Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/28/2021

Capoto vs Inovações


A alteração de uma fachada para capoto constitui uma inovação? Ou estas obras realizadas no edifício constituem apenas benfeitorias de cariz estético?

Das inovações

No conceito de inovação a que se refere o art. 1425º do CC cabem tanto as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como também as modificações na afectação ou destino da coisa comum, sendo que para efeitos dessa disposição, obras inovadoras são apenas aquelas que trazem algo de novo, de criativo, em benefício das coisas comuns do prédio já existentes, ou que criam outras benéficas coisas comuns; ou pelo contrário, obras que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes, com ou sem prejuízo para os condóminos. 

Estabelece o artigo 1425º do CC:

"1- As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.

2- Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns.

Importa, desde logo, dizer que as obras aqui previstas e que integram a qualificação de “inovações”, são aquelas que dizem respeito às partes comuns (cfr. o seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos), maioria que não faria sentido se as obras fossem concretizadas no interior de cada habitação pelo próprio proprietário e em prol deste, e sem qualquer interferência nos direitos dos restantes condóminos.

Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o art. 1422º, nº 2, al. a) do CC. Nesta circunstância o legislador impõe, como é natural, apenas que se respeite a segurança e a linha arquitectónica do edifício, de modo a preservar as relações de boa vizinhança e o justo equilíbrio de vivência social entre diversas pessoas, e não prejudicar estas. Para além de se pretender preservar a segurança do imóvel e de quem lá habita e a parte estética do edifício.

Relativamente às partes comuns, o nº 2 do art. 1425º do CC prevê que não serão permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como comuns.

Das benfeitorias

No que diz respeito às benfeitorias, preceitua o art. 216º do CC:

 “1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.
2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.
3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante”.

Se as obras na fachada do edifício decorreram em virtude de infiltrações de água no interior das habitações do referido edifício, e estando já em causa questões de habitabilidade, as mesmas são consideradas benfeitorias necessárias, já que, visam evitar a deterioração da coisa/edifício. Nessa sequência, a alteração da fachada para capoto não pode assim ser considerada inovação, mas obra de impermeabilização necessária, por estar em causa a habitabilidade dos condóminos do prédio.

Entende-se, assim, que as deliberações em causa são tomadas por maioria dos votos representativos do capital investido (cfr. art. 1432º do CC), como é este o caso.

Acresce que o acabamento em capoto da fachada do edifício promove a eficiência energética e conclui que a eliminação de pedra (granito) e a substituição por capoto, desde que confira acabamento exterior idêntico não constitui uma alteração de fachada, nomeadamente para efeitos de pedido de licenciamento ou autorização administrativa. 

Das paredes

O termo paredes abrange as paredes das fachadas, das empenas, de separação entre habitações, de caixas de escada e interiores ou divisórias. As paredes mestras são assim designadas por, nos edifícios, suportarem as cargas permanentes e acidentais.
 
É de entender que as paredes exteriores, que delimitam o perímetro da construção,“embora não sendo mestras ou resistentes no verdadeiro sentido do termo, ao serem construídas tendo em vista não só as exigências de segurança, como também as de salubridade, especialmente no que respeita à protecção contra a humidade, as variações de temperatura e a propagação de ruídos e vibrações, podem ser consideradas como elementos estruturais das edificações e, portanto, paredes mestras“ (cfr. Aragão Seia , Propriedade Horizontal, 2.ª ed, pág. 72).

Também Sandra Passinhas (A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, pág. 31) sustenta que “as paredes perimetrais ( paredes exteriores que delimitam o edifício), mesmo quando não tenham a função de paredes mestras, delimitam a superfície coberta, determinando a consistência volumétrica do edifício e delineando o perfil arquitectónico, pelo que são de considerar comuns a todos os condóminos e destinadas ao serviço exclusivo do próprio edifício“.

As inovações em partes comuns dirigem-se ao melhoramento ou ao uso mais cómodo ou ao melhor rendimento da coisa comum, isto é, essas alterações não se destinam a privilegiar o proprietário da fracção, mas sim a coisa comum (cfr. Ac. STJ de 4/10/95, Bol. 450-492).

Que conclusão?

Destarte, a questão que importa responder é a seguinte: 

Afinal o que são obras inovadoras?

Em que consistem tais obras?

Dúvidas não existem de que inovações se distinguem da simples reparação ou reconstituição das coisas. Etimologicamente “inovar” é nada mais, nada menos, do que “criar”, “fazer algo de novo”, “trazer algo de novo” àquilo que está. Obras inovadoras serão, portanto, aquelas que trazem algo de novo ao que já existe, algo de “criativo”, introduzindo uma “novidade”, ou seja, algo diferente daquilo que está. São aquelas que alteram a edificação no seu estado original (No mesmo sentido cfr. Ac. TRP de 11/5/2015 e João Alves, in “Propriedade Horizontal”, Coimbra Editora, pág. 116.).

Inovadoras serão também aquelas obras que levam ao desaparecimento de coisas comuns existentes com prejuízo para os condóminos ou introduzam modificações na sua afectação ou destino, alterando o seu estado primitivo, alterações que tanto podem ser de substância, como de forma (especialmente o nº 1 do citado art. 1425º do CC), como modificações relativas ao seu destino ou afectação da fracção do imóvel (especialmente o nº 2 da mesma disposição).

No conceito de inovação, que corresponde ao pensamento do art. 1425º do CC tanto cabem as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações estabelecidas na sua afectação ou destino ( cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2.º ed, pág. 434 e Aragão Seia, obra citada, pág. 139).

Resulta claramente do regime legal citado que o legislador optou por não definir o que são obras inovadoras nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação, deixando, portanto, esse papel para a jurisprudência que deverá, caso a caso, enquadrar no referido conceito as obras que os condóminos realizarem e que, em face do caso concreto e das circunstâncias fácticas apuradas, possam ser consideradas como tal.

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