Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

9/20/2023

Deliberações inexistentes


3.4 Deliberações inexistentes
 
Há quem admita, além da invalidade (nulidade e anulabilidade)e da ineficácia em sentido estrito, a figurada inexistência do negócio ou do negócio inexistente (que, de acordo com a doutrina maioritária–que a aceita (118) -, se integra no quadro da ineficácia lato sensu, juntamente com os outros vícios.(119)) 
 
Quanto a nós, o seu reconhecimento parece-nos imprescindível, porquanto nenhuma invalidade (120) dará devida resposta às situações em que não se verifica sequer a aparência da materialidade ou do corpus correspondentes à noção de um determinado acto ou em que, verificando-se tal aparência, ela não corresponde a tal noção.(121)(122)
 
Feito este enquadramento, facilmente se depreende que a inexistência corresponde à falta mais grave e radical no âmbito dos vícios do negócio jurídico e que, por isso, não pode produzir quaisquer efeitos.(123)

Dado o exposto, estaremos perante uma deliberação inexistente quando os condóminos, em assembleia, não tenham tomado expressa posição sobre um qualquer assunto, apesar de, aparentemente, resultar da assembleia uma deliberação sobre a questão.(124)
 
A inexistência está excluída do âmbito de previsão do art. 1433º, pelo que pode ser invocada a todo o tempo e por qualquer condómino, podendo ser declarada por uma mera acção de simples apreciação, produzindo efeitos idênticos à acção de declaração de nulidade. Como exemplos de deliberações inexistentes, imagine-se a aprovação de uma “pseudo deliberação”, constante de acta, que na realidade não foi submetida à apreciação, discussão e votação dos condóminos na assembleia.(125)
 
Abílio Neto e Sandra Passinhas (126)  apontam ainda como exemplo uma deliberação em que se constata que nela teria participado alguém que se disse representante de um ou mais condóminos, não tendo, para isso, quaisquer poderes (falsus procutaror). 
 
Diferentemente, é do nosso entendimento que a aprovação de uma deliberação perante a referida situação fáctica não pode ser inexistente, mas meramente anulável. Com efeito, entendemos que o voto de um não-condómino ou de alguém não mandatado por nenhum condómino deve ser considerado irrelevante, tanto quanto a contagem dos votos o permita. Assim, se uma determinada deliberação exige uma maioria (seja ela simples ou qualificada) e, mesmo retirando os “votos” da referida pessoa, a deliberação reúne votos suficientes para ser aprovada, não nos parece que se possa falar em inexistência da deliberação. Mesmo quanto às deliberações que carecem de unanimidade é possível que os pseudo votos não interfiram com a validade da deliberação – pense-se na diminuição de quórum exigido em segunda  convocatória.
 
Deste modo, a única consequência que pode resultar da participação de um estranho na votação é a ausência do necessário quórum deliberativo, pelo que estará em causa apenas um vício respeitante à formação do processo deliberativo – o que, como vimos supra, se comina, em princípio, com a anulabilidade.

Notas

118. Apesar de a inexistência jurídica estar legalmente prevista no art. 1628º, relativo a casamentos inexistentes, ela é negada enquanto categoria jurídica autónoma por alguns autores, que a incluem na modalidade de rigorosa nulidade (vide Heinrich Ewald Horster, A Parte Geral do Código Civil Português: Teoria Geral do Direito Civil, reimpressão da edição de 1992, Almedina, Coimbra, 2017, p. 518 e Menezes Cordeiro, op. cit., p. 90), sendo, todavia, reconhecida por outros autores que a admitem para actos afectados com um vício mais grave do que a nulidade (Mota Pinto, op. cit.,pp. 617 a 619 e Pais Vasconcelosde, op. cit., pp. 642 e 643). Para estes últimos, a inexistência pode ser invocada por qualquer pessoa e a todo o tempo, uma vez que não se trata de um negócio jurídico viciado, mas antes de um “não negócio”. Nesse sentido, o negócio não chega sequer a existir no mundo jurídico, representando um nada, em consequência dos vícios de que enferma.
119. Contra: Rui Nogueira Lobo de Alarcão e
Silva, “Sobre a Invalidade do Negócio Jurídico”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Teixeira Ribeiro,in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra,III, Iuridica,1983 (impr. 1984), p. 610, para o qual se trata de categoria autónoma.
120. Note-se que mesmo nos casos de nulidade, embora excepcionalmente, não se pode excluir a possibilidade de esta ser sanada (cfr. Pinto Furtado, op. cit., pp. 548 e ss.) ou de, não o sendo, produzir efeitos indirectos ou laterais (como, p. ex., o negócio nulo valer como justo título para efeito de usucapião).
121. Mota Pinto, op. cit., p.617e ac. TRP de 07/03/2016.
122. A inexistência “não é a problemática do nada, mas de um certo quid de facto que, tendo a aparência de uma deliberação, não preenche todavia a facti specieslegal do conceito” – Pinto Furtado, op. cit., p. 503.
123. Note-se que, naturalmente, “mesmo que um acto seja juridicamente inexistente o seu agente pode, em termos práticos, executá-lo e dele retirar efeitos materiais enquanto tal inexistência não for jurisdicionalmente verificada e declarada”. Vide ac. TRC de 21/06/2011.

124. Ac.TRP de 07/03/2016.
125. Abílio Neto, op. cit., p. 721 e Sandra Passinhas, op. cit., p. 250 e ac. TRP de 16/11/2010.
126. Idem, ibidem.

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