Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

1/28/2022

O que é a PH?

Esta matéria encontra-se regulada nos art. 1414º a 1438º-A do CC. No entanto, este código não contém uma noção explícita de propriedade horizontal. Não obstante, da conjugação dos art. 1414º e 1415º depreende-se que se caracteriza por uma forma especial do direito da propriedade consistente na possibilidade de diversas fracções de que se compõem um edifício poderem pertencer a proprietários diferentes, desde que sejam susceptíveis de constituir unidades independentes, perfeitamente distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública ou para uma parte comum do prédio e desta para a via pública.

Deste modo, as partes que se autonomizaram através do processo de constituição da propriedade horizontal ficam a pertencer em propriedade singular ao respectivo titular; as outras são as partes comuns do prédio que ficam a pertencer aos vários proprietários na proporção do valor da parte autónoma de cada um.

I. Requisitos

Para que um edifício possa ser submetido ao regime da PH este tem de ser constituído por fracções autónomas, independentes, distintas e isoladas entre si e que tais fracções tenham garantida uma saída própria para uma parte comum do prédio e dela para a via publica ou directamente para esta.

Estes são pois, os requisitos civis exigidos para que seja possível a constituição da propriedade horizontal. No entanto existem ainda os requisitos administrativos, impostos pelo Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), decorrentes de exigências de segurança, salubridade, arquitectónica, estética, urbanística, tem de ser respeitadas, por condicionarem a construção de edifícios e a sua utilização.

Nesta factualidade, destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação do Porto, de 19/10/2015, Processo 1264/12, considera que Um corredor circunscrito a três fracções autónomas, que constitui parte comum do prédio, só poderá ser afecto ao benefício exclusivo dessas fracções se obter a autorização de todos os condóminos.
  • Ac. da Relação de Guimarães, de 9/4/2015, Processo 397/10, considera que tratando-se de um crédito emergente da celebração dum contrato promessa de compra e venda em que à data limite do cumprimento daquele as fracções a que a sociedade se comprometeu vender ao autor ainda não estavam concluídas, o direito de crédito deste constituiu-se com a celebração do contrato promessa.
  • Ac. do STJ, Secção Cível, de 26/2/2015, Processo 778/11.6TVLSB.L1.S1, considera que apesar da maioria dos condóminos terem votado contra a instalação de uma cadeira elevatória na escadaria comum do prédio, o regime de propriedade horizontal não deve impedir que o arrendatário que dela necessita, por via da sua condição física, o possa fazer.

II. Constituição da Propriedade Horizontal

A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião, decisão administrativa ou decisão judicial, proferida em ação de divisão de coisa comum ou em processo de inventário (cfr. art. 1417º, nº 1 do CC).

Destaca-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação de Lisboa, de 3/4/ 2014, Processo 1345/10, considera que se do título constitutivo da propriedade horizontal consta que a parte do prédio destinada ao uso e habitação da porteira era comum, tal circunstância não poderá ser alterada sem o acordo de todos os condóminos.

III. Requisitos do Título Constitutivo

Nos termos do art. 1418º é obrigatório no titulo constitutivo especificar as partes correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas e o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.

Mas para além disso o nº 2 do ar. 1418º, aditado na revisão operada no DL nº 267/94, admite que no título constem facultativamente, outras menções, a saber:

  • a) fim a que se destina cada fracção ou parte comum;
  • b) regulamento do condomínio ;
  • c) estipulação de compromisso arbitral para resolução de litígios emergentes das relações de condomínio.

Por sua vez o art. 83º do Código do Registo Predial estabelece que a descrição de cada fracção autónoma deve conter:

a) O número de descrição genérica do prédio, seguido da letra da fracção, segundo a ordem alfabética;

b) De entre as menções gerais das descrições constates das al. c) a f) do nº 1 do artigo anterior (isto é, a denominação do prédio e a sua situação, a composição e a área, valor patrimonial ou, na sua falta, o valor venal e a indicação do artigo de matriz ou da sua omissão).

c) A menção do fim a que se destina, se constar do título (esta menção é facultativa de acordo com o CC).

Destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. do STJ, de 28/1/2016, Processo 3076/06, considero que não resultando do título constitutivo de propriedade horizontal quaisquer indicações quanto ao uso das lojas dos pisos térreos, apenas resultando que a maioria das fracções autónomas se destina a habitação, e outras a escritórios e garagens, não é admissível numa dessas lojas a instalação de um restaurante, não relevando o licenciamento camarário.
  • Ac. do STJ, Secção Cível, de 11/12/2014, Processo 833/11.2TVPRT.P1.S1, considera que perante a coincidência entre as áreas expressas no título constitutivo e no projecto de construção, e considerando que este último cataloga a parcela de terreno como integrante de uma fracção autónoma, a mesma deverá ser adstrita exclusivamente à respectiva fracção autónoma.
  • Ac. do STJ, de 11/2/2014, Processo 8284/07, considera que a construção de garagem privativa a ocupar lugar de garagem existente e ainda parte da caixa de elevadores, de natureza comum, embora implique alteração de projecto construtivo, não coloca em causa interesses de natureza e ordem pública, nem os interesses privados dos condóminos.

IV. Modificação do Título Constitutivo

A lei estabelece como principio geral que, havendo acordo de todos os condóminos, estes podem modificar o TCPH, desde que se observem os requisitos estabelecidos pelo art. 1415º do CC, isto é, desde que sejam susceptíveis de constituir unidades independentes, perfeitamente distintas e isoladas entre si, com saída própria para a via pública ou para uma parte comum do prédio e desta para a via pública.

Se o acordo constar de acta assinada por todos os condóminos, o administrador tem legitimidades para outorgar a escritura respectiva em representação do condomínio.

As modificações possíveis são:

  • a dos valores relativos das fracções, que podem ser redistribuídas em diferentes proporções das referidas no título constitutivo;
  • as que importem alteração da composição;
  • as que demandem alteração do destino das respectivas fracções.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

V. Divisão e junção de fracções autónomas

O art. 1422º-A do CC, acerca da divisão e junção de fracções autónomas, veio determinar o seguinte:

1 – Não carece de autorização dos restantes condóminos a junção, numa só, de duas ou mais fracções do mesmo edifício, desde que estas sejam contíguas.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a contiguidade das fracções é dispensada quando se trate de fracções correspondentes a arrecadações e garagens.

3 – Não é permitida a divisão de fracções em novas fracções autónomas, salvo autorização do título constitutivo ou da assembleia de condóminos, aprovada sem qualquer oposição.

4 – Nos caos previstos nos números anteriores, cabe aos condóminos que juntaram ou cindiram as fracções o poder de, por ato unilateral constante de escritura publica, introduzir a correspondente alteração no título constitutivo.

5 – A escritura pública a que se refere o número anterior deve ser comunicada ao administrador no prazo de 30 dias.

Quem tem interesse na junção de duas ou mais fracções numa só ou na divisão de uma fracção em novas fracções autónomas é o respectivo titular, mas só a junção é que não carece de autorização dos demais condóminos, dado que a divisão só é legalmente admissível se tiver sido autorizada no título constitutivo ou se o for pela assembleia de condóminos sem qualquer oposição.

A alteração do TCPH a que a junção ou a divisão dão lugar pode ser formalizada em escritura pública, por acto unilateral outorgado apenas pelo condómino que proceder à junção ou pelos condóminos que cindirem as fracções. Neste último caso, só em face do conhecimento dos outros condóminos e de documento camarário ou de projecto devidamente aprovado que comprove que a alteração introduzida respeitou os requisitos legais das fracções, desde que tal modificação exija obras de adaptação que necessitem de autorização camarária.

VI. Obrigações dos condóminos

As obrigações dos condóminos, para além do que resulta das limitações ao exercício do seu direito, referem-se sobretudo às partes comuns e podem reconduzir-se às seguintes categorias: encargos de conservação, uso e fruição, reparações, inovações e encargos fiscais.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação de Guimarães, Secção Cível, de 12/2/2015, Processo 310.12.4TBCMN.G1, considera que tem o condomínio legitimidade para a acção em que peticiona a condenação dos réus a retirarem tudo o que afixaram na parede norte do prédio, retirarem a ligação que fizeram de tubo à caixa receptora e a procederem à reparação da parede, incluindo impermeabilização dos orifícios abertos e pintura de parede, devendo ser revogada a decisão do tribunal a quo que absolveu os réus da instância.
  • Ac. da Relação de Lisboa, de 5/3/2015, Processo 5570-12, considera que cada condómino tem legitimidade para defender o seu direito sobre parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal contra quem tal direito ofenda.

VII. Administração das partes comuns

A administração das partes comuns (e só de estas), encontra-se regulada pelos art. 1430º ao art. 1438º.

Com efeito, a assembleia de condóminos é constituída por todos os titulares de fracções autónomas, tendo cada um deles tantos votos quantos os correspondentes às unidades inteiras da permilagem ou percentagem da fracção ou fracções que possuir.

O administrador é o órgão executivo do condomínio, electivo, unipessoal e pode ser remunerado. Acresce ressalvar que este cargo não tem necessariamente de ser desempenhado por um condómino, podendo-o ser por um terceiro, pessoa individual ou colectiva.

Destacam-se os seguintes acórdãos:

  • Ac. da Relação de Évora, de 3/11/2016, Processo 1475, considera que tendo a alteração das permilagens sido aprovada por unanimidade pelos condóminos presentes, representativos de mais de dois terços do capital investido, tal alteração é válida.
  • Ac. da Relação do Porto, de 30/5/2016, Processo 45/14, considera que a obrigação de prestação de contas do mandatário, aplicável ao administrador do condomínio, só se extingue quando sejam aceites e aprovadas pelo mandante, não cessando com a simples prestação extrajudicial de contas, mas, apenas com a aprovação de tais contas por parte de quem tem o direito de as exigir.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Se pretender colocar questões, use o formulário de contacto.