Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/05/2021

Fixação de penas pecuniárias - I

O Ac. do TRL de 30-04-2019 decidiu que : "I. A assembleia de condóminos pode fixar penas pecuniárias para a inobservância das suas deliberações, nomeadamente, penas pecuniárias a aplicar ao condómino em mora no pagamento das quotas de condomínio. II. A acta da reunião da assembleia de condóminos que deliberou a aplicação e o montante dessas penas constitui título executivo contra o proprietário em mora."

Logo, o administrador exequente pode intentar uma execução com vista à cobrança coerciva de dívidas, correspondentes, para além do mais, a quotas de condomínio vencidas e não pagas, com base em actas de condomínio, englobando naquela quantia valores a título de “cláusula penal”.

Nos termos do disposto no art. 10°, nº5, do CPC, “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”, e nos termos conjugados dos arts. 703°, nº1, al. d), do CPC, e 6° do DL 268/94, de 25 de Outubro:  “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título estabelecido na sua quota-parte”. 

No entanto, João Vasconcelos Raposo, in "Manual da Assembleia de Condóminos", Quid Iuris, 2011, p.89, observa que: "Título executivo é apenas referente a despesas necessárias a conservação e fruição e pagamento de serviços de interesse comum. Isto é, a acta não constitui título executivo se documentar quaisquer outras despesas que não estas. Deve interpretar-se esta referência como restrita a despesas e serviços prestados no próprio condomínio ou directamente conexionados com estes." 

Considerando esta opinião, cumpre, também, saber se uma penalidade quando peticionada se integra ou não no título executivo previsto no supra citado art. 6º, nº1, tendo em atenção o princípio da tipicidade que subjaz a esta matéria.

Ora Sandra Passinhas defende que “deve ser amplo o campo de aplicação da expressão "contribuições devidas ao condomínio", incluindo as despesas necessárias à conservação e à fruição das partes comuns do edifício, as despesas com as inovações, as contribuições para o fundo comum de reserva, o pagamento do prémio do seguro contra o risco de incêndio, as despesas com a reconstrução do edifício e as penas pecuniárias fixadas nos termos do art. 1434º” – in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, pág. 310. 

O que claramente parece resultar do citado art. 6º, conjugado com o referido art. 703º, nº 1, al. d), do CPC, é que apenas constitui título executivo a acta que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, não estando aqui referidas quaisquer penalidades.

Efectivamente, se bem se atentar ao preceito em referência reporta-se aos encargos de conservação e fruição previstos no art. 1424º do CC, aos encargos com inovações e com as reparações indispensáveis e urgentes a que aludem os art. 1426º e 1427º do CC e, no caso especial previsto no art. 1429º, nº 2, mesmo o encargo com o seguro obrigatório, sendo estes são os encargos e despesas legalmente estabelecidos a cargo dos condóminos e cujo pagamento pelos mesmos é uma obrigação decorrente da opção pela aquisição duma fracção em PH, não lhe sendo lícito desonerar-se das despesas necessárias à sua conservação e fruição (art. 1420º, nº 2, do CC). Trata-se dos encargos e despesas resultantes da compropriedade relativa às partes comuns do edifício.

Questão diferente são as penas ou sanções pecuniárias estabelecidas pela inobservância das disposições que regem esta forma de propriedade, as quais estão na livre disponibilidade dos condóminos que as podem ou não fixar, conforme da expressão pode vertida no nº 1 do art. 1434º do CC resulta. Portanto, tratando-se de uma possibilidade da AG, cumpre aferir se no espírito do legislador tenha estado a sua equiparação àquelas que são as obrigações legais dos condóminos, estabelecidas para salvaguardar o facto de na propriedade horizontal o condómino ter o direito de propriedade sobre a sua fracção, mas ser apenas comproprietário das partes comuns.

Como tal, tendo o legislador declarado que a acta da assembleia de condóminos constitui título executivo quanto aos encargos previstos no art. 6º, nº 1, do DL 268/94, em cuja letra não estão previstas as penas pecuniárias, não pode quanto a estas haver execução sem título e, como tal, não pode a acta da assembleia de condóminos em que as mesmas foram fixadas, servir de base à execução do montante relativo às penalidades?

Com efeito, os títulos executivos são os indicados na lei como tal – art. 703º CPC –, estando a sua enumeração legal submetida a uma regra de tipicidade sem possibilidade de quaisquer excepções criadas, estando, assim, vedado às partes não só a atribuição de força executiva a um documento a que a lei não reconheça eficácia de título executivo, como ainda a recusa de um título legalmente qualificado como executivo – neste sentido, Ac. TRC, de 21.03.2013, relatado por José Avelino Gonçalves, in www.dsgi.pt.

Nesta conformidade, não existe fundamento para aplicação analógica da referida regra (art. 10º, nº 2, do CC), pela simples mas evidente razão de que a lei não prevê que seja título executivo quanto a estas, e não procederem no caso omisso, atenta a natureza facultativa das penalidades, as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei: a constituição de título executivo especial para as despesas e encargos obrigatórios para o condómino.

Efectivamente, a especial força atribuída por lei às actas das assembleias de condóminos quanto à possibilidade de servirem de base à execução, restringe-se àquelas despesas que se encontram taxativamente previstas no referido normativo, o qual apenas se reporta às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns que não devam ser suportadas pelo condomínio.

Portanto, parece que só quanto a estas pode constituir título executivo, e não quanto a quaisquer outros montantes objecto de deliberação facultativa dos condóminos, mas não previstos legalmente. Assim sendo, conclui-se que a acta da assembleia de condomínio não constitui título executivo quanto ao montante relativo à penalidade deliberada e contida no regulamento do condomínio contra o devedor que não cumpriu pontualmente o pagamento das quotizações de condomínio em dívida – ver, no mesmo sentido, Ac. RC, de 21.03.2013, relatado por Albertina Pedroso; e mais recentemente, o Ac. RL, de 02.06.2016, relatado por Octávia Viegas, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.

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