Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

03 novembro 2023

Penhora fracção autónoma pelo condomínio


Tribunal: Relação do Porto
Processo: 1167/15.9T8PVZ.P1
Data: 16/12/2015

Sumário:

I - A lei confere ao condomínio personalidade judiciária, não lhe reconhecendo personalidade jurídica, pelo que o mesmo apenas se poderá definir como centro de imputação das situações jurídicas processuais, e nunca como centro de imputação de situações jurídicas materiais.
II - Decorre do n.º 1 do artigo 686.° do Código Civil a natureza jurídica da hipoteca como direito real de garantia, apresentando, em consequência, as notas características deste - a sequela e a prevalência -, e conferindo ao credor o direito de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
III - A penhora não constitui, em rigor, um direito real de garantia real, resumindo-se a um ato processual que visa criar a indisponibilidade dos bens adstritos à execução, mediante a produção dos mesmos efeitos substantivos das garantias reais: a preferência e a sequela.
IV - Mesmo que se considere a penhora como garantia real, a mesma não tem a eficácia erga omnes da hipoteca, tendo os seus efeitos estritamente limitados ao processo no âmbito do qual é registada.
V - Nada obsta a que, no âmbito de uma execução, seja registada uma penhora a favor do condomínio (exequente), sendo a mesma um instrumento absolutamente indispensável à realização do objetivo visado pela execução, não se revelando tal ato similar à hipoteca, a qual constituiu um direito real de garantia, cuja titularidade pressupõe a personalidade jurídica que a lei nega ao condomínio.
VI - Em suma: não merece censura a decisão do Conservador do Registo Predial que recusou o registo de uma hipoteca proposta pela executada, no âmbito de uma execução instaurada pelo condomínio, visando prestar caução com efeito suspensivo dos termos da execução (art.º 733.º, n.º 1, a) do CPC).

Decisão integral: vide aqui

24 outubro 2023

Produção de prova testemunhal


Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está, da prova que em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos art. 653, nº 2 e 655, nº 1, CPC – as regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são pois elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

12 outubro 2023

Regime jurídico das deliberações da AG


Conclusão
 
O estudo do regime jurídico das deliberações das assembleias de condóminos permitiu-nos chegar a, não uma, mas várias conclusões. Apresenta-se, desde já, a mais vaga, mas também a mais importante e evidente de todas: é premente uma reforma legislativa no que a esta matéria diz respeito.
 
A elaboração da presente exposição iniciou-se com diversas questões que, na sua maioria, se encontravam relacionadas com a interpretação das normas civilísticas que regem a propriedade horizontal. É que estamos perante um regime não raras as vezes insuficiente, deixando nas mãos do intérprete uma excessiva tarefa de interpretação, muitas vezes com recurso à analogia. O resultado: um emaranhado de soluções doutrinais e jurisprudenciais que tentam apertar a desafogada malha da lei, levando frequentemente a soluções distintas e até contraditórias entre si. 
 
Todo este quadro gera uma incerteza e uma insegurança jurídicas que afectam o verdadeiro destinatário do instituto – o condómino -, pondo em causa a estabilidade do condomínio e até mesmo as relações entre os moradores e/ou proprietários das fracções autónomas. 

11 outubro 2023

Suspensão das deliberações - Decisão


4.2.2.6 Suspensão das deliberações - Decisão
 
No que diz respeito à decisão, o facto de uma deliberação ser contrária à lei ou aos estatutos não determina, automaticamente, que ela irá ser suspensa. Com efeito, o juiz deve pesar os dois pratos na balança, colocando, num lado, o prejuízo provável do(s) condómino(s) requerente(s) com a execução da deliberação, cuja alegação e prova terão de ser feitas por ele(s) e, no outro lado, o prejuízo provável do(s) condómino(s) requerido(s), que igualmente têm o ónus de o provar (art. 381º, nº 2, CPC)(228). 
 
Ao contrário do que acontece no procedimento cautelar comum, não é necessário que se verifique um excesso considerável do prejuízo do(s) requerido(s) em relação ao prejuízo do(s) requerente(s) – “basta que ele seja superiora este para que o juiz, consideradas as circunstâncias do caso, possa recusar a providência” (229). Em consonância com a posição adoptada relativamente à legitimidade passiva, não podemos aqui aceitar o entendimento de Sandra Passinhas que, no seguimento da sua doutrina, considera que o juízo de ponderação a ser feito tem, de um lado, o interesse do condómino impugnante e, do outro, o “condomínio resistente em não ver prejudicada, por comportamentos dilatórios, a funcionalidade da gestão da coisa comum” (230).
 
É que, como temos vindo a defender, os réus desta providência cautelar haverão de ser os condóminos que aprovaram a deliberação e, nesse sentido, não se pode considerar, sem mais, que é do lado passivo que se encontra o interesse do condomínio enquanto colectividade. Contudo, entendemos que o interesse do condomínio não deve ser descurado, devendo o juiz, no exercício do seu prudente arbítrio, indagar sobre o que será mais prejudicial para a comunidade de condóminos.

Suspensão das deliberações - Tramitação


4.2.2.5 Suspensão das deliberações - Tramitação
 
Relativamente ao iter processual, deve o requerimento da suspensão ser instruído com cópia da acta da reunião em que as deliberações foram tomadas, que deve ser fornecida ao requerente, pelo administrador, no prazo de 24 horas (art. 1º, DL 268/94, de 25 de Outubro, e art. 1436º, al. m)). 
 
Se o requerente alegar que não lhe foi fornecida cópia da acta, o administrador (ou o representante especial designado para o efeito) é citado com a cominação de que deverá apresentar a acta juntamente com a contestação, sob pena de rejeição desse articulado (art. 381º, nº 1, CPC), sendo que a consequência será, como se sabe, a de se terem por admitidos os factos alegados pelo requerente (arts. 567º, nº 1 ex vi 366º, nº 5, CPC). 
 
Além disso, não sendo apresentada a acta da assembleia, o ónus da prova inverte-se, passando a impender sobre os requeridos (arts. 417º, nº 2 ex vi 430º, CPC e 344º, nº 2). Note-se que esta cominação “não pode ser aplicável se a administração em exercício não foi notificada para apresentar qualquer documentação, não foi demandada, nem o autor alegou nos autos ter junto dela requerido a entrega de qualquer documentação, nem que essa solicitação lhe tivesse sido recusada” (226).