Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

08 julho 2024

Prescrição dívidas


Conforme decorre do disposto no nº 1 do art. 298º do CC, a prescrição traduz-se no “não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei” de direitos que a lei não qualifique como indisponíveis ou declare dela isentos. Assim, a prescrição visa salvaguardar a segurança e a estabilidade das relações jurídicas, garantindo ao beneficiário da mesma a possibilidade de, transcorrido que seja, um determinado tempo fixado na lei, recusar o cumprimento que lhe venha a ser exigido, conforme decorre do art. 304º do CC que determina que, “uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.

Como refere Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 5.ª Edição, Almedina, pag. 380), “a prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita. Se o credor, ou o titular do direito, deixar de o exercer durante certo tempo, fixado na lei, o devedor, ou a pessoa vinculada, pode recusar o cumprimento, invocando a prescrição”.
Uma vez invocada, a prescrição constitui um facto impeditivo do direito invocado pelo credor daquele que a invoca.

É de salientar que a prescrição não configura um facto extintivo, na medida em que não extingue a obrigação prescrita, a qual subsiste, embora convertida em obrigação natural e, daí que, o nº 2 do art. 304º do CC estabeleça que, cumprida a obrigação prescrita, não há lugar à repetição do indevido.

A prescrição constitui uma excepção que permite ao devedor impedir o exercício do direito de crédito pelo credor (cf. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, 9.ª Edição).

O prazo ordinário de prescrição é de 20 anos (art. 309º do CC), daí resultando que se não houver disposição legal que sujeite especificamente o crédito a um prazo de prescrição diferente, a prescrição do mesmo só ocorre uma vez ultrapassado aquele prazo. Todavia, no art. 310º do CC estabelecem-se diversos casos em que o prazo de prescrição é mais curto.

Destarte, pese embora o dito prazo ordinário da prescrição (20 anos), hão prazos mais curtos, excepcionais, de 5 anos (art. 310º do CC), de 6 meses (art. 316º do CC) ou de 2 anos (art. 317º do CC). 

O art. 310º, do CC, em especial, elenca várias situações que prescrevem as situações que se balizam no prazo de 5 anos [cfr. al. a) a f)], sendo que na al. g), refere-se expressamente que também prescrevem no mesmo prazo “…Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis...”.

Conforme ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. I, pag. 280), “não se trata, nestes casos, de prescrições presuntivas, sujeitas ao regime especial estabelecido nos art. 312º e seguintes, mas de prescrições de curto prazo, destinadas essencialmente a evitar que o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor”.

Como refere a doutrina, a razão de ser da fixação deste prazo curto, tem por finalidade evitar que o credor, retardando a exigência dos créditos periodicamente renováveis, os deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor. E, no mesmo sentido, vai a jurisprudência, como é o caso do Ac. do STJ, de 02.05.2002, onde, a propósito de uma situação de prescrição a curto prazo, se decidiu que:

“O prazo da prescrição, começa a contar-se da exigibilidade de cada prestação. Tal prescrição, interrompe-se, todavia, pela citação ou qualquer acto que exprima a intenção de se exercer o direito. A razão de ser de um prazo curto de prescrição das prestações periodicamente renováveis é evitar que o credor as deixe acumular tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor...”. 

Ora, salvo o devido respeito, e no seguimento do entendimento que temos como a melhor doutrina e jurisprudência, afigura-se-nos ser esta, justamente, a situação atinente às quotas de condomínio, ou seja, a comparticipação das despesas comuns por parte de cada um dos condóminos, constituem obrigações reais, que ambulatórias ou não ambulatórias, são prestações periodicamente renováveis.

Na verdade, não nos parece curial a tese no sentido de que as prestações em dívida constituam per si prestações instantâneas fraccionadas. Estas ocorrem quando, existindo uma única prestação, instantânea por natureza, esta é realizada por partes, ou seja, executada por diversas parcelas, em consequência de convenção das partes. 

O objecto global da prestação é, neste caso e ao invés do que sucede na prestação duradoura, desde o início fixado, mas a execução é escalonada no tempo, realizando-se por diversas fracções ou prestações. Ao invés, quando, todavia, em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam — posto que decorrentes de uma só relação obrigacional — diversas prestações (isto é, prestações repetidas) a satisfazer regularmente ou sem regularidade exacta, teremos as chamadas prestações «reiteradas, repetidas, contrato sucessivo» ou «periódicas» («lato sensu»). 

Por outras palavras, no domínio das chamadas prestações duradouras, isto é, aquelas que não se esgotam num só momento, antes se distendendo no tempo, uma prestação diz-se periódica quando, protelando-se no tempo, tem de ser realizada em momentos sucessivos, com espaçamento em regra regular. 

Entende-se ser este o caso das ditas despesas condominiais, ou melhor dizendo, “as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum”, como é referido no art. 1424º, nº 1, do CC, que integram, assim, a situação prevista na já referida al. g) do art. 310º, do CC, estando, pois, sujeitas ao prazo de prescrição de 5 anos.

Como ensina Aragão Seia “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento a elaborar anualmente, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais nos termos do art. 1424º por representarem a contrapartida do uso e fruição daquelas partes comuns. Essas prestações renovam-se, pois, anualmente, enquanto durar o condomínio — art. 1424º e 1431º. Assim sendo, prescrevem no prazo de cinco anos - al. g) do art. 310º - e o prazo da prescrição começa a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. nº 1 do art. 306º CC (…)”.

Mas, todavia, conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-07-2019 (Pº 7503/16.3T8FNC-A.L1-7, rel. DIOGO RAVARA), não é forçoso que assim seja:

Com efeito, se é verdade que aquelas despesas sejam impostas com periodicidade mínima, não é forçoso que as mesmas sejam periódicas, porquanto se podem ser fixadas a forfait e cobradas anual, trimestral, ou mensalmente, também podem ter caráter pontual (como sucede relativamente a despesas decorrentes de obras de conservação extraordinárias) – neste sentido cfr. acs. RP de 14-05-2015 (Carlos Gil), p. 388/11.8TJPRT-A.P1, e de 04-02-2016 (Aristides Rodrigues de Almeida), p. 2648/13.4TBLLE-A.P1.

De qualquer modo, como bem apontaram ARAGÃO SEIA e ABÍLIO NETO, as “quotas” ou contribuições fixadas e cobradas com aquele ritmo anual, semestral, trimestral ou mensal têm natureza periódica e por isso ficam sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos previsto na al. g) do art.º 310º do CC – No sentido exposto cfr., entre outros, os arestos já citados, bem como os acs. RL 21-06-2011 (Mª Amélia Ribeiro), p. 7855/07.6TBOER-A.L1; RP 27-05-2014 (Vieira e Cunha), p. 4393/11.6TBVLG-A.P1; e RE 14-05-2015 (Francisco Xavier), p. 3202/09.0TBLLE-A.E1”.

Haverá, pois, que apurar se o objecto da prestação é determinado em função do respectivo tempo de duração (prestação duradoura, de execução continuada ou periódica), ou antes se é essencialmente determinado em função do valor do bem adquirido (prestação fraccionada), sendo que, só para as prestações duradouras de natureza reiterada ou periódica valerá a prescrição de 5 anos a que se reporta o disposto no art. 310º al. g) do CC, enquanto que, as prestações fraccionadas ou repartidas cairiam no âmbito da prescrição ordinária de 20 anos.

Trata-se de uma evidência que as obrigações não reais, respeitantes a direitos disponíveis, se encontram sujeitas a prazos de prescrição, sendo o mais longo de 20 anos, aspecto que não é posto em causa pelo instituto da propriedade horizontal. A obrigação exequenda reporta-se a uma obrigação pecuniária e não tem natureza real.

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