Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/04/2021

Privação do uso da habitação

Se uma fracção autónoma sofrer infiltrações originadas numa pare comum, e o condomínio não providenciar pela realização em prazo razoável das obras da sua responsabilidade, e de cuja necessidade tenha conhecimento através do respectivo administrador, seja este último, ao não diligenciar, pelo menos, pela marcação de uma Assembleia Geral Extraordinária onde essa reclamação fosse discutida e votada – o que sempre seria indispensável para a sua aprovação e posterior realização -, ambos dão causa aos prejuízos sofridos pelo condómino por via da ausência de tais obras e, em particular, os que se referem à inviabilidade do uso e fruição da fracção em causa ou ao seu consequente arrendamento pelo respectivo proprietário, pelo que, sobre os mesmos impende uma obrigação de indemnização.

Aqui chegados, importará definir o montante indemnizatório a que terá o condómino direito, neste contexto de responsabilidade do condomínio e do seu administrador, seja a título (i) da privação do uso da fracção ou (ii) do aproveitamento inerente às vantagens que a disposição da fracção autónoma lhe proporcionava - como por exemplo, um arrendamento.

Nesta matéria, e no primeiro caso, pode o condómino reclamar o valor correspondente à totalidade das despesas que teve de suportar por se ter privado do uso da sua fracção, nomeadamente, com a necessária hospedagem em hotel, refeições e eventualmente transporte, para si e o seu agregado familiar; No segundo caso, pode o condómino reclamar o valor das rendas que poderia ter auferido (pelo seu valor mensal que seria pago pelos arrendatários da fracção) se o contrato de arrendamento que incidisse sobre a dita fracção se iniciasse ou prolongasse até ao termo da realização das obras.

Destarte, em situações como a que resulta da factualidade provada em que o titular do direito de propriedade sobre a coisa (imóvel), se pretende aproveitar das vantagens que o seu uso normal lhe proporcionava – seja o de habitação ou através do seu arrendamento e obtenção da respectiva renda – pode existir no primeiro caso e existe no segundo, em termos manifestos, um prejuízo ou dano decorrente dessa privação do uso.

Na verdade, como se refere no Ac. do STJ de 14/07/2016, é de considerar como «suficientemente demonstrada a realidade do dano, traduzido na privação do uso de um bem, quando o lesado concretizou e fundamentou, em termos factuais, qual a concreta utilidade que pretendia extrair do bem, especificando o concreto dano sofrido com a impossibilidade de locação do imóvel, por via dos defeitos que o afectavam, imputáveis a comportamentos da R - traduzindo-se tal utilidade específica, em consonância com o destino que lhe vinha sendo dado há vários anos, na colocação no mercado de arrendamento para fins comerciais, alegando-se qual o lucro cessante que em concreto se verificava: o montante das rendas de que o locador ficou privado em consequência do estado de conservação do locado.»

Embora esta decisão se contenha no arrendamento da fracção, igual princípio é válido para a privação do uso, com a diferença que o condómino não será indemnizado pelas rendas perdidas, mas pelas despesas sofridas.

Quanto à determinação do valor da indemnização a que o condómino tenha direito, a mesma será necessariamente apurada casuisticamente, porquanto existem outros elementos que, para efeitos de fixação equitativa da indemnização devida, não podem deixar de ser também ponderado:

- Se o bem se encontra para arrendar e é destinado a tal mercado do arrendamento e, portanto, a sua utilidade concreta é a obtenção do valor da renda mensal, colhe sentido utilizar como critério orientador, em termos de equidade, na fixação da indemnização devida o valor que presumivelmente o condómino poderia obter com o arrendamento da fracção em causa;

- Para efeito de prazos, ter-se-à que considerar a data da formal comunicação do condómino ao administrador da necessidade da feitura das obras, à qual, se seguiria a convocação da Assembleia de Condóminos, obtenção de orçamentos (para as partes comuns e para a fracção autónoma), adjudicação da obra (cujos trabalhos não se iniciariam certamente no imediato) e  duração das mesmas;

- Mais acresce que, após a realização dessas obras e voltando, pois, a fracção em causa a reunir condições para ser dada, de novo, em arrendamento pelo próprio condómino, é suposto, ainda, que o mesma viesse a conseguir obter novos interessados no arrendamento da fracção em causa, o que numa perspectiva tida por razoável e prudente, é de crer que, mesmo possuindo a fracção, após as obras, plenas condições para ser dada de arrendamento, não se lograria de imediato celebrar um novo arrendamento sobre a mesma, antes sendo expectável, segundo um critério de normalidade, que apenas o viesse a conseguir decorridos alguns meses após o termo das obras e consequente colocação no mercado de arrendamento;

- Por outro lado, ainda, quanto ao montante da renda, é de ponderar que sempre haveria que descontar a este valor bruto da renda provavelmente auferida o valor dos encargos tributários que, em termos de imposto sobre rendimentos prediais, necessariamente lhe correspondem e têm imperativamente de ser saldados pelo condómino-senhorio.

Por último, ainda, importa valorar que, no caso da privação do uso, para efeitos da determinação de uma eventual indemnização importa considerar se o condómino esteve de facto privado totalmente do gozo e fruição do imóvel, como sucede nos casos mais frequentes de total desapossamento do prédio. Se tal gozo e fruição foram apenas parcialmente restringidos, o valor a ser fixado será proporcional à privação do exercício do uso e fruição.

Neste circunstancialismo, esta situação não será plenamente equiparada aos casos em que o condómino tenha estado totalmente desapossado do bem e absolutamente privado do exercício de qualquer poder sobre ele, pelo que o mesmo apenas será ressarcido pelas despesas consideradas razoáveis e proporcionais, valorando em termos de equidade a realidade do dano sofrido com o nível de privação.

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