3.1.2 Alguns exemplos
Nos
termos do nº 1 do art. 1432º, uma assembleia não pode deliberar sem que
estejam presentes condóminos que representem, pelo menos, 51% dos votos
representativos do capital investido. Este preceito legal é imperativo,
visando proteger os interesses dos condóminos e regula elementos
exteriores da deliberação (a forma como pode ser obtida), pelo que a
deliberação tomada com desrespeito pelo mesmo cabe no âmbito do art.
294º.
Contudo,
esta deliberação não deverá ser cominada com nulidade, mas com mera
anulação, porquanto não se trata de irregularidade permanente que afecte
interesses de condóminos futuros.(84) Os nºs 3 e 4 do art. 1424º são
disposições especiais que afastam a regra geral da proporcionalidade
prevista no nº 1 (que se apresenta como supletiva), não podendo ser
derrogadas. Com efeito, estas regras acautelam “interesses de condóminos
que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência
de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais
não podem sequer tirar proveito”. São, pois, normas imperativas, não
estando na disponibilidade das partes.(85)
Assim,
deliberações aprovadas em sentido contrário àquelas são deliberações
cujo conteúdo negocial é contrário à lei e, por isso, são abrangidas
pelo nº 1 do art. 280º. Não existindo outra solução legal, e tendo em
conta que a aprovação de tais deliberações é suscetível de afectar
pessoas que só em momento futuro farão parte do condomínio, estas
deliberações deverão ser cominadas com anulidade, por força do disposto
no art. 280º. O mesmo raciocínio se aplica para deliberações que regulem
os encargos com inovações de forma diferente da consignada no art.
1426º.
O
art. 1419º/1 surge, igualmente, como norma imperativa, visando,
novamente, a protecção dos interesses dos condóminos e, bem assim, o
interesse geral, na medida em que “o título constitutivo é um acto
modelador do estatuto da PH e as suas determinações têm natureza real e,
portanto, eficácia erga omnes,”(86) oponíveis a terceiros. Assim, “a
liberdade de modelação do regime da PH está fortemente condicionada não
apenas pelo facto de se tratar de um direito real, subordinado ao
princípio da tipicidade, mas também por razões de interesse público,
designadamente decorrentes dos direitos de edificação e do ambiente, sem
esquecer a necessária salvaguarda da solidariedade exigida a todos os
que integram a micro comunidade interdependente”.(87)
Posto
isto,qualquer alteração ao título constitutivo exige o acordo de todos
os condóminos e a sua consignação em escritura pública. Não se abdicando
do acordo de todos os condóminos, a deliberação
aprovada sem o mesmo é nula, recaindo novamente no âmbito do art. 294º
(forma de obtenção da deliberação)(88). As deliberações que autorizem a
divisão entre condóminos das partes do edifício consideradas
imperativamente comuns pelo nº 1 do art. 1421º são deliberações cujo
conteúdo negocial contende com a lei e, nesse sentido, subsumem-se ao
art. 280º/1.
Também
aqui estão em causa interesses dos condóminos cujo único desvio já vem
previsto na própria lei (admitindo-se, apenas, a afectação das partes
comuns ao uso exclusivo de um dos condóminos [nº 3] e nunca a sua
divisão entre eles). Por isso, e por estarem em causa também interesses
de condóminos futuros, estas deliberações deverão ser consideradas nulas.
Também
as deliberações que suprimam a faculdade de qualquer condómino proceder
a reparações necessárias e urgentes nas partes comuns do edifício (art.
1427º) são nulas por força do art. 280º/1, por contrariedade à lei,
pondo em causa o interesse geral, na medida em que a omissão de
determinadas reparações pode por em causa bens jurídicos como a
integridade física de qualquer transeunte ou visitante do condomínio.
As
deliberações que retirem aos condóminos, no caso de destruição do
edifício ou de uma parte que represente pelo menos 3/4 do seu valor,o
direito de exigir a venda do terreno e dos materiais (nº 1 do art. 1428.º)
ou que suprimam a possibilidade de recorrer dos actos do administrador
(faculdade permitida pelo art. 1438º) são nulas por força do art. 280º/1, por afcetarem interesses dos condóminos actuais e futuros.
Por
fim, o nº 1 do art. 1429. constitui também uma norma imperativa, ao
determinar que é “obrigatório o seguro contra o risco de incêndio do
edifício (...)”. Assim, deliberações que dispensem o seguro do edifício
contra risco de incêndio são nulas (art. 280º/1) por porem em causa
interesses gerais.
Notas:
84.
Situação semelhante se verifica a propósito das assembleias das
associações, verificando-se uma solução expressa no art. 177º que
determina diretamente a anulabilidade de deliberações tomadas com
irregularidades no funcionamento da AG. Apesar de esta previsão não
existir no regime das assembleias de condóminos, a ratio legis é a mesma
e, portanto, aquele art. 177º vem reforçar a cominação com
anulabilidade para a situação apresentada.
85.
Neste sentido, ac. TRL de 14/11/2017. Contra: Ac. STJ de 12/11/2009,
referindo que “Na verdade, a norma do art. 1424º (...) é uma norma de
conteúdo dispositivo e não uma norma de interesse e ordem pública que
estabeleça direitos inderrogáveis entre os condóminos.”
86. Manuel Henrique Mesquita, op. cit.,p. 94.
87. Ac. TRP de 06/04/2017.
88.
Neste sentido, acs. STJ de 20/12/2017 e de 22/02/2017. Contra: ac. TRL
de 17/12/2015, referindo que a ofensa daquele "preceito imperativo, só
afecta interesses (e interesses disponíveis) daqueles que no momentoda
aprovação da deliberação eram condóminos, interesses, portanto, que, por
via de regra (...) tais condóminos perfeitamente podem defender através
de acção anulatória".
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