Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

22 julho 2024

Prescrição 5 e 20 anos


A obrigação do condómino de pagar as despesas normais atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescreverão em 5 anos, nos termos do art. 310º, al. g) do CC e o prazo da prescrição começará a correr da data em que a prestação pode ser exigida — cfr. nº 1 do art. 306º do CC.

Assim, conforme se concluiu no Acórdão do TRP de 06-04-2017 (Pº 6756/16.1T8PRT-A.P1, rel. VIEIRA E CUNHA): “As despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do condomínio constam de um orçamento, sendo depois repartidas pelos condóminos, geralmente em prestações mensais, nos termos do art.º 1424º CCiv, e, por isso, renovam-se anualmente, enquanto durar o condomínio – art.ºs 1424º e 1431º, prescrevendo no prazo de cinco anos – al. g) do art.º 310º CCiv.”.

Mas o embargado entende que as obrigações atinentes às quotas extraordinárias, por não se tratar de uma obrigação periodicamente renovável - mas sim, de uma despesa eventual/extraordinária - apenas poderá prescrever nos termos gerais, em 20 anos (cfr. art. 21º da contestação) – cfr. art. 309º do CC.

Será assim?

Neste ponto, subscrevemos as considerações expendidas a respeito desta temática no Acórdão do TRP de 04-02-2016 (Pº 2648/13.4TBLLE-A.P1, rel. ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA) do seguinte teor:

"Nos termos da al. g) estão sujeitos a um prazo de prescrição de 5 anos, entre outros, os créditos relativos a “prestações periodicamente renováveis”. Interessa pois determinar o que se deve entender por prestações periodicamente renováveis para efeitos desta norma.

Em função da influência do tempo sobre o seu objecto, é costume distinguir, usando a terminologia de Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, p. 85 e ss., entre as prestações instantâneas, as prestações duradouras e as prestações fraccionadas ou repartidas.

As prestações instantâneas são aquelas cujo objecto é realizado num único momento, ou seja, o comportamento exigível do devedor esgota-se num só momento (quae único actu perficiuntur). Ao invés, nas prestações duradouras a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação, ou seja, não só o devedor é chamado a efectuar diversos actos para satisfação do direito de crédito do credor, como a extensão desses actos depende decisivamente do factor tempo.

Dentro das obrigações duradouras distinguem-se ainda as prestações de execução continuada, que são aquelas cujo cumprimento é feito continuamente ao longo do tempo, e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo que são aquelas que se renovam no fim de períodos temporais consecutivos, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos.

Existem ainda prestações fraccionadas ou repartidas que são aquelas cujo cumprimento se protela no tempo mas em que o facto tempo não tem influência sobre o objecto da prestação mas apenas sobre o modo da sua execução, isto é, o objecto da prestação foi fixado previamente e permanece inalterado ainda que, por acordo das partes, o seu cumprimento deva ser feito ao longo de tempo, em momentos separados dividido em fracções ou parcelas.

Quando a al. g) do art. 310º do CC se refere a prestações periodicamente renováveis está pois a reportar-se às prestações emergentes de obrigações duradouras que se classificam como prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo, como é o caso da prestação de pagamento da renda a cargo do arrendatário ou da prestação de pagamento do consumidor de água ou electricidade a cargo do adquirente no contrato de fornecimento desse bens.

As prestações relativas ao pagamento das despesas comuns do condomínio que incumbem ao condómino são prestações periodicamente renováveis?

Numa primeira aproximação, a resposta tende a ser afirmativa. Com efeito, essas despesas são normalmente relativas a encargos com a limpeza e a segurança do prédio, o seguro, a aquisição de água e electricidade para as necessidades e zonas comuns, os contratos de manutenção dos serviços comuns como os elevadores e os equipamentos energéticos. Tais despesas têm como causa bens e serviços utilizados ou produzidos quotidianamente, de forma paulatina mas constante, pelo que não apenas o respectivo custo está associado ao decurso do tempo e dele depende essencialmente, como a obrigação de as suportar se renova no fim de períodos temporais consecutivos, em regra a anuidade, sendo então aí cumpridas através de uma prestação instantânea correspondente a um desses períodos (ainda que o regulamento do condomínio possa estabelecer que o pagamento pelo condómino seja feito, por exemplo, em duas prestações semestrais). Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. TRL de 22.4.2010, rel. Márcia Portela (p.º 5892/04.1YXLSB.L1-6), de 21.6.2011, rel. Amélia Ribeiro (pº 7855/07.6BOER-A.L1-7), da TRC de 14.11.06, rel. Artur Dias (p.º 3948/04.0TBAVR.C1), e da TRP de 27.05.2014, rel. Vieira Cura (pº 4393/11.6TBVLG-A.P1).

Pode suceder que o condomínio delibere a prática de um acto isolado gerador de uma despesa singular, designadamente com uma obra extraordinária de conservação ou reparação. Nessa situação, ainda que a despesa seja objecto de inclusão no orçamento e de repartição pelos condóminos na proporção das respectivas quotas a acrescer às despesas correntes e normais, parece questionável que a obrigação de pagamento dessa despesa singular possa ser classificada como prestação periodicamente renovável. Daí que tal como se entendeu no Acórdão desta Relação de 14.09.2015, relatado por Carlos Gil (proc. n.º 388/11.8TJPRT-A.P1) e com o que se concorda em absoluto, “as despesas de conservação, ainda que impostas legalmente com uma periodicidade mínima, não são necessariamente periódicas pois que, se podem ser fixadas a forfait, para serem cobradas anualmente, na veste das denominadas quotizações de condomínio, podem ter carácter pontual determinado em função do concreto custo das obras em causa e do momento em que se decide efectuar certa obra.

Como é sabido, a amplitude das obras de conservação necessárias em cada imóvel varia de acordo com uma multiplicidade de factores…. Daí que, por vezes, as contribuições do condomínio anualmente fixadas e o respectivo fundo comum de reserva não sejam suficientes para custear as obras de conservação necessárias em certo momento. (…) quando as obras de conservação têm carácter pontual e são adrede custeadas pelos condóminos e não a forfait, não é o tempo, o seu decurso que determina o custo de tais obras, mas sim as diversas vicissitudes relevantes para a sua concreta valorização…”.

Resulta assim justificado que as prestações para pagamento das despesas comuns do condomínio podem ou não ser prestações periodicamente renováveis. Se o forem, em princípio estão sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos. Caso contrário, o prazo de prescrição da dívida é o prazo ordinário de vinte anos.

Tendo a execução sido instaurada e estando incluídas na quantia exequenda dividas que se venceram mais de cinco anos antes (cfr. art. 323º, nº 2, do CC), aquela distinção carecia de ser concretizada. Porém, pelas razões que se explicam de seguida, isso não se mostra necessário para decidir a excepção.

Vejamos porquê.

Sob a epígrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, o art. 311º do CC, que sucede aos preceitos que fixam os prazos de prescrição ordinária (309.º) e de cinco anos (310.º), estatui o seguinte no seu nº 1:“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.

Resulta deste preceito que se após a constituição da dívida (e, julgamos dever acrescentar, dentro do prazo de prescrição de cinco anos já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário o efeito da prescrição permanece intocado) esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição (…)”.

E, em conformidade, concluiu-se no referido aresto de 04-02-2016 que: “Em regra, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, mas isso não será assim quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício. Se após a constituição da dívida sujeita a prazo de prescrição de cinco anos, esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.”

De igual modo, no Acórdão do TRP de 17-06-2021 (Pº 627/14.3TBVNG-B.P1, rel. JUDITE PIRES) concluiu-se que: “É de vinte anos o prazo prescricional quanto ao direito de crédito [fundado numa acta de assembleia de condóminos] que esteja a ser exercido por via de acção executiva”.

Revertendo estas considerações para o caso, verifica-se que o direito de crédito está a ser exercido por via de acção executiva, o que sucede em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro: “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo”.

Ora, considerando a sua natureza de prestações periodicamente renováveis, pode concluir-se que a obrigação do condómino de pagar as despesas normais atinentes à manutenção e conservação do imóvel, despesas essas necessárias para a conservação e fruição das partes comuns do condomínio, reconduzíveis a quotizações ordinárias (aqui se incluindo as atinentes a contribuições para o Fundo Comum de Reserva), resultantes da aprovação do orçamento anual de receitas/despesas do condomínio, repartidas pelos condóminos, porque se renovam anualmente enquanto durar o condomínio, prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. g) do art. 310º do CC.

Sob a epígrafe “direitos reconhecidos em sentença ou título executivo”, o art. 311º do CC, que sucede aos preceitos que fixam os prazos de prescrição ordinária (309.º) e de cinco anos (310.º), estatui o seguinte no seu nº 1:“O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.

Resulta deste preceito que se após a constituição da dívida (e, julgamos dever acrescentar, dentro do prazo de prescrição de cinco anos já que se a prescrição se completar antes de o crédito passar a estar sujeito ao prazo ordinário o efeito da prescrição permanece intocado) esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição (…).

Em regra, as prestações do condómino para pagamento das despesas comuns do condomínio serão prestações periodicamente renováveis, sujeitas ao prazo de prescrição de cinco anos, mas isso não será assim quando se tratar de uma despesa singular gerada por um acto isolado, designadamente uma obra extraordinária de conservação ou reparação do edifício. Se após a constituição da dívida sujeita a prazo de prescrição de cinco anos, esta for reconhecida por sentença transitada em julgado ou estiver titulada em documento com valor de título executivo, o direito de crédito passa a estar sujeito ao prazo ordinário de prescrição.

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