O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respectivos factos constitutivos.
Com efeito, uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no art. 1308º do CC, onde se determina que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».
Por conseguinte, o direito de propriedade no que respeita aos terraços constituiu-se de acordo com a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e de acordo com o respectivo título constitutivo.
Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz «uma expropriação sem indemnização» de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.
Por isso, os direitos já definidos não podem ser afectados.
O que se afigura estar de acordo com o disposto na 1ª parte do nº 2 do art. 12º do CC, onde se dispõe que «Quando a lei dispõe (…) sobre (…) quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».
Com efeito, uma lei que, posteriormente à constituição da PH, altere a definição legal acerca daquilo que é parte comum do edifício ou parte individual de um edifício construído em regime de propriedade horizontal, versa sobre um facto, ou seja, sobre a construção de um edifício com determinadas características, que o tornam apto para a constituição da PH, e versa também sobre os efeitos desse facto, isto é, sobre que partes do edifício são obrigatoriamente comuns, individuais ou livremente submetidas pelo título a uma destas situações jurídicas, pelo que a nova lei só se aplica às situações factuais que surjam após a sua vigência.
Nesta factualidade, existe uma alteração legislativa no que respeita ao art. 1421º do CC onde se definem quais são as partes comuns do edifício submetido ao regime da PH.
Até 1994, a al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, dispunha que eram comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento»”. Posteriormente, o DL nº 267/94, de 25/10, reformulou esta norma, a qual passou a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.»
Face à actual redacção da al. b) do nº 1 do art. 1421º, do CC, não existem quaisquer dúvidas no sentido de que os terraços são partes comuns, desde logo por se as fracções destinadas a habitação, beneficiam do uso do terraço que se situa imediatamente por cima de outras fracções, e que, por sua vez, lhes serve de cobertura.
Porém, a lei à luz da qual tem de se verificar se o terraço é parte comum ou individual, será a lei em vigor à data da constituição da PH e tal lei tanto pode ser a que resulta da redacção primitiva do Código Civil de 1996, por a constituição da propriedade ter ocorrido antes da data de entrada em vigor do DL 268/94 de 25/10, como a nova redacção introduzida por este diploma legal.
Afigura-se, no entanto, que a nova redacção dada à al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, pelo DL nº 267/94, de 25/10, constitui lei interpretativa em relação à anterior redacção (neste sentido Ac. TRC de 23/9/2008, proc. nº 521/1996, relatado pela Desembargadora Sílvia Pires, ao escrever que anteriormente era a seguinte a redacção desta alínea, a qual correspondia à versão original do C. Civil de 1966, que quase copiou o ponto 2.º, do artigo 13º, do antigo Decreto-Lei n.º 40.333: ‘O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento’.
Na vigência desta redacção discutiu-se se tal previsão abrangia os chamados terraços de cobertura intermédios, isto é os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varanda a estas.
Enquanto uns consideravam que tais terraços estavam incluídos na previsão da transcrita alínea (vide os seguintes acórdãos do TRL de 23/3/1982, relatado por Eliseu Figueira, na C.J., Ano VII, tomo 2, pág. 173, de 27/4/1989, relatado por Ianquel Milhano, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 151, do TRP de 2/7/1991, relatado por Mettelo de Nápoles, na C.J., Ano XVI, tomo 4, pág. 231, de 3/11/1994, relatado por Cesário de Matos, na C.J., Ano XIX, tomo 5, pág. 197), outros sustentavam opinião contrária (Acórdão da TRL de 21/5/1991, relatado por Diniz Nunes, na C.J., Ano XVI, tomo 3, pág. 148).
Ora, como as alterações efectuadas pelo DL 267/94, de 25/10, não esqueceram o estudo atento das decisões judiciais que sobre esta matéria e ao longo do tempo se têm vindo a pronunciar, a nova redacção introduzida à al. b) do art. 1421º, nº 1, do CC, teve como intenção acabar com as dúvidas que a anterior redacção suscitava relativamente aos terraços de cobertura intermédios, optando pela sua inclusão no seu âmbito de previsão.
Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei integrada (art. 13º do CC), pelo que o esclarecimento interpretativo efectuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a PH tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94.
Como referiu Batista Machado, «Para que uma Lei Nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a Lei Nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora» in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 246/247.
Como se sabe, a solução dada à questão em análise era controvertida, quer na doutrina quer na jurisprudência. Com efeito, a lei em vigor antes da aprovação do DL 268/94 de 25/10 dispunha que «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento» - al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC. Após o DL nº 267/94, de 25/10, a norma foi reformulada passando a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».
Da leitura das redacções vemos que a após a entrada em vigor DL nº 267/94, de 25/10, se eliminou a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.
Ora, já era possível chegar a esta conclusão no âmbito da lei antiga, como resulta do antes exposto, embora aquela norma desse também origem a decisão em sentido oposto.
Há quem advogue o entendimento seguido no Ac. proferido no processo n.º 17/15.0T8SAT.C1, datado de 15/11/2016, onde se perfilha pelas razões expostas, o entendimento seguido no Ac. supra citado, n.º 521/996, relatado pela adjunta Desembargadora Sílvia Pires, que a nova lei veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do nº 1 do art. 13º do CC, onde se dispõe que «1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».
Às razões supra referidas, neste sentido, cabe ainda acrescentar outras, a saber:
Em primeiro lugar, cumpre ter presente, como se referiu no ponto 4 do preâmbulo do DL nº 40.333, de 14/10/1955, relativo à definição dos bens comuns aos diversos proprietários, diploma que definiu o regime da PH até ao início de vigência do novo CC, que «A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parece ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.
Quanto a nós tal não significa que – uso em comum e propriedade comum – andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas, não sendo é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados».
Desde logo, por a natureza e função do direito de PH não excluir que uma parte do prédio pode ser comum e, no entanto, o seu uso exclusivo pode encontrar-se reservado para um dos condóminos.
Em segundo lugar, a letra e o sentido da norma constante da al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC apontam no sentido de se considerarem como partes comuns os terraços com função de cobertura. Com efeito, afigura-se ser esse o sentido imediato da norma: são comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento». Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício, interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de protecção da totalidade ou de parte do edifício.
A natureza comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e protecção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a «saúde» do edifício.
No sentido dos terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura serem sempre comuns, independentemente do piso em que se situam, pronunciou-se Rui Miller, in Propriedade Horizontal, 3.ª edição revista e actualizada. Almedina, 1998, pág. 156, ao comentar a nova redacção dada à al. b) do nº 1, do art. 1421º, pelo DL nº 267/94, de 25/10, ao referir «O Decreto-Lei n.º 267/94, além de aditar a este artigo o n.º 3, introduziu ligeiras alterações nas alíneas b) e d) do n.º 1 e d) do n.º 2. Na primeira dessas alíneas, veio afirmar que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava, ao do último pavimento. Veio, assim, tornar certo o que já podia concluir-se por interpretação do texto anterior: pois que, sendo o telhado ou a cobertura do edifício essencial à normal fruição do prédio por todos os condóminos, o seu uso por um só deles, seja ele o do último pavimento ou de qualquer outro, ou por parte ou pela totalidade daqueles, é insusceptível de desvirtuar a natureza comum dessa parte do edifício», Ac. STJ de 16/10/2003, do TRP de 25/9/2003).
Em sentido oposto pronunciou-se Moutinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, Almedina, 1996, pág. 57, ao referir que «Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor, telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terraza a livello», Ac. STJ, no acórdão de 8/4/1997, www.DGSI.pt, identificado com o número 96A756 onde refere «I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), do citado Código. III - O artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares. IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem» e Ac. do mesmo venerando Tribunal datado de,, 8 de Abril de 1997, relatado pelo Conselheiro Machado Soares. Ponderando as várias posições, temos para nós, como já deixamos referido in supra, que a tese que melhor se adequada às normas legais é a primeira porque é aquela que promove os interesses dos condóminos, dado que os terraços de cobertura existentes nos edifícios, dados os riscos que apresentam para a degradação dos edifícios, não podem ficar na dependência da vontade individual de um ou alguns condóminos.
Sendo que também não vemos diferença entre esse terraço intermédio que tem função de cobertura, “telhado” ainda que situado numa posição intermédia e um mesmo espaço físico agora colocado no topo do edifício mas agora coberto com um telhado (deixando de ser terraço) (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 16/10/2003 (Luís Fonseca), em www.dgsi.pt, identificado sob o n.º 03B2567, onde se escreveu: «E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso».
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