Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/08/2023

Aplicação dos nº 4 a 8 do art. 1432º


2.2.3.1 Aplicação dos nº 4 a 8 do art. 1432º

Atentando meramente ao elemento literal do art. 1432º do CC, rapidamente se pode concluir que todas as deliberações sujeitas a uma maioria qualificada têm um regime – quanto a nós, estranhamente - mais exigente do que as deliberações sujeitas a unanimidade, já que não parece ser-lhes aplicável o procedimento previsto nos nº 5 a 8 do citado art. 1432º.
 
Com efeito, Sandra Passinhas entende que não estamos aqui perante qualquer lacuna, e que, portanto, se o legislador pretendesse que tal regime fosse aplicado, tê-lo-ia referido expressamente, como fez a propósito das que carecem de unanimidade (nº 5).)36)
 
Também o disposto no nº 4, referente à reunião em segunda convocatória parece vir na sequência do nº 3, aplicando-se, à primeira vista, apenas às deliberações que careçam apenas de maioria simples.(37)
 
Não comungando de tais entendimentos, explanaremos a nossa posição com apoio jurisprudencial.(38).
 
Com efeito, consideramosque os fundamentos que levaram o legislador a estabelecer um  regime especial e, em certa medida, generoso,relativamente às deliberações que carecem de unanimidade também se impõem no que respeita às deliberações que carecem de maioria qualificada. 
 
Parece-nos, portanto, que sendo a unanimidade a exigência abstractamente mais intensa, esta se aplica a deliberações mais graves e importantes do que quaisquer outras e, portanto, por maioria de razão, havendo a possibilidade de “contornar” tal requisito deliberativo, essa possibilidade deverá ser alargada à aprovação por maioria qualificada. Senão vejamos.
 
Como ensina o ac. TRL de 15/02/2018, o regime actual foi introduzido pelo DL267/94, de 25 de Outubro sem que, contudo, tenha sido dada qualquer explicação sobre as alterações à disciplina da unanimidade no preâmbulo daquele decreto. Dali se depreende, porém, que as alterações introduzidas se deveram às mudanças sociais e do padrão típico de habitação nas cidades que resultaram na aplicação do regime da propriedade horizontal aos grandes edifícios com bem maior número de condóminos o que, naturalmente, começou a dificultar a gestão dos condomínios e a chegada a consensos. 
 
Como já tivemos oportunidade de referir, a própria participação atciva e pessoal dos condóminos nas assembleias começou a decrescer e, por isso, o legislador sentiu necessidade de introduzir algumas flexibilizações no regime. Com efeito, da leitura do preceito legal em análise se conclui que estamos perante uma norma prática, “um remédio para a possível complexidade de reunir inúmeros condóminos que pode ser um entrave real ao correcto e agilizado funcionamento de uma administração” .
 
Sucede que os nº 5 a 8 do art. 1432º  aparecem como aplicáveis apenas às deliberações que carecem de unanimidade, não mencionando nunca as deliberações que necessitam de maioria qualificada. Ora, coloca-se a questão de saber até que ponto o legislador omitiu aquelas deliberações propositadamente, criando um regime especial e exclusivo para a unanimidade, ou se, por outro lado, o legislador não previu, negligenciando as situações que carecem de aprovação por maioria qualificada. Por outras palavras, pergunta-se se estamos perante uma lacuna, a ser integrada nos termos do art. 10.º, ou não.
 
Para responder a tal questão, atentemos aos seguintes fundamentos. 
 
Em primeiro lugar, oque nos parece mais evidente: com base numa interpretação literal, verifica-se que o legislador contornou, através do nº 4 do art. 1432º, as exigências face a deliberações que carecem de maioria simples e,através do nº 5, as exigências de unanimidade (mitigada). Fica assim excluída - literalmente, reiteramos - qualquer flexibilização relativa às maiorias qualificadas, sem que exista qualquer fundamento válido que o justifique.

Por outro lado, ainda no que concerne às deliberações aprovadas por maioria simples, vem o acórdão referido supra defender, contrariamente ao que consta do seu sumário,que não é “absolutamente claro que a leitura do nº 4 do preceito se reporte ao nº 3”, i.e., que se restrinja à regra geral da maioria simples, porquanto o art. 1432º “regula todos os tipos de deliberações que podem ser tomadas”, algo que resulta, desde logo, da leitura dos nº 1 e 2 do art. 1432º. 
 
É que se as normas relativas à convocação e funcionamento das assembleias se aplicam a todas as deliberações, independentemente das exigências relativas à sua aprovação, não se avista qualquer motivo para ler o nº 4 de forma diferente. Por esse motivo, consideramos que a possibilidade de convoca ruma segunda reunião deve ser reconhecida quer se pretenda aprovar uma deliberação que careça de maioria simples, quer tal aprovação exija unanimidade ou maioria qualificada.
 
Quanto às deliberações que requerem unanimidade, note-se que o n º 5manteve tal requisito, apenas facilitando a deliberação em segunda convocatória, à qual se aplica, ao permitir que a unanimidade seja alcançada em dois momentos: um primeiro com os votos unânimes dos condóminos presentes na reunião que representem, pelo menos, 2/3 do capital investido no prédio, e um segundo momento de confirmação por parte dos restantes condóminos (os ausentes). 
 
Tal significa que o legislador teve uma preocupação especial com as deliberações que exigem unanimidade, não descurando da sua importância e gravidade quando prevê uma segunda reunião. Ora, o mesmo raciocínio se pode e deve fazer quanto às deliberações que carecem de maioria qualificada, pela importância que revestem, pelas consequências que podem implicar e porque “o fim último da lei (é) a protecção da maioria contra actuações minoritárias”.

Por todo o exposto, entendemos que estamos efectivamente perante uma lacuna legal para as deliberações que exigem maiorias qualificadas e que venham a ser tomadas em segunda convocatória, na medida em que não existe uma solução legal que indique qual o quórum deliberativo necessário.Importa agora saber como integrar tal lacuna nos termos do art. 10º, i.e., tentar perceber como é que o legislador, atendendo aos interesses em causa e à sua importância, bem como ao espírito do sistema, teria regulado a questão, não sendo, para nós, concebível que o regime a aplicar seja tão inflexível que não permita uma minoração de exigências numa segunda convocatória, nem tão brando que caia no âmbito do nº 4 do art. 1433º do CC. 
 
Com efeito, se os casos em que se exige maioria qualificada são importantes o suficiente para que não lhes seja aplicada a regra geral da maioria simples, não existe fundamento para que, perante tais casos, baste a aprovação de uma minoria de 1/4 do valor total do prédio para vincular todos os condóminos.
 
Recorrendo à analogia, e porque as razões que justificam a existência de uma solução a aplicar à unanimidade são as mesmas - ainda que num diferente grau de intensidade - que as que fundamentam a necessidade de regular o que acontece numa segunda convocatória da assembleia geral para aprovar deliberações que careçam de maioria qualificada – reitera-se, a protecção dos interesses maioritários -, tendemos a defender, à semelhança do acórdão do TRL a que vimos aludindo, que se deve estabelecer um paralelo entre as duas situações.
 
Pelo exposto, entendemos ser de manter o quórum de 2/3 relativamente às deliberações que o exijam, (39) permitindo-se, porém, que também este seja alcançado em dois momentos: num primeiro momento, bastando os votos favoráveis da maioria do capital investido e, num segundo momento, a confirmação da deliberação pelos restantes condóminos que representem a parte necessária para fazer as maiorias qualificadas exigidas, consoante o caso. 
 
Diferentemente – e ainda que a jurisprudência não resolva nem aborde este aspecto -, quanto às maiorias previstas nos arts. 1428º, nº 2, 1422., nº 2, al. d) e 1422º-A, nº 3, sendo o seu quórum deliberativo em primeira reunião menos exigente, também em segunda reunião se deve verificar uma redução proporcional. Neste sentido, sugerimos, por entendermos razoável – ainda que, evidentemente, seja meramente indicativo -, que num primeiro momento (naquela segunda reunião) devam bastar os votos favoráveis de 40% do valor total do prédio e, num segundo momento, a confirmação da deliberação pelos condóminos necessários para perfazer as maiorias qualificadas exigidas. Numa última nota, e pela sua relevância prática, referir que as manifestações posteriores dos condóminos ausentes e não representados devem, no nosso entender, seguir os termos dos nº 6 a 9 do art. 1432º do CC.

Notas

36. Sandra Passinhas,op. cit.,p. 247.
 
37. Cfr. sumário do ac. TRL de 15/02/2018, referindo que o nº 4 do art. 1432º é um regime “restrito às deliberações previstas no nº 3 do mesmo preceito”.
 
38. Além do ac. TRL de 15/02/2018, acs. TRP de 06/03/2007 e do STJ de 19/03/2009.

39. Referimo-nos aos já citados nº 3 e 4 do art. 1422º, nº 2 do art. 1424º e nº 1 do art. 1425º, todos do CC

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