Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

03 junho 2024

Art. 1420º - Confronto com regime anterior

 

Este preceito - norma de carácter imperativo não alterada pelo Decreto-Lei nº 267/98 de 25 de Outubro -, que, na sua formação, apenas sofreu correcções de natureza formal, manteve fundamentalmente o regime da lei anterior.

Não se especificou, como nesta se fazia, a sujeição da propriedade horizontal ao regime da propriedade de coisas imóveis porque isso decorre necessariamente da natureza do instituto e da sistematização do Código. Pois se a propriedade horizontal só pode ter por objecto imóveis - mais propriamente, prédios urbanos - e constitui uma modalidade do direito de propriedade, como tal regulada no respectivo título do Código Civil, manifesto é que está sujeita ao regime geral desse direito, em tudo que não esteja especialmente regulamentado, sem necessidade de expressa declaração da lei nesse sentido.

Também se eliminou a ressalva feita no § único do art. 10º do Decreto-Lei nº 40 333 de 14 de Outubro de 1955, de disposição legal em contrário do regime da incindibilidade dos direitos de propriedade singular e de compropriedade, porque igualmente não foi reproduzido o § 2º do art. 13º do mesmo diploma, designadamente a sua parte final que constituiria a excepção a que no preceito se aludia.

É que, na verdade, esta última disposição legal não contrariava o princípio da incindibilidade, além de que não seria concebível que a própria lei, depois de definir o traço mais característico da propriedade horizontal, admitisse que ele pudesse ser excluído.

A eliminação do adverbio "acessoriamente", que se lia no art. 10º do Decreto-Lei nº 40 333, acabou por outro lado com as dúvidas que se levantaram no domínio da lei anterior. (1)

Com efeito, embora a compropriedade (2) continue a ser de natureza complementar - e nesse sentido teria sido utilizado o termo acessoriamente - na medida em que constitui um meio de fruição da propriedade singular, como já ficou salientado, a lei é bem expressa no sentido de que o conjunto desses dois direitos é o cerne do direito de propriedade horizontal.

A sua cisão é impossível em qualquer caso e quer a compropriedade recaia sobre coisas obrigatória ou facultativamente comuns, desde que essa compropriedade seja indispensável ao gozo da propriedade singular. 

Deste modo, não apenas é ilícito nos casos expressamente referidos no nº 2 deste art. 1420º - que faz excepção às regras dos art. 1408º e 1411º nº 1, ambos do CC - como ainda em todos os outros, designadamente no que se aponta no nº 2 do art. 1406º do CC (3), não sendo, assim, possível a inversão do título da posse (4) de um condómino relativamente a essas coisas comuns e a consequente aquisição, por usucapião, de quota superior à sua.

Da incindibilidade dos dois direitos decorre ainda que, constituído qualquer ónus sobre uma fracção autónoma em propriedade horizontal, ele abrange o conjunto deles, como aliás, expressamente referia a lei anterior. 

É que o conceito normativo de fracção autónoma aglutina a parte do edifício que é objecto de propriedade singular e os elementos desse prédio que, sendo necessário, complemento estrutural e funcional daquela, têm a natureza de comuns.

Notas:

(1) Vide Cunha Gonçalves, Livro da propriedade horizontal por andares, pág. 40 e ss,; e José Marin Desantes Guanter, El regimen juridico português de la propriedad horizontal, pág. 899.

(2) Em bom rigor, não se pode falar de compropriedade relativamente aos bens comuns na propriedade horizontal, visto que o seu regime jurídico difere substancialmente do daquele instituto, como bem resulta do disposto neste artigo e ainda nos art. 1423º e 1425º.

Há por isso quem proponha a designação de condomínio, não especialmente referida àquela peculiar forma de compropriedade, mas para englobar o conjunto dos direitos inerentes à propriedade horizontal.

Alguns sistemas legislativos têm acolhido expressamente esta nomenclatura vendo-se que a lei portuguesa que começou por não lhe ser hostil na medida em que designou por condóminos os titulares de direito de propriedade horizontal, a aceitou expressamente nos DL 267/94, 268/94 e 269(94.

A conveniência de uma designação específica para essa peculiar forma de compropriedade resulta ainda do facto de poderem existir num prédio em regime de propriedade horizontal bens sujeitos ao regime geral da compropriedade.

Veja-se, José A. Negri, Dominio y condominio en la propriedad horizontal, na Revista del Notariado, Buenos Aires, ano LIV, pág. 138.

(3) Art. 1406º do CC.

1. Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que igualmente têm direito.

2. O uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título.

(4) Art. 1265º do CC.

A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por acto de terceiro capaz de transferir a posse.

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