Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/12/2023

Vícios nas Deliberações



3. Vícios nas deliberações

O art. 1433º, nº 1 do CC, estabelece como anuláveis “as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados”. Parte da doutrina e da jurisprudência (50) vem defendendo uma interpretação restritiva deste preceito, excluindo do seu âmbito deliberações que violem normas imperativas, pelo que a anulabilidade seria aplicável apenas às deliberações que violassem normas supletivas. 
 
Sucede que, tal como assinala Jorge Morais Carvalho, as normas supletivas ou dispositivas são, por definição, normas que podem ser afastadas pelas partes e que, portanto, não se aplicam quando as partes acordem no sentido da sua não aplicação. Desse modo, só fará sentido falar de contrariedade à lei quando estejam em causa normas injuntivas, ou seja, normas que se aplicam mesmo que as partes acordem no sentido da sua não aplicação.(51)
 
Por outro lado, entendemos que deve existir uma interpretação restritiva relativamente a deliberações que tenham por objecto assuntos que extravasam a esfera de competência da assembleia de condóminos (que, reitera-se, consiste na administração das partes comuns do edifício), porquanto estas serão, em princípio, ineficazes e não anuláveis.(52).
 
Quanto às deliberações contrárias a regulamentos, incluem-se aqui deliberações que contendam com disposições previstas no título constitutivo ou no regulamento do condomínio (que pode, ou não, integrar o título constitutivo – cfr. arts. 1418º, nº 2, al. b) e 1429º-A, a contrario).

O art. 1429º-A refere-se ao regulamento propriamente dito, ou seja, ao instrumento que “disciplina o uso, a fruição e conservação das partes comuns do edifício”.(53) Assim, mesmo que o regulamento esteja inserido no título constitutivo, é do nosso entendimento (54) que a sua natureza não muda, não adquire a mesma força vinculativa que o título constitutivo nem fica sujeito à regra do art. 1419º, nº 1, sobre a sua (difícil) modificabilidade. 
 
É que “a disciplina das partes comuns satisfaz necessidades que variam continuamente” (55) e, por isso, a sua alteração tem de ser mais facilitada, bastando-se com a aprovação por maioria simples. Pelo contrário, consideramos também que cláusulas do regulamento inserido no título que confiram direitos especiais aos condóminos ou que restrinjam os seus direitos adquirem a mesma natureza que o título constitutivo,porquanto ultrapassam o âmbito do art. 1429º-A, só podendo assim ser alteradas com o acordo de todos os condóminos, através de escritura pública ou documento particular autenticado.(56)
 
Por fim, sabendo que a parte final do n.º 2 do art. 1433.ºfaz uma breve referência a deliberações “inválidas” e “ineficazes” e que a invalidade se consubstancia tanto em anulabilidade como em nulidade, conclui-se que, desde as alterações introduzidas pelo DL nº 268/94, de 25 de Outubro (diploma que fixou o regime do actual nº 2), existem quatro categorias de vícios que inquinam deliberações tomadas em assembleia de condóminos, cada uma com pressupostos e efeitos próprios, a saber, a nulidade, a anulabilidade, a ineficácia em sentido estrito e, para alguns, a inexistência.

Notas:

50. Pires de Lima/Antunes Varela, op. cit., p. 447, João Vasconcelos Raposo, op. cit., p. 57, ac. TRP de 16/11/2010 e ac. TRL de 02/05/2013.
51. Cfr. Jorge Morais Carvalho, Os Limites à Liberdade Contratual, Almedina, Coimbra, 2016, nota de rodapé 442, pp. 151 e 170. Vide, ainda, p. 169, a propósito das formas de designação destas normas: “normas injuntivas, também designadas imperativas, cogentes, necessárias, de interesse e ordem pública ou de direito inderrogável (...)”.
52. Vide ac. TRE de 03/11/2016.
53. A título de exemplo, as cláusulas que regulam a utilização do churrasco do condomínio.
54. Seguindo Sandra Passinhas (op. cit., pp. 69 a 72) e a sua interpretação restritiva do art. 1419º, nº 1.
55. Idem, ibidem, p. 72.
56. Pense-se, por hipótese, na cláusula que estabelece que os proprietários da fracção autónoma do último piso têm um direito de utilização exclusiva do sótão. Pense-se, por outro lado, na cláusula que não permite animais de estimação no prédio, ou na cláusula que determina que a roupa só pode ser estendida nas varandas viradas para as traseiras do prédio

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