Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

07 fevereiro 2025

Obras de conservação ordinária e extraordinária


O contrato de arrendamento é um contrato oneroso, bilateral e sinalagmático, consistindo a prestação contratual do senhorio em conceder o gozo efectivo, posto que temporário, do prédio, a que corresponde a contraprestação do inquilino de pagar a renda acordada. O senhorio tem assim, como obrigação principal decorrente da celebração de um contrato de arrendamento é a obrigação positiva, a de assegurar ao inquilino o gozo do prédio arrendado, para o fim a que ele se destina – al. b) do art. 1031º, do CC, através da realização de obras de reparação e conservação, sejam elas ordinárias ou extraordinárias.

Daqui decorre que, como refere Antunes Varela, “o locador é obrigado a realizar todas as reparações ou outras despesas essenciais ou indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual, quer se trate de pequenas ou de grandes reparações, quer a sua necessidade resulte de simples desgaste do tempo, de caso fortuito ou de facto de terceiro” (in Rev. Legisl. e Jurisprudª., Ano 100, pág. 381).

Por sua vez, o art. 12º do RAU impõe ao senhorio o encargo de fazer as obras de conservação ordinária, que são, além de outras, “as destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração” - cfr. a al. c) do nº 2 do art. 11º. Assim, estão excluídas daquele conceito apenas as obras destinadas a reparar as “pequenas deteriorações” que o inquilino pode realizar no prédio arrendado, “quando elas se tornem necessárias para assegurar o seu conforto ou comodidade” – cfr. art. 1073º do CC e 4º, nº 1, do RAU – e as obras necessárias à reposição do prédio no estado em que ele foi recebido pelo arrendatário, e que não constituam deteriorações inerentes a uma prudente utilização, nos termos do disposto no art. 1043º, nº 1, do CC.

No que se refere às obras de conservação extraordinária, o art. 13º, do RAU atribuía a responsabilidade por essas obras ao senhorio quando elas lhe tivessem sido ordenadas pela câmara municipal competente ou quando haja acordo escrito das partes no sentido da sua realização. Já o art. 1074º, do CC (NRAU) impõe ao senhorio o dever de executar as obras de conservação, quer ordinárias, quer extraordinárias, quer sejam impostas pelas “leis vigentes” quer o sejam pelo fim do contrato, sendo esta, porém, uma regra supletiva já que às partes é dada liberdade para convencionarem regime diferente.

O arrendatário apenas poderá executar obras no locado quando no contrato se faça constar que o poderá fazer. E se nada ficar estabelecido, o arrendatário terá de obter uma autorização prévia, e por escrito, do senhorio. Margarida Grave, citada por França Pitão, na senda do que vinha sendo entendido já, doutrinal e jurisprudencialmente, entende por obras de conservação ordinária “aquelas que estão relacionadas com o envelhecimento exterior e interior do prédio e com o seu uso normal” e por obras de conservação extraordinária “as ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior, e, em geral, as que, não sendo imputáveis a acções ou omissões ilícitas perpetradas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano” (in “Novo Regime do Arrendamento Urbano”, 2ª. edição actualizada, pág. 550. Cfr. ainda Aragão Seia in “Arrendamento Urbano Anotado e Comentado”, 2ª. edição, pág. 148/149).”

Perante tal entendimento, o qual subscrevemos sem quaisquer dúvidas, podem ser retiradas as seguintes conclusões: (i) Constituem obras de conservação a cargo do senhorio as obras que se destinem a evitar a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado; (ii) A circunstância de o locado ser de construção antiga e, naturalmente, de menor qualidade não permite excluir a responsabilidade do senhorio pelas obras de reparação necessárias à reposição do locado em condições de habitabilidade, salvo se o mesmo senhorio demonstrar que o locado já possuía tais infiltrações à data da celebração do contrato e o arrendatário, não obstante conhecer tais vicissitudes, o aceitou nesses termos.

Neste sentido e entre outros cfr. os Acórdãos desta Relação do Porto de 22.02.2011, no processo 5307/07.3TBMAI.P1, relatado pelo Desembargador Vieira e Cunha e de 24.10.2016, no processo 494/14.7T8GDM.P1, relatado pelo desembargador Jorge Seabra.

Destarte, constituem obras de conservação a cargo do senhorio todas aquelas que se destinem a evitar a degradação das condições de habitabilidade ou de utilização do arrendado, sendo que a circunstância de o locado ser de construção antiga e, naturalmente, de menor qualidade não exclui a responsabilidade do senhorio pela feitura das obras de reparação necessárias à reposição do locado em condições de habitabilidade.

As obras de conservação ordinárias traduzem-se na reparação e limpeza geral do prédio, obras impostas pela Administração Pública e obras destinadas a manter o prédio nas condições requerentes pelo fim do contrato. Já as obras de conservação extraordinárias serão aquelas provocadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior.

Em regra, cabe ao senhorio executar todas as obras de conservação, ordinárias ou extraordinárias, necessárias à manutenção do estado de conservação do prédio arrendado, salvo cláusula que estipule o contrário. Assim, o arrendatário apenas pode executar quaisquer obras quando o contrato o faculte ou quando a tal seja autorizado, por escrito, pelo senhorio.

Também há uma exceção aplicável às reparações urgentes pelo arrendatário, que tem direito a uma compensação de crédito na renda. No final do contrato, também tem direito a compensação pelas obras licitamente feitas, calculável nos termos dor regime aplicável às benfeitorias realizadas por possuidor de boa fé.

No caso de as obras estarem a cargo do senhorio, a sua não realização constitui fundamento de resolução do contrato pelo arrendatário. O arrendatário também pode interpelar o senhorio para o cumprimento desta obrigação, sendo que, nesse caso, se continuar a não cumprir, o município ou entidade gestora da operação de reabilitação urbana pode realizar coercivamente as obras.

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