Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/07/2021

Limitar numero procurações

A procuração é um instituto reconhecido no nosso ordenamento jurídico (cfr. os art. 262º e segs. do CC) que tem também aplicação no âmbito da propriedade horizontal (cfr. art. 1431º nº 3 do CC).

Quanto à qualidade do procurador:

O art. 1431º, nº 3 apenas refere que "Os condóminos podem fazer-se representar por procurador", sem concretizar se este procurador tem de ser outro condómino ou se pode ser um terceiro. Neste concreto, a possibilidade de representação por outro associado está prevista no art. 176º, nº 1: "O associado não pode votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes."

Deste preceito infere-se que o legislador ao referir «representante de outrem», refere-se a outro associado porquanto a assembleia não é pública, é associativa e nela apenas participam os respectivos associados. No entanto não se vê razão para impedir a representação por um terceiro. No entanto, ressalva-se a hipótese de, no âmbito da liberdade de auto-regulação e auto-gestão, os estatutos determinarem de outra forma e, designadamente, de fixarem o princípio de que somente associados podem estar presentes na assembleia geral.

Ora," segundo o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição, no caso de normas polissémicas ou plurissignificativas, deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a Constituição" (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª ed., Almedina, pp. 1226 e 1227).

Ou seja, o elemento sistemático da interpretação que atende à unidade do sistema jurídico - que tem, por natureza, no topo a própria Constituição - é decisivo a favor da interpretação que se propugna, fluindo de todo o exposto que deverá fazer-se uma interpretação extensiva do art. 175º do CC de molde a concluir que a alusão a associados presentes abarca a presença jurídica através do instituto da representação. Interpretação contrária colide com a liberdade de associação consagrada na Constituição.

No regime da propriedade horizontal, face a igual princípio, o procurador poderá ser qualquer pessoa, condómino ou não, sendo que continuam a valer as limitações à utilização da procuração que decorrem do art. 176º, nº 1, nos termos do qual, e com a devida analogia, o condómino não pode votar, por si ou como representante de outro, nas matérias em que haja conflito de interesses entre o condomínio e ele, seu cônjuge, ascendentes ou descendentes.

O elemento sistemático da interpretação é claramente abonatório da interpretação aqui havida defendida.

Quanto ao número de procurações:

Face à omissão da lei pode ocorrer o risco de - no limite - a assembleia geral poder decorrer só com um condómino ou com um número de condóminos muito limitado ou até de as procurações ficarem na posse do administrador que, por força daquelas, se apossariam do querer colectivo, perigando a genuína democraticidade das decisões que se pretendem colegiais.

Assim, na aplicação do direito, importa procurar soluções razoáveis que se sobrelevem na procura de uma verdade apodíctica, onde a noção do razoável tenha sobretudo que ver com critérios sociológicos. Assim é razoável perguntar: deve o Regulamento impor um limite ao número de procurações?

A resposta só pode ser afirmativa, porque na verdade, não poderá deixar de se reconhecer a possibilidade de optar por uma solução organizativa e procedimental que assegure a democraticidade do debate por via de uma regra normativa que imponha tais limitações sem contudo restringir a salvaguarda do direito de representação.

Pelo exposto, podem os condóminos em sede de regulamento disciplinar que um condómino ou terceiro só pode ser portador de um determinado número de procurações e/ou que o administrador não é elegível como representante.

Quanto à forma:

Pese embora haja muita gente com opinião publicada, onde defendem que as procurações devem ser reduzidas a escrito, sob pena de se considerarem inexistentes, o que, em bom rigor, não corresponde à verdade dos factos, como resulta da decisão do Ac. TC nº 18/2006: "A representação é uma possibilidade geral de qualquer ordem jurídica moderna: só deve ser afastada perante normas expressas que o determinem. Segundo o artigo 262º, nº 2, a procuração nem teria de assumir qualquer forma solene."

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