Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

3/02/2023

O fim, o uso, a fruição e a disposição



Estipula o art. 1418º do CC que «2 - Além das especificações constantes do número anterior, o título constitutivo pode conter, designadamente: a) Menção do fim a que se destina cada fracção ou parte comum». Por outro lado, dispõe o art. 1305º do CC que «O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposições das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas».
 
O proprietário, no uso destes direitos, na verdade, está a exercê-los em harmonia com o fim social que a lei visa ao atribuir-lhos, e que é precisamente o de lhe assegurar exclusivismo no uso, fruição ou gozo e disposição da coisa que lhe pertence. Importa contudo salientar que este preceito coloca ao lado dos poderes de que goza o proprietário, as restrições ou limites impostas por lei. 
 
Teoricamente, porém, a possibilidade de se incorrer em uma situação de manifesto abuso de direito tem de admitir-se, correspondendo este, outrossim, a uma restrição que se tem legalmente consagrada ao direito de propriedade.

No que respeita aos termos usados em ambos preceitos, importa desde logo balizar o significado de cada um.

O fim

É o TCPH que se define o fim a que se destina a fracção. E este fim não se confunde com o “uso ,fruição e conservação”” a que se refere o art. 1305º do CC, que respeita ao modo como é exercido o direito, dentro do “fim” que é atribuído na escritura da PH. O fim a que uma fracção autónoma é destinada constitui uma limitação ao exercício do direito de propriedade de cada condómino sobre a sua fracção. 

O TCPH pode mencionar o fim a que se destina cada fracção autónoma ou parte comum, ou seja, pode definir que as fracções se destinam a habitação, garagem, armazém, para a prestação de serviços, comércio, etc..

O direito de uso

O uso consiste no poder do proprietário se servir da sua fracção autónoma para a satisfação das suas necessidades (como por exemplo, transformar um quarto num escritório), ou seja, a lei possibilita destinar os usos dos diversos cómodos em função dos interesses e necessidades dos proprietários das respectivas fracções autónomas. Assim, nada obsta a que, um condómino proprietário de um T2 converta uma sala num terceiro quarto, que elimine um quarto para o transformar num ginásio caseiro ou numa biblioteca; ou até que derrube a parede entre dois quartos para os converter um único quarto.
 
O direito de fruição

A fruição traduz-se no poder que o proprietário tem de gozar a fracção directa ou indirectamente, através de tudo o que ela possa produzir periódica ou esporadicamente (como por exemplo, exercer uma qualquer actividade laboral ou industrial - nos termos do art. 1092º do CC, «1 - No uso residencial do prédio arrendado inclui-se, salvo cláusula em contrário, o exercício de qualquer indústria doméstica, ainda que tributada. 2 - É havida como doméstica a indústria explorada na residência do arrendatário que não ocupe mais de três auxiliares assalariados.), sem prejuízo da sua substância».

O direito de disposição
 
O poder de disposição refere-se aos poderes materiais, como são os de transformar a coisa (vide supra, o fim), e os poderes jurídicos (como por exemplo, onerar com servidão, hipoteca ou constituição de nova hipoteca, arrendar, alienar ou conceder um direito de usufruto). 
 
Direito de uso, fruição e disposição da habitação
 
O legislador português define o direito de uso e habitação no art. 1484º do CC, distinguindo entre direito de uso e direito de habitação. 
 
No nº 1 do referido art. 1484º do CC, direito de uso é definido como a “faculdade de se servir de certa coisa alheia e haver os respectivos frutos, na medida das necessidades, quer do titular, quer da sua família”. Depois, no nº 2, caracteriza-se o direito de habitação como um tipo de direito de uso – quando este direito de uso “se refere a casas de morada, chama-se direito de habitação”. 
 
O direito de uso abrange, para além do uso da coisa, a obtenção dos frutos dessa mesma coisa; o direito de uso implica a fruição para a satisfação directa das necessidades do titular e da sua família, enquanto que o direito de habitação não inclui nenhuma modalidade de fruição, apenas o direito de habitar a casa. 
 
O art. 1488º do CC consagra a intransmissibilidade dos direitos de uso e de habitação, ao contrário do que vigora no usufruto, onde o art. 1444º do CC estabelece o princípio da livre transmissibilidade. 
 
Não sendo o direito de uso e o direito de habitação transmissíveis, não podem tais direitos ser onerados com qualquer garantia real – penhor, hipoteca, etc.. Esse regime de intransmissibilidade é a natural consequência do carácter estritamente pessoal desses direitos – envolvendo o uso e habitação a ideia da utilização directa da coisa ou do consumo dirceto dos frutos, a sua transmissão colidiria com a referida natureza desses direitos.

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