Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

4/24/2023

Como se calcula o valor relativo de cada fracção



O escopo do presente artigo justifica-se no fundo por ao longo do tempo me confrontar amiudadas vezes, com o facto de alguns condóminos questionarem da legalidade de, duas fracções autónomas aparentemente iguais possuírem percentagens ou permilagens diferentes ou de fracções com uma área menor que outras, poderem possuir uma percentagem ou permilagem maior.
 
A questão recorrente: será isto legal? Não devia haver um critério proporcional?
 
Apreciando, importa desde logo iniciar o presente escrito, com a determinação daquela que poderá ser a possível, a melhor ou mais exacta definição dos diversos conceitos em presença e que nos aproveitam.

Começando pelo conceito de «área da fracção», qualquer pessoa, mesmo sem especial formação, tem um conceito geral sobre o que é ou representa a expressão «área de uma fracção». No entanto, se se quiser ser o mais objectivo e concreto possível, confronta-se este desiderato com vários conceitos ou, melhor dito, diversas definições de «área da fracção».

Assim, o conceito de «área da fracção» para o promotor imobiliário ou o construtor civil, enquadra-se desde logo na área da fracção autónoma na vertente do custo. Para qualquer um deles, é natural e legitimamente relevante saber qual a área de construção de cada fracção, porquanto este dado é fulcral para se determinar qual o valor pelo qual irá colocar à venda a referida fracção.

No que concerne à Administração Fiscal, o conceito «área da fracção» tem em consideração, não só a área habitacional da fracção (área bruta privativa) mas também a área destinada a outras finalidades, nomeadamente, arrecadações, garagens, etc. (área bruta dependente), critérios que na acepção legal confluem para a determinação do respectivo valor patrimonial tributário.

Contudo, para o comum promitente-comprador, interessado na aquisição de uma qualquer fracção autónoma, regra geral, ele estará naturalmente mais interessado em verificar qual é a área útil da potencial fracção, ou seja, a área que se terá afecta à vivência do seu quotidiano familiar.

Por outro lado, temos o conceito de «percentagem» ou «permilagem», consoante o prédio esteja constituído em 100 ou 1 000 unidades. Ora, consultando um vulgar dicionário de língua portuguesa, «percentagem» é a proporção calculada em relação a uma grandeza de cem unidades.

Vale pois isto por dizer que, a área da fracção representará, em termos gerais, a concreta medição da mesma, ao passo que a percentagem / permilagem da fracção representa uma proporção do seu valor relativo com relação ao valor total do prédio. Será portanto, uma parte proporcional de um todo, pelo que, se o cálculo e determinação das áreas do imóvel obedecerão, em conformidade, no plano urbanístico e fiscal, aos critérios definidos em Lei e demais regulamentação aplicável, razoavelmente se poderá atender, por princípio, a tais elementos como pressupostos definidores do valor total do prédio e os valores relativos das partes autonomizadas que o compõem (as fracções autónomas), sem prejuízo, ainda, do valor especulativo (o chamado «valor de mercado») do prédio, atendendo designadamente à localização, as acessibilidades, infraestruturas e serviços limítrofes que servirão os respectivos proprietários. Temos ainda o valor de construção/reconstrução do prédio, ou seja, o custo que será necessário suportar pela construção do prédio, ou pela sua reconstrução, em caso de perda total do mesmo.

Nesta factualidade, qual será então o valor de um prédio que deve ser tido em conta para efeitos de calculo da permilagem de cada uma das suas fracções autónomas? O valor de construção e/ou reconstrução do prédio, o valor fiscal (VPT) ou o valor de mercado?

Estatui o art. 1418º, nº 1 do CC que “No titulo constitutivo, serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo a cada fracção, expresso em percentagem, do valor total do prédio.”Decorre deste preceito que é através do Título Constitutivo da Propriedade Horizontal que se fixa a percentagem ou permilagem atribuída a cada fracção autónoma com relação ao valor total do prédio.

A título meramente ilustrativo, importa observar que a questão atinente ao valor relativo de cada fracção, foi bastante debatida no âmbito regime dos empreendimentos turísticos em propriedade plural, tendo o legislador estabelecido uma fórmula especifica para esse efeito, através do Dec. Regulamentar nº 8/89 de 21 de Março, que seria posteriormente revogado pelo DL nº 167/97 de 04 de Julho.

Pelo exposto, não obstante a área locável e/ou habitável do imóvel, possa ser definível por aplicação das formulas para o respectivo cálculo, havidas previstas na legislação urbanística e fiscal, não podemos olvidar que outros factores concorrem directamente para a determinação do valor económico do prédio e das suas partes integrantes em geral, e das fracções autónomas que o compõem, em especial.

À luz destes considerandos, resulta portanto que as percentagens ou permilagens atribuídas às fracções autónomas, para além das áreas locáveis e/ou habitáveis das fracções autónomas (v.g., os metros quadrados que totalizam a área útil), poderá atender a outros factores que pela sua natureza, justifiquem a respectiva integração nas respectivas proporcionalidades, a saber
 
  • A outros elementos comummente identificados como componentes majorativos de qualidade e conforto (ar-condicionado, aspiração central, aquecimento central, acabamentos mais nobres), etc.);
  • A eventuais partes comuns de afectação comum que as servem (salão de festas, piscina, zona de barbeque, parque infantil, campo ténis, etc.) ou exclusiva (terraço, jardim, etc.);
  • À localização mais, ou menos privilegiada (zona mais nobre ou inserida numa área urbanística mais favorecida), a factores panorâmicos (visão para um melhor horizonte paisagístico) à exposição solar (fracção mais soalheira), à existência de equipamentos comunitários (culturais, educação, saúde, lazer e similares) e serviços públicos e privados (redes de abastecimento água, gás, esgotos e eléctrica, etc.).(1)
 
Respingando o quadro factual supra descrito, a resposta à questão atinente à possibilidade de uma fracção detentora de uma área menor poder possuir uma percentagem ou permilagem superior que uma outra, com uma área maior, é a de que, tal medida não esbarra em qualquer ilegalidade.

Dito isto, os valores relativos de todas as fracções autónomas, são determinantes para a organização e administração dos condomínios, expresso, para o efeito, nas respectivas percentagens ou permilagens atribuídas, nomeadamente:
 
  • para o apuramento do quórum constitutivo legalmente exigível para a realização das reuniões em Assembleia Geral de Condóminos, em primeira ou segunda convocatória (art. 1432º, nº 3 e 4 do CC);
  • para a imputação do número de votos e respectivo sentido que determinarão a aprovação ou rejeição das propostas constantes da ordem de trabalhos (art. 1430º, nº 2 do CC);
  • para a fixação da comparticipação nas despesas com os encargos comuns ordinários e extraordinários do condomínio (art. 1424º do CC) e bem assim, da distribuição de eventuais receitas (art. 1436º, al. d) do CC).

 

Finalmente, importa salientar que o cálculo atinente ao valor da percentagem ou da permilagem é da responsabilidade do promotor ou construtor e não do Administrador do condomínio, no entanto, nada obsta a que, posteriormente, havendo o acordo de todos os condóminos (leia-.se, mediante deliberação aprovada por unanimidade), estes possam, modificar o valor relativo havido fixado para cada fracção autónoma, expresso em percentagem ou permilagem, por escritura pública ou DPA (art. 1419º do CC).

As percentagens ou permilagens estão registadas num documento que se chama Título Constitutivo da Propriedade Horizontal, ou seja a Escritura Pública da constituição do regime de  propriedade horizontal que poderá ser obtido no respectivo Cartório Notarial.

Como é calculada a percentagem ou permilagem?

A título meramente ilustrativo, atentemos num singelo exercício que tem unicamente em consideração a área em metros quadrados.  Esta é pois calculada tendo em consideração a área ocupada por cada fracção autónoma, medida pelo respectivo  perímetro (o extradorso das paredes exteriores e pelo meio das paredes confinantes com outras fracções ou partes comuns). 

Assim tomemos por exemplo, um edifício constituído em propriedade vertical (ou total) com 4 fracções, que se pretende constituir em regime de propriedade horizontal:

 

Fracção A, T3 com 250 m2;

Fracção B, T2 com 200 m2;

Fracção C, T3 com 250 m2;

Fracção D, T1 com 100 m2.

 

Estas quatro fracções autónomas totalizam 800 m2. Para se calcular a percentagem ou permilagem a atribuir a cada fracção autónoma, basta efectuar a seguinte operação aritmética: 

Fracção A: 250 : 800 = 0,3125 = 31,25% (ou 312,5 por 1000)

Fracção B: 200 : 800 = 0,25 = 25% (ou 250/1000).

Fracção C: 250 : 800 = 0,3125 = 31,25% (ou 312,5 por 1000)

Fracção D: 100 : 800 = 0,125 = 12,5% (ou 125/1000).

Permilagens: 312,5 (A) + 250 (B) + 312,5 (C) + 125 (D) = 1 000 

Votos: 312 (A) + 250 (B) + 312 (C) + 125 (D) = 999 (2)

 

Notas:

(1) Este exemplo é válido para fracções idênticas, porém situadas em zonas diversas. 

(2) Apenas são consideradas as unidades inteiras que couberem na percentagem ou permilagem a que o art. 1418 se refere (art. 1430º, nº 2 do CC) 


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