Nos termos do art. 1403º, nº 1, do CC, há compropriedade quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente direito de propriedade sobre uma mesma coisa. A compropriedade define-se como uma situação de titularidade conjunta e simultânea de direitos, reais ou não, iguais sobre uma coisa.
De acordo com a concepção dominante na doutrina portuguesa (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid iuris, Lisboa, p. 352), a compropriedade é um conjunto de direitos, coexistindo sobre toda a coisa e não sobre qualquer realidade imaterial ou ideal (quota) nem sobre uma parte da coisa.
Sendo esses direitos qualitativamente iguais, tal implica que se autolimitam, na medida em que o exercício de cada um, terá de se fazer sem prejuízo de um exercício equivalente dos demais (Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, p. 352).
Enquanto o direito subjetivo tem uma natureza singular porque ligado à realização de interesses de pessoa determinada, a compropriedade consiste num conjunto de direitos de propriedade sobre uma mesma coisa e autolimitados, com a particularidade de que cada um dos direitos incide sobre a coisa comum e não se refere a uma parte específica.
Neste sentido se tem também orientado a jurisprudência (cfr. Ac. STJ, de 15-02-2007, proc. n.º 06B4630): «I - Os comproprietários, sendo iguais as respectivas quotas, usufruem a coisa objecto da compropriedade de modo igual, o que significa que o gozo de cada um tem de ser limitado por forma a obter essa igualdade - arts. 1405.º, n.º 1, e 1406.º, n.º 1, do CC.
II - No entanto, é lícito a cada um deles servir-se da totalidade dessa coisa, desde que não prive os restantes consortes do uso a que têm direito».
O comproprietário exerce, conjuntamente com os outros, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular. Quanto ao modo do seu exercício, a lei identifica três modalidades diferentes: poderes de exercício isolado, poderes de exercício maioritário e poderes de exercício unânime (cfr. Mota Pinto, Direitos Reais (Segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto ao 4.º ano jurídico de 1970-71), Almedina, Coimbra, pp. 260 e ss).
Cada um dos comproprietários, seja qual for a sua quota, de acordo com o princípio da solidariedade, detém o poder de utilização da coisa na sua totalidade. Contudo, o comproprietário não pode afectar a coisa a fim diferente daquele a que ela se destina e não pode impedir os demais de fazer da coisa o uso a que também tenham direito. A doutrina designa estes poderes como poderes de exercício isolado. Esta possibilidade de uso integral da coisa tem, contudo, natureza suplectiva, e pode ser derrogada por acordo dos interessados. Os limites ao exercício deste direito resultam, portanto, de acordo entre os interessados no título constitutivo ou de acordo posterior, em que se disciplina o poder de uso da coisa, por exemplo, através de uma divisão material do gozo da coisa ou através de uma divisão temporal ou por turnos. Já os poderes de alienação ou oneração da coisa comum ou de parte específica dela são poderes de necessário exercício unânime, ou seja, só com o consentimento dos restantes pode qualquer comproprietário praticar esses actos (art. 1408º, nº 2, do CC).
Ao lado destes poderes, de exercício isolado ou de exercício unânime, há poderes de exercício maioritário, que estão subordinados à vontade da maioria dos consortes. É o caso dos poderes de administração da coisa comum, regulados no art. 1407º do CC, e que abrangem os atos de fruição da coisa comum, da sua conservação ou beneficiação, e ainda, os atos de alienação de frutos, bem como o poder de os comproprietários nomearem um ou vários deles como administradores da coisa comum ou de criarem para o efeito, órgão próprio – v. Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 362)
O art. 1407º do CC, que regula a administração da coisa, remete para o art. 985º do mesmo diploma legal, preceito que tem a sua localização sistemática no capítulo III (Sociedade) do Livro do Direito das Obrigações, secção II (Relações entre os sócios), e que se refere à administração das sociedades civis.
Dispõe o artigo 1407º do Código Civil:
1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985.º; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.
3. Os atos realizados pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa.
Por sua vez, o artigo 985.º, com a epígrafe, “Administração”, dispõe o seguinte:
1. Na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.
2. Pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao ato que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição.
3. Se o contrato confiar a administração a todos ou a vários sócios em conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser tomadas por maioria.
4. Salvo estipulação noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna os sufrágios de mais de metade dos administradores.
5. Ainda que para a administração em geral, ou para determinada categoria de atos, seja exigido o assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos administradores é lícito praticar os atos urgentes de administração destinados a evitar à sociedade um dano iminente.
Ora numa interpretação conjugada dos art. 1407º e 985º, nºs 1 e 2, ambos do CC, conclui-se que “(…) todos os comproprietários têm igual poder de administração da coisa comum e o afastamento desta regra apenas pode ter lugar com o acordo de todos os comproprietários”. (…) Assim sendo, não existindo qualquer acordo entre os comproprietários quanto à administração da coisa comum, terá de prevalecer a regra estabelecida nos art. 1407°, n° 1 e 985°, n° 1 do CC, que atribui igual poder de administração aos comproprietários.
Os poderes da administração concentram-se integralmente em cada um dos administradores, podendo estes individualmente praticar os actos de administração, sem necessidade do consentimento nem sujeição às diretivas dos outros”, daí extraindo a exigência de unanimidade dos consortes como condição de validade da deliberação em litígio, que confere os poderes de administração a dois dos comproprietários. Com efeito, “Assim sendo, afigura-se correcto afirmar que todos os comproprietários têm igual poder de administração da coisa comum e o afastamento desta regra apenas pode ter lugar com o acordo de todos os comproprietários” (acompanhamos Ac. anterior).
Todavia, a regra, segundo a qual, a administração cabe por igual, a todos os consortes, consagrada no nº 1 do art. 985º do CC, para além de ser temperada pelo direito de oposição conferido a todos os outros consortes e pela atribuição à maioria do poder de decidir o conflito (art. 985º, nº 2, do CC), não é um princípio de ordem pública e cede perante convenção dos consortes, em sentido contrário, tomada por maioria, nos termos da lei. Desde logo, esta norma pode ser derrogada, nos termos do nº 3 do art. 985º, que permite que os consortes estabeleçam a administração conjunta dos bens por todos ou vários sócios, prevendo que as deliberações sejam tomadas por maioria, regra que deve aplicar-se também à designação dos consortes a quem são atribuídos os poderes de administração.
O art. 985º do CC deve assim ser lido como determinando que, havendo convenção em contrário, os comproprietários podem atribuir o poder para administrar a coisa comum apenas a um, ou a vários consortes, desde que representem a maioria quantitativa e qualitativa.
A interpretação, segundo a qual o princípio da administração disjunta veda a atribuição, por maioria, de poderes de administração a vários comproprietários, com exclusão dos demais, contraria o elemento gramatical de interpretação, bem como a ratio legis das normas constantes dos art. 1407º e 985º, destinadas a agilizar a administração dos bens e a prevenir conflitos. Até porque o princípio da administração disjunta, que atribui por igual poderes de administração a todos os comproprietários, não é um princípio de natureza imperativa ou inderrogável, não lhe correspondendo qualquer interesse público.
Como afirmam Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra editora, 1987, p. 361), “A natureza suplectiva atribuída, pelo artigo 985.º, ao princípio do igual poder de administração dos consortes mostra, não só que os interessados podem regular em termos diversos a administração da coisa comum, mas também que é renunciável o poder atribuído a cada um dos comproprietários”.
No caso da compropriedade, a maioria exigida determina-se segundo um critério diferente do que vigora para o contrato de sociedade (art. 1407º, nº 1, do CC). Não basta o critério pessoal da maioria per capita, exigindo a lei também o elemento real, constituído pelo valor das quotas, ou seja, a maioria dos consortes deve representar, pelo menos, metade do valor das quotas (não é necessária a maioria do valor). Da conjugação do regime específico do nº 1 do art. 1407º com o art. 985º, ambos do CC, resulta que as deliberações da assembleia de comproprietários devem ser tomadas por maioria, desde que votem no mesmo sentido mais de metade dos consortes e desde que estes representem, pelo menos, metade do valor das quotas.
Por último, deve afirmar-se não ter a deliberação controvertida nestes autos a natureza de regulamento da administração da coisa comum com natureza real, que, por isso, carece do acordo de todos os comproprietários e de inscrição no registo para ser eficaz em relação a terceiros (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Direitos Reais, 5.ª edição, Coimbra Editora, 1993, p. 268 e Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., 361).
A tese, a nosso ver, sem fundamento legal, de que as deliberações da assembleia de comproprietários relativas à administração da coisa comum (em que se inclui o poder de designar os administradores) sejam aprovadas, por unanimidade dos consortes, tem efeitos práticos que julgamos preversos, na medida em que permite a um dos comproprietários boicotar o exercício de poderes de administração nos termos decididos pela maioria, correndo-se o risco de paralisação da exploração dos bens, resultado que o legislador não deseja.
Além de não ter respaldo na lei, a tese da unanimidade fomenta a perpetuação do conflito entre os comproprietários e aumenta, desnecessariamente, o recurso ao tribunal, tornando praticamente inviável a administração de qualquer acervo comum de bens, na medida em que dá um direito de veto a um só comproprietário que não concorde com a deliberação da maioria.
A interpretação das normas jurídicas aplicáveis, os art. 1407º e 985º do CC, indica que a regra, segundo a qual a administração cabe por igual, a todos os comproprietários, não é um princípio de ordem pública e cede perante convenção dos consortes, em sentido contrário, tomada por maioria nos termos da lei, porquanto da conjugação do regime específico do nº 1 do art. 1407º com o art. 985º, ambos do CC, resulta que as deliberações da assembleia de comproprietários devem ser tomadas por maioria, desde que votem no mesmo sentido mais de metade dos consortes e desde que estes representem, pelo menos, metade do valor das quotas.
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