Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

15 junho 2025

Comparticipação nas despesas comun


Os condóminos devem contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum, em regra em montante proporcional ao valor das respectivas fracções (art. 1424º nº 1 do CC). Por sua vez, caberá ao administrador elaborar o orçamento das receitas e despesas relativas a cada ano (al. b) do art. 1436º do CC), o qual deverá ser sujeito a aprovação em assembleia dos condóminos, convocada pelo administrador para a primeira quinzena de Janeiro de cada ano (art. 1431º do CC).

Aprovado o orçamento, caberá ao administrador cobrar as receitas e efectuar as despesas comuns (e outras para as quais tenha sido autorizado - art. 1436º al. d) e h) do CC) e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas (art.º 1436.º alínea e) do CC. Para o efeito, poderá agir em juízo contra o condómino relapso (nº 1 do art. 1437º do CC), instaurando desde logo acção executiva, para o que dispõe, como título executivo, da acta da AG em que se tenha deliberado as despesas e a contribuição de cada condómino para as mesmas. A este propósito têm surgido divergências na jurisprudência quanto à expressão utilizada no referido art. 6º, nº 1, do DL 268/94 de 25/10 “contribuições devidas ao condomínio”. 

Afigura-se-nos que tal expressão tanto abrange as “contribuições que vierem a ser devidas ao condomínio”, como as “contribuições já em dívida ao condomínio”, ou seja, quer as contribuições futuras, quer as contribuições já apuradas, em que se verifique ou venha a verificar falta de pagamento. Não se vislumbra justificação para distinguir. Neste sentido cfr. entre outros, Ac. TRP proc. RP200504210531258, de 21.04.2005 e de 24.2.2011, proc. 3507/06.2TBMAI-A.P1, Ac. TRL de 29.06.2006, proc. 5718/2006-6, e de 18.03.2010, proc. 85181/05.0YYLSB-A.L1-6, Ac. TRE de 17.02.2011, proc. 4276/07.4TBPTM.E1, acessíveis in www.dgsi.pt .

As contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer outros montantes referidos naquele normativo têm de ser certas, exigíveis e líquidas (art. 802º do CPC) uma vez que estes três requisitos condicionam a admissibilidade da acção executiva. Como é sabido, por regra, existem, em todos os condomínios AG onde se fixam, para cada ano (ou anos), através de deliberação daqueles consignada em acta, as quotas-partes dos valores a pagar por cada condómino, em função da permilagem que a sua fracção ocupa no todo da PH e em que se aprovam as contas do ano anterior e se apresentam as despesas e receitas para o novo ano e em cujo relatório anual habitualmente se fazem também constar todos os montantes em dívida pelos condóminos relapsos.

O legislador ao conferir eficácia executiva às actas das reuniões da assembleia de condóminos visou evitar o recurso à acção declarativa em matérias em que estão jogo questões monetárias liquidadas ou de fácil liquidação segundo os critérios legais que presidem à sua atribuição e distribuição pelos condóminos e sobre as quais não recai verdadeira controvérsia.

Assim, parece-nos não fazer sentido restringir a força executiva apenas à acta em que se delibera o montante da quota-parte das contribuições que cabe a cada condómino pagar e não concedê-la à acta em que, por o condómino não ter pago, conforme o deliberado em assembleia anterior, se delibera sobre o montante da dívida e sobre a sua cobrança judicial. (cfr. ainda neste sentido, entre outros, Ac. TRE de 26.04.2007, de 16.12.2003 e TRL de 29.06.2006, in www.dgsi.pt).

Se a AG, tendo reunido para além do mais, para discussão e aprovação do fecho de contas referente ao exercício findo e, neste âmbito, aprovou por unanimidade dever ser incluída na acta a lista dos condóminos com maiores montantes em dívida ou aqueles que, apesar de instados a liquidar montantes em atraso, o não têm feito justificadamente e que os valores mencionados na acta serão os montantes a peticionar para efeitos da cobrança coerciva através da via judicial, em caso da não liquidação da dívida imediata e voluntariamente e que se excluem aqueles com processos já entrados em tribunal e ainda não resolvidos.

E, seguindo-se, nos termos referidos, a discriminação dos condóminos, onde se incluem os executados, nos termos indicados, isto é, nome, fracção e respectivos valores em dívida, vindo a dita assembleia a aprovar, por unanimidade, as contas apresentadas.

Resulta assim da acta dada à execução que a assembleia de condóminos aprovou os montantes em dívida por parte de cada um dos executados, (o que pressupõe a existência da prévia fixação dos montantes das contribuições a pagar por cada condómino) com referência à sua fracção e deliberou o recurso à via judicial com vista à cobrança de tais dívidas em atraso ao condomínio, caso não viessem as mesmas a ser pagas de imediato.

Ora, sendo o título executivo condição indispensável para o exercício da acção executiva, mas não sendo a causa de pedir, o próprio documento, mas a relação substantiva que está na base da sua emissão, ou seja, o direito plasmado no título, pressupondo a execução o incumprimento de uma obrigação de índole patrimonial, seja ela pecuniária ou não, podemos dizer que da dita acta emerge que a presente execução tem como causa de pedir o não pagamento dos montantes das contribuições em dívida ao condomínio pelos ora executados.

E, da mesma acta resultando que a obrigação exequenda é certa, já que do título executivo se ficam a conhecer o objecto e sujeitos; é exigível, na medida em que está vencida; e é líquida, porquanto se acha determinado o seu quantitativo quanto a cada executado (art. 802º do CPC).

Nos termos do art. 1422º nº 1 CC, os condóminos, nas relações entre si, estão sujeitos, de um modo geral, quanto às fracções que exclusivamente lhes pertencem e quanto às partes comuns, às limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários de coisas imóveis. Relações essas entre os condóminos ou entre estes e o património comum em que se vem a traduzir o “condomínio”, pois não estamos perante vínculos de natureza contratual, moldados pela vontade das partes, mas antes perante vínculos que possuem a sua fonte na lei ou no TCPH.

Por outro lado, vemos que o princípio da indivisibilidade das coisas comuns, consagrado na 2ª parte do art. 1423º do CC, é uma exigência da específica estrutura da PH e, consequência necessária da incindibilidade dos dois direitos, de propriedade singular e de compropriedade, que a integram, constituindo, assim, uma excepção à regra do nº 1 do art. 1412º do CC para a compropriedade, em geral.

Como resulta do disposto no art. 1424º, nº 1 do CC, a principal obrigação que decorre do próprio estatuto da propriedade horizontal para cada um dos condóminos é a de contribuir para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

A razão de ser da comparticipação dos condóminos nas despesas comuns reside na afectação ou possibilidade de aproveitamento da serventia de certos bens ou serviços ao uso de determinadas fracções do condomínio. A obrigação de contribuição para as referidas despesas não depende da efectiva utilização, mas, tão só, da possibilidade de utilização dessas coisas comuns ao serviço da utilização da fracção (cfr. Ac. do TRP in CJ, 2001, 4º, pág. 209).

Comentando tal normativo, Aragão Seia, in “Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínios”. 3ª ed., pág. 126, cita o Professor Henrique Mesquita, in “A Propriedade Horizontal no Código Civil Português, RDES, XXIII, 130:”o qual refere que, “A obrigação de contribuir para estas despesas é uma típica obrigação propter rem – uma obrigação decorrente não de uma relação creditória autónoma, mas antes do próprio estatuto do condomínio.

Mesmo quando as obrigações que impendem sobre os condóminos resultem do TCPH (e não directamente da lei), a sua força vinculativa decorre da eficácia real do estatuto do condomínio e não de um acto de aceitação por parte daqueles”. E, segundo a definição do Prof. Menezes Cordeiro in “Direitos Reais”, págs. 366-367, são obrigações cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (intuitu personae), mas por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa.

E assim é que em caso de transmissão do direito de propriedade sobre a fracção, as despesas a que alude o referido art. 1424º, continuam a ser da responsabilidade do transmitente, enquanto titular do direito real sobre a coisa, à data da sua constituição - Neste sentido, se pronunciam Henrique Mesquita in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, Almedina 1990, pág. 321, Aragão Seia in ob. cit. pág. 125 e Sandra Passinhas, in “Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, Almedina, págs. 310 e 311, Ac. TRP de 9.07.2007, e jurisprudência aí citada, in www.dgsi.pt .

Assim, constitui a contribuição dos condóminos nas despesas comuns do condomínio um “débito proporcional”, por parte de todos os interessados, ao qual todos os condóminos são obrigados pelo próprio facto de terem uma quota no condomínio. E, advindo tais obrigações (citado art. 1424º) da natureza real do instituto da PH, conforme exposto, é por isso que é permitido ao credor demandar vários devedores coligados, como ocorre no caso em apreço, desde que obrigados no mesmo título - art. 58º, nº 1, al. b), do CPC. A este propósito, cfr. Ac. TRL de 17.02.2009, proc. 532/05.4TCLRS-7, e sumários, do Ac. do STJ de 17.02.1998, proc. 97A370 e Ac.TRP 09.01.1997, proc. 9631007, acessíveis in www.dgsi.pt .

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