
Havendo recurso de tal decisão judicial,refere a al. d) do nº 3 do art. 647º, CPC que este terá efeito suspensivo. Neste sentido, Abrantes Geraldes e Teixeira de Sousa afirmam que “nenhum efeito prático se extrai de tal regime” (235). É que a situação que se verifica após a instauração de recurso de decisão que não decrete a providência é, efectivamente, igual à que se verifica após ser proferida essa mesma decisão, já que em qualquer dos momentos é permitida a execução da deliberação da assembleia. Com efeito, está previsto o efeito suspensivo da decisão negativa, mas efeito suspensivo de quê se nada foi ordenado pela decisão recorrida?  Trata-se de uma mera negação do pedido de suspensão e, por isso, os efeitos que haveriam de se suspender por força do art. 647º, nº 3, d), CPC simplesmente não existem. 
 
A interposição do recurso não vem, portanto, provocar qualquer alteração na ordem jurídica conformada pela decisão da primeira instância, podendo a deliberação ser executada como se não existisse qualquer recurso contra aquela. No exemplo supracitado, perante a decisão que não suspenda a deliberação de implementação dos ascensores, o facto de a apelação ter
efeito suspensivo nada vai alterar e, por isso, os condóminos podem praticar actos de execução da deliberação.

Notas

226. Ac. TRE de 19/05/2016.
227. Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 98.
228. Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, p. 33: “Julgo que o poder dado ao juiz deve ser interpretado como um poder-dever. O mesmo é dizer que o juiz deve comparar dois danos possíveis: o resultante da execução e o resultante da suspensão da execução.”
229. Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit.,p. 100.

230. Sandra Passinhas, op. cit., p. 262.
231. “Em vez de a decisão de improcedência do pedido cautelar funcionar como causa extintiva de efeitos suspensivos já produzidos é, ao invés, a decisão de procedência do pedido cautelar que, operando um efeito retroactivo, sujeita a responsabilidade civil desde a citação (...) o executor da deliberação impugnada; este tomará ou não o risco da execução consoante a apreciação que dele faça”, Lebre de Freitas / A. Montalvão Machado / Rui Pinto, op. cit., p. 101 e Lobo Xavier, “O conteúdo...”, pp. 84 a 90.
232. Para Rui Pinto Duarte, “O procedimento...”, p. 34, “esta é talvez a norma que mais merecia reforma. O seu conteúdo é paradoxal, (...) é fonte de gravíssimos prejuízos injustos, resultantes da lentidão da marcha dos procedimentos. Se o efeito inibidor em causa durasse um mês, a entidade citada para o procedimento não sofreria, na maior parte dos casos, prejuízos graves por força de tal inibição. Como o efeito inibidor costuma durar muitos meses ou até anos, as entidades
citadas são intensamente prejudicadas, optando amiúde por ignorar esse efeito, preferindo suportar as eventuais consequências daí decorrentes.” “Por isso, (...) sugeri, em alternativa ao regime vigente, a atribuição ao juiz do poder de, no despacho de citação, ordenar a suspensão intercalar de todos ou alguns dos actos de execução da deliberação impugnada.” Ainda que subscrevamos em absoluto os argumentos aduzidos pelo autor, a verdade é que os mesmos se reportam à suspensão das deliberações sociais e, portanto, à marcha dos processos nos juízos de comércio. Porém, não podemos deixar de referir que a realidade que nos foi dada a conhecer no juízo local cível de Amarante não corresponde àquelas preocupações, uma vez que os prazos – quer para decidir acções definitivas, quer para decidir procedimentos cautelares – foram sempre, durante o estágio realizado, devidamente respeitados.
233. José António De França Pitão e Gustavo França Pitão, op. cit., p. 447.
234. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, p. 234.

235. Abrantes Geraldes, Recursos..., p. 232 e Teixeira de Sousa, “Reflexões sobre a reforma dos recursos em processo civil”, in Cadernos de Direito Privado, n.º 20, outubro-dezembro de 2007, p. 6.  

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