Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/05/2023

A Assembleia de Condóminos


1.1 A Assembleia de Condóminos

Como temos vindo a referir, para formar e manifestar a vontade própria do condomínio quanto às partes comuns e aos “serviços de interesse comum” é necessário um órgão deliberativo. Assim, a competência de tal órgão está restrita às “relações respeitantes ao uso, ao gozo e à conservação das coisas e serviços comuns, estando-lhe vedado invadir a esfera da propriedade individual e exclusiva de cada condómino”.(8) 
 
À assembleia compete, portanto, tomar posição sobre todas as questões relativas às partes comuns, encarregar o administrador de executar as suas deliberações (art. 1436º, al. l) do CC), bem como controlar a sua actividade, seja através da aprovação das suas contas (art. 1431º do CC), seja revogando os seus actos por via de recurso (art. 1438º do CC).
 
Os DL nº 268/94 e 269/94, ambos de 25 de Outubro, surgiram em complemento do DL nº 267/94, também de 25 de Outubro, e das alterações que este introduziu no regime da PH e vieram estabelecer regras “sobre matérias estranhas à natureza de um diploma como o CC ou com carácter regulamentar”, alargando a competência da assembleia de condóminos.(9)
 
Enquanto principal órgão de administração das partes comuns do edifício, a assembleia de condóminos reúne necessariamente, em sessões ordinárias, a realizar uma vez por ano (art. 1431º, nº 1 do CC),(10) sendo que a assembleia pode reunir, ainda, extraordinariamente, nos termos do art. 1431º, nº 2, quando convocada pelo administrador ou por condóminos que representem, pelo menos, 1/4 do capital investido ([25% ou 250‰), (11) não existindo limitação sobre a matéria da convocatória, “desde que cingida, naturalmente, à competência da assembleia”.(12)
 
Quanto à convocatória para tais reuniões, em termos gerais, deve realizar-se carta registada, enviada com 10 dias de antecedência (13) ou, alternativamente, ser feita por aviso convocatório feito com a mesma antecedência, sendo que neste último caso, a convocatória só se considera regularmente feita se for assinado o respectivo recibo de recepção. Além disso, tem de indicar, necessariamente, o dia, hora, local (14) e ordem de trabalhos da reunião e, ainda, informar sobre os assuntos cujas deliberações careçam de unanimidade de votos para aprovação (art. 1432º, nº 2 do CC).
 
Por fim, é obrigatório que, a cada reunião da assembleia de condóminos, corresponda uma acta, que deverá ser redigida e assinada por quem tenha presidido à reunião e devidamente subscrita pelos condóminos que nela tenham participado. 
 
Da acta deverá constar o relato resumido do modo como a reunião decorreu, especificando o teor das deliberações tomadas. 
 
Após serem regular e validamente aprovadas e exaradas em acta, as deliberações da assembleia vinculam todos os condóminos, porquanto representam a vontade de um órgão colegial. Também aqueles que ingressem no condomínio posteriormente à aprovação da deliberação se vincularão à mesma.(15)
 
A acta é também, no nosso entendimento, condição de eficácia das deliberações, porquanto,na sua falta,a deliberação, apesar de válida, fica suspensa na produção dos seus efeitos. Trata-se, assim, de documento ad probationem, necessário apenas para a prova da deliberação, pelo que esta não poderá ser executada enquanto não for documentada.(16)

Processualmente, a falta de ata traduz-se numa excepção dilatória de direito substantivo.(17) Por fim, as actas deverão ser facultadas, pelo administrador, aos condóminos e a terceiros titulares de direitos sobre as fracções autónomas.

Notas

8. Abílio Neto, Manual da Propriedade Horizontal, reimpressão da 4.ª ed. reformulada, Ediforum, Lisboa, 2017, p. 642

9. Cfr. preâmbulo do DL 268/94 bem como os art. 4º/3 e 5/2 desse diploma e os art. 1º/1 e 2º, nº 1 e 3 do DL 269/94.
 
10. Entendem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, reimpressão da 2.ª ed., com a colaboração de M. Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 444) que o título constitutivo pode estabelecer data distinta da prevista no nº 1 do art. 1431º, porquanto “estão aqui em jogo, exclusivamente, interesses dos contitulares do edifício”. No mesmo sentido, Sandra Passinhas (op. cit., p. 205) defende que a previsão legislativa é uma mera indicação, não sendo imperativa, porquanto “a intenção do legislador terá sido apenas a de estabelecer a obrigatoriedade de uma reunião anual e, ainda, que não existe qualquer interesse ou razão de ordem pública para que o ano de administração do prédio corresponda necessariamente ao ano civil”, pois que aquilo que a lei exige é que a reunião ocorra nos 15 dias seguintes ao termo do ano da administração. Tais entendimentos merecem a nossa concordância. Com efeito, a prática demonstra que poucas assembleias ordinárias se realizam nos primeiros 15 dias do mês de Janeiro. 
 
11. Esta exigência quantitativa não se verifica quando um condómino queira recorrer, para a assembleia, de um acto do administrador, ao abrigo do art. 1438º do CC.
 
12. Abílio Neto, op. cit., p. 15.
 
13. Para Sandra Passinhas, op. cit., p. 207, nota 513, o prazo de convocação é inderrogável, não podendo ser estabelecido prazo mais curto pelo regulamento do condomínio

14. No entender de Sandra Passinhas (ibidem), “o regulamento do condomínio pode prever, de uma vez por todas, a data, a hora, e o local das reuniões ordinárias da assembleia. Nesse caso, dispensa-se o aviso de convocação. Havendo violação do regulamento, se uma assembleia reunir fora dos termos aí estabelecidos, as deliberações tomadas são anuláveis. ”Diversamente, entendemos que nunca uma convocatória deve ser dispensada, independentemente das circunstâncias que estejam pré-fixadas, dada a importância e a segurança que estão associadas à mesma. De resto, a prática demonstra uma falta de interesse na participação em reuniões por parte dos condóminos, que com certeza se agravaria se não houvesse, sequer, um aviso sobre a realização das mesmas.
 
15. “(...) todo aquele que ingresse no condomínio (ou exerça, com base numa relação creditória, os poderes que aos condóminos competem: caso do arrendatário ou do comodatário), fica automaticamente subordinado às regras do respetivo estatuto, seja qual for a sua origem (legal ou negocial)”, Manuel Henrique Mesquita,“A propriedade horizontal no Código Civil Português”, in Revista de Direito e Estudos Sociais, n.º 23, 1976, p. 134.
 
16. Neste sentido, Jorge Alberto Aragão Seia, Propriedade Horizontal: Condóminos e Condomínios, Legislação Complementar, 2.ª ed. revista e actualizada, Almedina, Coimbra, 2002, pp. 172 a 175, XAVIER, Vasco da Gama Lobo, Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas, Almedina, Coimbra, 1976 (reimpressão de 1998), p. 219, ac. TRP de 15/11/2007, ac. TRE de 23/02/2017. Contra: ac. TRP de 30/05/2016, defendendo que a acta é um mero documento, um meio normal de documentação das deliberações. Também contra, mas com outro entendimento: Sandra Passinhas (op.cit., p. 266), defendendo que a acta tem valor ad substantiam, formando um corpo único com a deliberação da assembleia, pelo que a sua falta gera a nulidade da deliberação.
 
17. As excepções dilatórias, que se caracterizam por retardarem a acção, podem ter natureza processual ou substantiva, determinando as primeiras a absolvição do réu da instância, e as segundas a sua absolvição do pedido. Porém, “embora o réu seja absolvido do pedido, se a absolvição teve por fundamento uma excepção substancial de natureza dilatória, ele poderá, logo que as circunstâncias se modifiquem por maneira a cessar a eficácia da excepção, propor nova acção para fazer valer o seu direito”. Neste sentido, José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 78  

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