Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/13/2022

Danos provocados no elevador

Caso concreto:

Um condómino contrata uma empresa para a realização de obras no interior da sua fracção autónoma, porém, aquando da realização das mesmas, os funcionários da empresa utilizam o elevador para transportar material, são provocados danos nas portas e cabine do elevador, pelo que, realizadas as necessárias reparações, a administração imputa as responsabilidades ao condómino que contratou a empresa que provocou os danos, com fundamento na norma do Regulamento: “as reparações em partes comuns do edifício que tenham de realizar-se por motivo a que tenha dado causa algum condómino, seu familiar, empregado, ou pessoa a quem ele tenha facultado o uso da sua fracção são da responsabilidade exclusiva desse condómino”.

De quem é de facto a responsabilidade?

Ora, compulsando as circunstâncias, verifica-se que a grande questão que importa aqui apreciar e decidir traduz-se em saber se estão ou não preenchidos os respectivos pressupostos legais para que se possa responsabilizar, in casu, o condómino que contratou a empresa pelo pagamento da importância referente à reparação dos danos ou estragos que foram causados no elevador do prédio e na sequência das obras que então levaram a efeito na sua fracção, por intermédio empresa que contratou para o efeito, ou seja, para executar tais obras, danos ou estragos esses que foram directamente causados pelo pessoal da referida empresa.

Grosso modo, podemos dizer que no nosso ordenamento jurídico-civil a obrigação de indemnizar pode resultar da responsabilidade contratual e da responsabilidade extracontratual (abrangendo esta, como é sabido, três formas: a responsabilidade por factos ilícitos – art. 483º e ss do CC -, a responsabilidade pelo risco – art. 499º e ss do CC - e a responsabilidade pelos factos lícitos – a qual muito embora não se encontra expressamente consagrada no nosso CC, ela resulta claramente do estatuído em muitos dos seus normativos legais, vg., por ex., art. 339º, nº 2, 1322º, nº 1, 1347º, nº 2 e 3, 1348º, nº 2, 1349º, nº 3, e 1367º), formas essas que, como é sabido, entroncam no mesmo instituto: a responsabilidade civil.

Atento os factos apurados e acima descritos, avançamos desde já que é manifesto que a obrigação de indemnizar que nesta acção se pretende obter do condómino está, desde logo, votada ao fracasso ao nível da responsabilidade extracontratual, e à luz de qualquer uma das suas três formas ou modalidades supra referidas.

Tendo os danos aqui em causa sido provocados pelo pessoal (vulgo empregados) da empresa que contrataram para a execução das obras que decidiram levar a efeito na sua fracção, parece evidente que o condómino não pode ser responsabilizados a título da responsabilidade civil por factos ilícitos, por falta de alguns dos seus pressupostos. Desde logo porque os danos não resultaram de um facto voluntário por ele praticado, depois porque não se vislumbra qualquer ilicitude na sua conduta, depois ainda porque inexiste qualquer nexo de imputação culposa do facto danoso ao mesmo (sendo certo ainda que, a existir tal responsabilidade, era sempre sobre a administração. que, nos termos do disposto, nas disposições conjugadas dos art. 487º, nº 1, e 342º, nº 1, do CC, impende o ónus de provar a culpa do condómino na produção dos aludidos estragos causados no elevador, e, por fim ainda, porque nem sequer se poderá falar da existência de um nexo de causalidade adequada entre a conduta do condómino e o dano que veio a ocorrer no elevador (o facto de aquele ter autorizado a empresa a utilizar o elevador, tal não permite, sem mais, concluir pela existência do referido nexo).

Isto porque é sabido que no nosso ordenamento jurídico se encontra proclamado, como regime geral, o princípio da responsabilidade baseada na culpa., daí que mesmo ao nível da responsabilidade civil a obrigação de indemnizar independentemente de culpa só existe nos casos expressamente previstos na lei (cfr. art. 483º, nº 2, do CC).

Ora, como é sabido, a responsabilidade (extracontratual) assente no risco ou na prática de factos lícitos constitui, todavia, uma excepção àquele princípio, já que permite imputar a obrigação de indemnizar independentemente de culpa, vigorando aí a chamada responsabilidade objectiva.

Porém, é também manifesto que o caso presente não se enquadra em nenhuma das situações de responsabilidade pelo risco previstas no art. 500º e ss do CC. A esse propósito dir-se-á tão somente que a única situação que poderia ter algo a ver com o caso seria a que diz respeito à responsabilidade do comitente prevista no art. 500º.

Todavia, constitui hoje entendimento claramente dominante (quer na nossa doutrina, quer na nossa jurisprudência) de que entre o empreiteiro (qualidade daquele que aparentemente teria a sobredita empresa que efectuou as obras na fracção e cujo pessoal, no decurso das mesmas, causou estragos no elevador do prédio do condomínio) e o dono da obra não existe qualquer relação de comissão, ou seja, do tipo comitente/comissário, dado a inexistência de um vínculo de subordinação jurídica do do empreiteiro ao dono da obra.

É também evidente que não estamos perante numa situação (legalmente prevista) de responsabilidade por factos lícitos, pelo que afastada fica a obrigação do condómino de indemnizar com base na responsabilidade extracontratual (e nomeadamente com base na responsabilidade por factos ilícitos. Aqui chegados resta indagar se no caso em apreço será possível impor ao condómino a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade contratual?

Embora não se saiba em concreto os termos e os moldes do contrato, é possível, todavia, claramente inferir-se que o acesso que o pessoal (vg. os empregados) da referida empresa tinha à fracção era feito tão somente baseado na aludida relação contratual e exclusivamente para aqueles fins específicos, isto é, visando tão somente a realização nele das referidas obras.

E sendo assim, conclui-se que falta um dos pressupostos estabelecidos na referida regra ou “norma” do Regulamento do Condomínio para que o condómino possa ser responsabilizado pelo pagamento da reparação do dito elevador, responsabilidade essa (e respectiva obrigação de indemnizar) que terá, assim, de ser procurada e obtida junto da empresa, cujo pessoal provocou a danificação do bem em causa (e que levou à necessidade da sua reparação).

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