Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

6/30/2021

Denuncia contrato empresa de gestão

A respeito da qualificação do contrato celebrado entre o condomínio e uma empresa de administração de condomínios, o mesmo trata-se de um contrato de prestação de serviços de administração de condomínio, previsto no art. 1154º do CC, através do qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição, ao qual, se aplica, na falta de regulamentação específica, o regime do mandato, por força do preceituado no art. 1156º do CC.

Com efeito, assim defende Aragão Seia, in Propriedade Horizontal - Condóminos e Condomínios, 2001, pág. 186), ao referir que ao administrador se aplicam por analogia as normas do mandato, de acordo com o estabelecido no art. 987º do CC, na medida em que estas sejam compatíveis com as disposições específicas da propriedade horizontal .
Estipula-se no art. 1430º nº 1 do CC que a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia dos condóminos e a um administrador.

De acordo com o ensinamentos de Mota Pinto, in Direitos Reais, 1970/71, pag. 284, «a assembleia de condóminos é um órgão colegial constituído por todos os condóminos, com carácter deliberativo, que tem poderes de controle, de aprovação e decisão final sobre todos os actos de administração. O administrador é o órgão executivo. É um órgão de execução, nomeado e exonerado pela assembleia de condóminos, a quem tem de prestar contas da sua actividade.»

Decorre pois do art. 1435º, nº 1 do CC, que o administrador pode ser exonerado, mas a sua exoneração deve ser fundamentada, ou porque praticou irregularidades, ou porque o desempenho da sua função de administrador não foi desempenhada com a diligência com que deveria sê-lo. Mas mais do que isso, é necessário que tenha existido dolo, ou pelo menos, negligência, no desempenho do seu cargo, enquanto representante das partes comuns do prédio.

É importante, através de exemplos, definir o que se entende como justa causa para exoneração do administrador, para os efeitos do nº 3 do art. 1435.º do CC. Assim, terá justa causa para promover a exoneração a Assembleia do Condomínio em que o Administrador violar as obrigações que tem enquanto administrador, nomeadamente, não convocando a assembleia, não apresentando as contas, não pagando determinadas despesas essenciais, enfim, colocando em causa o vínculo de confiança estabelecido.

Neste mesmo sentido, veja-se o Ac. do TRP de 14/12/2004, que refere que “No campo do direito civil, a doutrina e a jurisprudência vêm tentando definir o conceito de “justa causa”, colocando o assento tónico quer nos elementos subjetivos, a relação de confiança e de lealdade que devem existir na vigência do contrato, quer nos elementos objetivos, a concretização do resultado visado pelo contrato. Constitui “justa causa”, todo o facto, subjetivo ou objetivo que ponha em crise a continuação do vínculo contratual ou que torne inexigível a um dos contraentes a sua permanência na relação contratual.”

Deste modo, a inclusão de clausulas contratuais em contratos de prestação de serviços de empresas prestadoras de serviços de administração de condomínio que dificultem ou tornem impossível o exercício do direito à sua exoneração é claramente abusivo. Veja-se por exemplo a inclusão de prazos longos (90 dias ou mais por exemplo) para a denúncia tornam praticamente impossível de cumprir o prazo estipulado, tendo como consequência a automática renovação do contrato contratos contra a vontade dos condóminos e abalando toda na relação de confiança e de lealdade que deverá existir nas relações condomíniais.

Assim, nos termos do art. 19º do Regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL nº 446/85, de 25 de Outubro, tais cláusulas a meu ver devem ser consideradas nulas.

Ocorrendo uma situação de quebra de relação de confiança, verifica-se justa causa, socorremo-nos aos mecanismos da exoneração do administrador, realizada em assembleia de condóminos convocada para o efeito nos termos do art. 1435º, nº 1 do CC e/ou mecanismo do processo de jurisdição voluntária de exoneração judicial do administrador, nos termos do art. 1057º do CPC.

O mais comum, e aconselhável no caso concreto, é que se siga o primeiro mecanismo, sendo que para o efeito, deverá ser convocada uma assembleia de condóminos, nos termos do art. 1431º nº 2 do CC, ou com pelo menos 25% do capital investido, sem segunda convocatória, nos termos do nº 4 do mesmo preceito.

Para a assembleia, poderá o administrador, ser convocado por carta registada e com aviso de recepção, devendo constar expressamente da Ordem de Trabalhos o ponto de “exoneração do administrador”.  Se aquele não for convocado, a exoneração ocorrerá no acto da sua substituição, porém, aquele não poderá ser responsabilizado por actos de administração entretanto realizados no âmbito das suas funções executivas até ao momento em que lhe for formalmente comunicada a exoneração.
 
Importa salientar que, da acta da reunião deverão resultar todos os elementos em que os condóminos assentam a sua falta de confiança no administrador, e que por conseguinte justifiquem a sua exoneração.

Caso não exista quórum em segunda convocação, isto é, não se logre obter os 25% do capital investido para efeitos de se poder deliberar sobre a exoneração, pode a mesma ser feita judicialmente, sendo que para esse efeito qualquer condómino tem legitimidade para a requerer, alegando os factos em que fundamenta a justa causa de exoneração.

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