Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

7/20/2021

Obras nos terraços

Acórdão: TRP
Data: 11-10-2018

Sumário

I- Os terraços de cobertura constituem parte comum do prédio de que fazem parte mesmo quando afcetos ao uso exclusivo de uma fracção.
II - em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, que é desempenhada pelo mesmo, impõe-se distinguir entre.
- obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, que serão da responsabilidade do proprietário da fracção autónoma que tem o uso exclusivo do referido terraço - no º 3 do artº 1424º do C.Civil.
- as obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a função dos terraços enquanto cobertura as quais serão da responsabilidade do condomínio.
III – Só não será assim quando neste último caso esteja comprovado que se devem a uso anormal por parte do proprietário da fracção autónoma.

Fundamentação:

O art. 1424º do CC é claro ao dispor, como regra suplectiva, que, salvo disposição em contrário, as despesas coma conservação e fruição das partes comuns do edifício são da responsabilidade dos condóminos na proporção do valor das suas fracções. Trata-se da de uma típica obrigação propter rem, decorrente da titularidade de um direito sobre a coisa. Como salientam P. de Lima e A. Varela [1] nesta parte o Código não seguiu a opção do critério da utilidade seguido no regime do C Civil italiano, por nem sempre ser fácil destrinçar a quem aproveita a utilidade relativa da coisa.
 
Já os nºs 3 e 4 do mesmo art. 1424º do CC consagram um critério suplectivo diferente relativamente às despesas com os diversos lanços de escadas ou às partes comuns que sirvam exclusivamente algum dos condóminos – nº 3 – ou às despesas com os ascensores – nº 4, assente no critério da utilidade que essas partes comuns representam para os condóminos a quem tais partes comuns aproveitam. Nestes casos as despesas ficam a cargo dos condóminos que são servidos por aquelas partes comuns, ou que por elas possam ser servidas (no caso dos ascensores), relevando assim a utilidade que determinados condóminos podem objectivamente extrair daquelas partes comuns, e não o uso que efectivamente façam delas, subsistindo a responsabilidades pelas despesas em relação a essas partes comuns mesmo em relação aqueles condóminos que , podendo fazê-lo, as não usam.
 
O actual nº 3 do art. 1424º do C Civil, correspondente ao nº 2 do mesmo preceito na redacção original do Código, refere-se, além dos lanços de escadas, às despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos, dispõe que ficam a cargo dos que delas se servem.
 
Ora é hoje incontroverso, face ao disposto na alínea b) do nº 1 do art. 1421º do CC, na redacção introduzida pelo DL 267/94, De 25-10, que s terraços de cobertura, mesmo quando de uso exclusivo de um dos condóminos, são partes imperativamente comuns do prédio, atenta a função capital de cobertura ou protecção do imóvel que desempenham no interesse de todos os condóminos. De resto já assim era entendido à luz da mesma norma na redacção anterior aquela alteração legislativa (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, 2ªedição, págs. 422).
 
No entanto em virtude daquela dúplice função, de terraço e de cobertura, a situação dos terraços de cobertura é algo diversa das situações previstas no nº 3 do artº 1424º do CC. É que, se enquanto terraço, são efectivamente de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura servem de forma capital a totalidade dos condóminos.
 
Assim que não pode, de forma simplista, ter como aplicável aos terraços de cobertura o disposto no nº 3 do art. 1424º do CC para fazer recair sobre o condómino que deles tem o direito de uso exclusivo, toda a responsabilidade pela conservação e reparação dos mesmos.
Haverá sim de fazer-se uma interpretação que, atendendo à referida especificidade, conjugue o disposto no nº 1 do art. 1424º com o disposto no nº 3 do mesmo preceito.
 
E essa interpretação não pode ser outra que não aquela que tem vindo a ser adoptada maioritária, senão mesmo uniformemente, pelos tribunais , no sentido de distinguir entre obras que se destinam a reparar o desgaste normal provocado pelo uso do terraço enquanto tal, e as obras destinadas a reparar as deficiências estruturais dos terraços ou mesmo a manutenção dos materiais que asseguram a função dos terraços enquanto cobertura. E se enquanto às primeiras a responsabilidade pela sua realização e despesas associadas deve ser imputada aos condóminos que tem do terraço o uso exclusivo, atento o disposto no nº 3 do art. 1424º do CC, em relação às segundas a sua responsabilidade recai sobre todos os condóminos na proporção do valor da sua fracção, nos termos previsto no nº 1 do art. 1424º do CC.
 
Fazer recair a responsabilidade pelas despesas de conservação e fruição apenas sobre o proprietário da fracção que detém o uso exclusivo do terraço de cobertura traduzir-se-ia em clamorosa injustiça já que, se enquanto terraço ele é de facto de uso exclusivo de um dos condóminos, enquanto cobertura ele é de uso comum e aproveita a todos os condóminos. E por isso mesmo ele é parte comum do prédio.

Terá assim de concluir-se que, no caso dos autos, estando em causa deficiências relativas à impermeabilização do seu terraço que cobre parcialmente a fracção dos Autores, a responsabilidade pela sua reparação recai, na ausência de deliberação em contrário, sobre todos os condóminos na proporção das respectivas fracções.
 
Só assim não seria se estivesse provado ter havido por parte da 2ª ré, ora recorrente, qualquer actuação que tivesse dado origem à apurada falha de impermeabilização do terraço em causa. E essa prova não está feita, como decorre dos factos apurados.

Refere-se ainda na sentença recorrida que ainda que assim não se entendesse, sempre haveria de concluir-se de igual forma em virtude de ter ficado demonstrado que os condóminos do prédio sito no n.º … da D… concordaram que cada um deles cuidaria de zelar pela manutenção e conservação do terraço que lhes está adstrito, garantindo as reparações necessárias para evitar danos ou prejuízos aos demais condóminos.
 
Não é assim.
 
Desde logo porque o estatuto da propriedade horizontal é fixado com base nas disposições legais aplicáveis, no título constitutivo da propriedade horizontal, no regulamento do condomínio, e nas deliberações da assembleia de condóminos. Não bastará por isso um qualquer acordo entre condóminos para conformar o estatuto do condomínio neste ou naquele aspecto.
 
E mesmo quando tomada em assembleia de condóminos a deliberação sobre a repartição das despesas relativas a serviços de interesse comum em termos diversos dos que resultam dos critérios suplectivos constantes dos nº 1 e 3 do art. 1424º do CC, só será válida se for aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Nada disso resulta do que ficou a constar como provado nos autos
 
E assim sendo resta concluir que vigora o critério suplectivamente imposto pelas disposições conjugadas dos nº 1 e 3 do art. 1424º do CC, sendo que, no que concerne às despesas com a reparação da impermeabilização do terraço, uma vez que o que está em causa é a sua utilidade enquanto cobertura do prédio, a repartição haverá de fazer-se nos termos do citado nº 1 do art. 1424º do CC.
 
O facto de os demais condóminos terem vindo a manter e a conservar os terraços de que têm o uso exclusivo, tendo alguns deles inclusive realizado obras de impermeabilização nos seus espaços de terraço, a expensas suas, é a este respeito e pelas apontadas razões, irrelevante. 

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