Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/01/2021

Título Constitutivo diferente Projecto CM




Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 072164
Data: 10-05-1989
Decisão: Uniformização de jurisprudência
Área temática: Direito Civil - Teoria geral / Direitos reais
Legislação:
CCIV66 art. 292º, 294º, 1415º, 1416º nº1 e 2, 1417º, 1419º, 1422º.
CPC67 art. 763º e 766º nº 3.
RGEU51 art. 1º, 2º, 3º, 6º, 7º, 8º e 165º.
DL 148/81 de 1981/06/04 art. 13º.
DL 13/86 de 1986/01/23 art. 44º e 51º nº1.
DL 329/81 de 1981/12/04 art. 1º.
CONST82 art. 266º nº 1.
DL 44258 DE 1962/03/31.
CNOT67 art. 74º B C.
Jurisprudência: Sim
AC. STJ DE 1984/01/26 IN BMJ N333 PAG457.
AC. STJ DE 1982/12/21 IN BMJ N322 PAG333.

Sumário:

Nos termos do artigo 294 do Código Civil, o titulo constitutivo ou modificativo da propriedade horizontal e parcialmente nulo ao atribuir a parte comum ou a fracção autonoma do edifício, destino ou utilização diferentes dos constantes do respectivo projecto aprovado pela câmara municipal.

Fundamentação:

No caso vertente, o projecto camarário destinou a cave do imóvel a estacionamento privativo dos inquilinos e o titulo afectou-a a armazém; no acórdão recorrido, a decisão da câmara destinou todo o prédio a habitação e o titulo conferiu a uma das fracções (o rés-do-chão) a utilização como atelier.

Esta em causa saber qual a interpretação a dar ao art. 1416º, nº 1, do CC, isto e, a expressão "falta de requisitos legalmente exigidos" abrange tão-só os enunciados no ar. 1415º do mesmo Código (constituírem as fracções autónomas unidades independentes, distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum ou para a via publica) ou também "os concretizados pelas competentes autoridades camarárias, de acordo com as normas que regem as construções urbanas". Como decorreria desta questão, importa saber qual a consequência da nulidade, no caso, como e evidente, de esta existir.

A solução contraria a do acórdão recorrido (não atribuir, no plano da invalidade, qualquer consequência a desconformidade entre o destino conferido a fracção autonoma pelo projecto aprovado pela câmara municipal e o negocio jurídico constitutivo da propriedade horizontal) tem de aceitar, pelo menos, a possibilidade de as autarquias locais ordenarem a demolição ou o embargo administrativo das obras executadas em desconformidade com o disposto nos art. 1º a 7º do RGEU, aprovado pelo DL 38382, de 7 de Agosto de 1951, bem como o despejo sumario dos inquilinos e demais ocupantes das edificações ou parte das edificações utilizadas sem as respectivas licenças ou em contradição com elas, pois isto resulta do art. 165º do citado RGEU (redacção do DL 44258, de 31 de Março de 1962).

Esta chocante consequência constitui o primeiro sinal de alarme para se tentar harmonizar o nosso sistema jurídico, tanto mais que tal harmonia existe, quer com base no Código Civil, quer com fundamento noutras disposições legais. Com efeito, o art. 13º do DL 148/81, de 4 de Junho (em vigor entre as datas dos dois acórdãos e hoje revogado pelo art. 51º, nº 1, do DL 13/86, de 23 de Janeiro, mas com a sua doutrina mantida no art. 44º deste diploma), dispõe "não poderem ser celebrados contratos que envolvam a transmissão de propriedade de prédios urbanos destinados a habitação sem que se faça perante o notário prova suficiente da existência da correspondente licença de construção , ou de habitação, quando exigível, da qual se fará sempre menção na escritura". A seguir-se a doutrina contraria a do acórdão em recurso, o negocio jurídico modificativo da utilização de certa fracção autónoma e em desconformidade com o projecto aprovado, apesar de valido, impediria, por exemplo, a compra e venda daquele andar ou fracção.

Por tudo isto e que o art. 294º do CC considera como nulos os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo, aqui equiparada a norma de interesse e ordem publica, tal como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela (Anotado, volume I, 4 edição, paginas 269). Por tudo isto e que o desrespeito pelas licenças emitidas em conformidade com as normas imperativas do RGEU envolve ilegalidade do titulo constitutivo.

Por tudo isto e que, coerentemente, se tem de incluir entre os "requisitos legalmente exigidos" referidos no art. 1416º, nº 1, do CC "os concretizados pelas competentes autoridades camarárias, de acordo com as normas que regem as construções urbanas" (cfr. Pessoa Jorge, parecer a folhas 55 e seguintes deste processo).

Por tudo isto e que o art. 1416º, nº 2, do CC "estende ao Ministério Publico a legitimidade para arguir a nulidade sobre participação da entidade publica a quem caiba a aprovação ou fiscalização das construções". Por Tudo isto e que a falta dos requisitos do art. 1415º não esgota as causas de nulidade do titulo e dai a latitude da expressão "requisitos legalmente exigidos" contida no art. 1416º.

A consequência da nulidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal e, em principio, a sujeição ao regime da compropriedade (art. 1416º do CC), mas esta conclusão e apenas parcialmente verdadeira, pois, como se diz no referido parecer de Pessoa Jorge, e suficiente pensar na hipótese de a constituição daquela propriedade horizontal resultar de acto unilateral do proprietário, "caso em que a nulidade do titulo implica a subsistência do regime de propriedade singular". Assim, o art. 1416º visa o caso de ser constituído "o regime de propriedade horizontal de um prédio, com a aquisição de fracções por varias pessoas, e verificar-se depois a nulidade do titulo". Esta solução (aproveitamento do negocio jurídico) esta, alias, de harmonia ou tem similitude com casos, como o presente, de nulidade parcial, expressamente decidida pelo acórdão recorrido.

A tese de que o art. 1419º do CC, ao permitir a modificação por unanimidade do titulo constitutivo da propriedade horizontal, esta a pressupor a legalidade da desconformidade entre o projecto aprovado e o novo destino das respectivas fracções e, salvo o merecido respeito, claramente errada. A declaração unilateral do proprietário do edifício, ao constituir aquela propriedade por fracções autónomas, esta condicionada, como já se referiu, pelas decisões da entidade publica (actos administrativos definitivos e executórios e, como assim, tomados na prossecução do interesse publico). Por consequência, qualquer alteração a essa constituição inicial esta naturalmente sujeita ao mesmo condicionalismo, pelo que a referida tese incorre em autentica petição de principio. 

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