Direito a novo arrendamento por parte de viúva
O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o eventual direito de uma viúva a arrendar o mesmo apartamento onde vivera com o seu marido, filho do arrendatário falecido.
Este tribunal decidiu que tem direito a um novo arrendamento a esposa do filho do primeiro arrendatário, após a morte do mesmo e a consequente caducidade do contrato. Trata-se de um direito que, até 1990, não dependia sequer de qualquer comunicação ao senhorio, podendo por isso ser invocado em sede de contestação da ação que fosse movida pelo senhorio para entrega da casa.
A lei prevê que o arrendamento se transmita para o cônjuge sobrevivo do respetivo titular e, posteriormente, para os seus parentes ou afins.
Transmissão essa que, até 1985, não estava condicionada por nenhuma obrigação de comunicação ao senhorio relativa à morte do inquilino ou do cônjuge sobrevivo. Só a partir dessa data é que passou a ser exigido que essa comunicação fosse feita no prazo de 180 dias, por carta registada com aviso de receção, pela pessoa ou pessoas a quem o arrendamento se tivesse transmitido, acompanhada dos documentos autênticos que comprovassem os seus direitos.
Mas, após essa segunda transmissão, já não era possível ocorrer outra, nomeadamente para o cônjuge daquele para quem o arrendamento se tivesse transmitido, o que implicava que o contrato caducasse.
Ainda assim, a lei conferia o direito a um novo arrendamento a quem vivesse com o inquilino em economia comum há mais de 5 anos, reportada à data da sua morte. Direito esse cuja constituição tanto operava no caso de caducidade por morte do primitivo arrendatário como no caso de caducidade por morte do arrendatário que direta ou indiretamente lhe tivesse sucedido. E cuja subsistência não estava condicionada por qualquer obrigação de comunicação ao senhorio, por parte do titular respetivo, da morte do arrendatário.
A Relação afirmou, ainda, ser nula a escritura pela qual a proprietária de diversos imóveis arrendados transmita essa propriedade para um fundo de investimento imobiliário como forma de subscrição de unidades de participação do mesmo. Isto porque a liquidação do ato de subscrição de unidades de participação de fundos de investimento imobiliário tem necessariamente que ser feita em dinheiro, não o podendo ser em espécie.
No entanto, uma vez autorizada a constituição do fundo de investimento imobiliário, a sociedade gestora do mesmo detém legitimidade para, na administração e representação daquele, aceitar subscrições iniciais de participações, antes mesmo de constituído o fundo, uma vez que este apenas ocorrerá com a integração efetiva da primeira subscrição.
O caso
Em janeiro de 1920, o proprietário de um imóvel arrendou-o a um casal para este o utilizar para sua habitação e como atelier de modista. Em julho de 1939, o marido morreu, tendo continuado a residir na casa a sua mulher e filhos. Aquela faleceu em maio de 1977 e o seu filho em setembro de 1986, permanecendo na casa a esposa deste.
Entretanto o imóvel fora comprado por uma companhia de seguros que foi sempre emitindo os recibos de renda e aceitando a permanência dos sucessivos inquilinos na casa. Até que, em março de 2010, a companhia de seguros transferiu a propriedade do prédio, junto com outros que possuía, para um fundo de investimento imobiliário com forma de realização de parte do capital inicial desse fundo por si subscrito. Fundo de investimento esse que sucedeu na sua posição como senhorio e que exigiu a devolução da casa junto da inquilina.
Para o efeito recorreu a tribunal, mas a inquilina contestou essa pretensão afirmando que habitava a casa há mais de 40 anos e que o arrendamento se tinha transmitido do seu sogro para a sua sogra e depois para o seu marido, tendo ela assumido a posição de inquilina depois deste ter falecido. Facto que era do conhecimento da seguradora.
E, em resposta, alegou que a venda do prédio era nula, por ter sido simulada com o objetivo de afastar a possibilidade dos arrendatários usarem da faculdade de exercerem o seu direito legal de preferência, tendo chamado a seguradora a intervir na ação. Afirmou ainda que à data da escritura o fundo ainda não tinha sido constituído, pelo que não poderia ter adquirido os imóveis. O tribunal acabou por julgar improcedente tanto a ação como o pedido formulado pela inquilina, o que levou ambas as partes a recorrerem para a Relação.
Esta declarou a nula a aquisição do prédio mas nada referiu quanto ao direito da inquilina a permanecer no imóvel, o que levou o Supremo, depois de recurso interposto pelo fundo de investimento, a ordenar que se pronunciasse sobre essa situação. A Relação afirmou, então, que o arrendamento tinha caducado com a morte do marido da atual inquilina mas que esta tinha direito a um novo arrendamento, razão pela qual não podia ser ordenada a devolução da casa.
E confirmou a nulidade da escritura pela qual o fundo tinha adquirido os prédios porque a subscrição de unidades de participação no fundo de investimento tinha de ser feita em dinheiro, não podendo sê-lo mediante a entrega de bens.
O prédio voltou, assim, a ser propriedade da seguradora que teve de reconhecer o direito da inquilina a permanecer no imóvel.
Referências
Acórdão do TRL, processo nº 2577/10.3TVLSB.L1-2, de 14 de novembro de 2013
Lei n.º 1662, de 04/09/1924, artigo 1.º
Lei n.º 2030, de 22/06/1948, artigo 46.º n.º 2
Código Civil, artigos 294.º, 289.º, 1051.º, 1109.º e 1111.º
Decreto-Lei n.º 47344, de 25/11/1966
Lei n.º 46/85, de 20/09, artigos 28.º e 40.º
Decreto-Lei n.º 496/77, de 25/11, artigo 38.º
Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20/03, artigos 21.º, 24.º e 25.º
Sem comentários:
Enviar um comentário
Se pretender colocar questões, use o formulário de contacto.