Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/05/2023

A Administração do Condomínio


Universidade: Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa
Autora: Rita Gomes Faria Leitão
Título: Um olhar sobre o regime das deliberações das assembleias de condóminos
Orientador: Prof. Dr. Pedro Caetano Nunes
Data: Março 2019

1. A administração do condomínio

Nos termos do art. 1430º, o condomínio possui dois órgãos administrativos, necessários à organização do exercício administrativo e, por isso, obrigatórios: a assembleia de condóminos, órgão colegial deliberativo, e um administrador do condomínio, órgão executivo e representativo, que tem como principal função executar as deliberações tomadas pelo primeiro.(1)

Ambos se destinam à administração das partes comuns do edifício (art. 1430º do CC), subtraindo-se tal responsabilidade da esfera individual de cada condómino.(2)

Assim, a assembleia de condóminos exerce a actividade principal, uma vez que o administrador é, no essencial, um executor das deliberações tomadas por aquela, não dispondo de qualquer poder de decisão, (3) mas apenas, como se disse, de um poder representativo (4) que tem como limite o necessário para realizar o interesse colectivo, vertido pela primeira.(5)
 
Com efeito, mesmo que o administrador desempenhe uma determinada função específica, deve entender-se, por um lado, que tal resulta da delegação de poderes da assembleia no mesmo e, por outro, que a qualquer momento a sua actividade é passível de recurso por qualquer condómino (art. 1438º) e que, também a qualquer momento, poderá ser exonerado da sua actividade, se tal se justificar e a assembleia assim o entender.
 
Deste modo, é possível afirmar que a assembleia de condóminos sempre será um órgão de fiscalização/controlo da actividade de gestão que cabe ao administrador. Este substrato organizatório desenhado pelo legislador não pode (ou, pelo menos, não deveria) ser alterado por acordo dos condóminos, nem podem ser criados órgãos especiais pelos mesmos.(6)
 
É da fisionomia da PH que surge a necessidade de organizar a administração do edifício desta forma tão peculiar, uma vez que a existência de partes comuns é obrigatória por força do art. 1421º do CC. Assim, apesar de o gozo de cada fracção autónoma não gerar nenhum problema de interesse para terceiros, mas tão-só para o respectivo proprietário, a PH caracteriza-se pela existência de uma colectividade, uma comunidade de condóminos com um interesse, redundantemente, comum, relativo às partes comuns, e é neste seio que se estabelecem relações que importam regular, porquanto se trata de uma realidade em que a liberdade de um termina onde começa a dos outros. Existem, com efeito, interesses individuais que cada um não podeprosseguir sem restrições.

Numa última nota, referir que, por ser da responsabilidade dos condóminos, enquanto colectividade, a administração das partes comuns, qualquer dano causado pelo prédio, por força de uma deficiente administração é, naturalmente, da responsabilidade daqueles.(7)

Notas:

1. Órgão não é apenas um complexo de competências que se concentra numa pessoa física, mas “aquele que tem o poder de realizar actos jurídicos vinculativos para uma organização colectiva, quer sejam actos prevalecentemente internos, como as deliberações da assembleia, ou actos externos, como os contratos concluídos pelo administrador”. Vide, neste sentido, Sandra, Passinhasa, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2002,pag. 186 e 187.
 
2. Armindo Ribeiro Mendes, em “A Propriedade Horizontal no Código Civil de 1966”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 30, I-IV, 1970, p. 69, designa o conjunto de condóminos por ente de facto, estabelecendo uma analogia entre este e as associações não personalizadas, previstas nos art. 195º a 198º, pese embora sem possibilidade de aquele ente de facto alcançar a personalidade jurídica.
 
3. Neste sentido, Rui Vieira, Miller A Propriedade Horizontal no Código Civil, 3.ª ed., revista e a tualizada, Almedina, Coimbra, 1998, p. 249.
 
4. Veja-se, a este propósito, ac. TRL de 28/02/2008.
 
5. “É, assim, errada a ideia corrente que atribui ao administrador toda a competência gestionária do condomínio. Dir-se-á que este tem a «gestão corrente» mas as linhas principais de orientação, a decisão de questões controversas e a última palavra nos actos de gestão cabe sempre à assembleia.”- João Vasconcelos Raposo, Manual da Assembleia de Condóminos: Convocação, Funcionamento e Comunicação aos Ausentes, 2.ª ed., Quid Juris, Lisboa, 2014, p. 14.

6. Não sendo este o escopo do presente texto, não podemos deixar de referir que, actualmente, nos grandes condomínios das grandes cidades, este modelo bipartido já não é adequado, desde logo pelo registo cada vez menor de condóminos com disponibilidade para participar activa e pessoalmente na gestão do condomínio. Por isso, tem-se verificado uma separação entre a gestão e o controlo, cabendo a primeira a um administrador – muitas vezes profissional e remunerado – e a segunda a um conselho de condóminos – constituído por condóminos que controlam a actividade do administrador. Alguns condomínios optam por eleger condóminos para a própria administração, mas estes acabam por delegar a gestão num administrador profissional, limitando-se a controlar a sua actividade. Estas vias não têm, evidentemente, cobertura legal, pelo que nos parece premente uma reforma legislativa no sentido de acompanhar esta separação e de regulamentar devidamente os poderes dos órgãos (de gestão e de controlo).

7. Vide acs. STJ de 12/10/2017, TRL de 09/06/2009 e ainda TRC de 14/02/2012, referindo este último que: “a obrigação, “propter rem”, do condomínio, de vigiar o imóvel decorrente do nº 1 do art. 493º do CC, é uma obrigação de resultado (em que o devedor está vinculado a conseguir certo efeito útil)”, pelo que “o condomínio se vincula a manter as partes comuns do edifício sem vícios causadores de danos, estes lhe sendo imputáveis uma vez produzidos”. No mesmo sentido, Luís Manuel Teles De Menezes Leitão, Direitos Reais, 8.ª ed., Almedina, Coimbra, 2019, p. 300

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