Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

5/10/2022

Livro de actas no condomínio

Estatuía o art. 36º do DL nº 40 333 de 14 de Outubro de 1955 (publicado no Diário do Governo nº 223/1955, Série I de 1955-10-14) que,

«O administrador terá os seguintes livros:
  • De receitas e despesas;
  • De actas;
  • De inventario dos bens de propriedade comum.»
No entanto, com a aprovação do DL nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966, o legislador não efectuou qualquer ressalva quanto `obrigatoriedade da existência do livro de actas.

O decreto-lei nº 40 333, de 14 de Outubro de 1955 veio regular, pela primeira vez entre nós, de forma global, o regime da propriedade horizontal, prevendo no seu art. 36º que o administrador tinha que possuir, entre outros, um livro de actas.

O DL nº 47.344, de 25 de Novembro de 1966, que aprovou o Código Civil actualmente vigente, dispôs no seu art. 3º que desde “que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência.”

É discutível a vigência do art. 36º do DL nº 40.333, de 14 de Outubro de 1955 após a entrada em vigor do Código Civil, cuja problemática divide a nossa jurisprudência, dando origem a decisões contraditórias. Por um lado, há quem considere que dada a sua natureza processual, continuou a vigorar após a entrada em vigor do Código Civil actualmente vigente. Por outro lado, quem considere que o DL nº 40 333 tinha sido revogado tacitamente com a entrada em vigor do actual Código Civil.

Ao invés, parece que tal previsão terá antes carácter interpretativo, visando pôr termo ao dissídio jurisprudencial até então existente, pelo que em nada colidirá com a interpretação da sobrevivência do citado art. 36º. Certo é que o "livro" é obrigatório, seja qual for a sua forma.

A título meramente ilustrativo e entrando no capítulo das Sociedades Comerciais, procurando-se simplificar os procedimentos de constituição das sociedades e melhorar o ambiente de negócios, a Lei nº 7/21, de 14 de Abril, aboliu a obrigatoriedade da legalização dos livros de actas das AG por parte do Conservador do Registo Comercial. 

Nesta conformidade, os livros de actas apenas precisam ser rubricados (i) pela administração, (ii) pelos membros do órgão social a que respeitam, ou (iii) pelo Presidente da Mesa da AG da sociedade, os quais ficarão igualmente responsáveis por lavrar os respectivos termos de abertura e encerramento.

Acresce sublinhar que, sempre que forem compostos por folhas soltas, estas actas poderão ser encadernadas ou mantidas em uma pasta de arquivo própria, depois de utilizadas e ter sido lavrado o respectivo termo de encerramento.


Retomando as menções ao Código Comercial, este dispõe, no art. 37º (Livros das actas das sociedades), que os livros ou as folhas das actas das sociedades servirão para neles se lançarem as actas das reuniões de sócios, de administradores e dos órgãos sociais, devendo cada uma delas expressar a data em que foi celebrada, os nomes dos participantes ou referência à lista de presenças autenticada pela mesa, os votos emitidos, as deliberações tomadas e tudo o mais que possa servir para fazer conhecer e fundamentar estas, e ser assinada pela mesa, quando a houver, e, não a havendo, pelos participantes.

Finalmente, o CCom. preconiza, ainda e respetivamente, nos art. 39º (Requisitos externos dos livros de actas) e 40º (Obrigação de arquivar a correspondência, a escrituração mercantil e os documentos), que “Sem prejuízo da utilização de livros de actas em suporte electrónico, as actas devem ser lavradas sem intervalos em branco, entrelinhas ou rasuras e que no caso de erro, omissão ou rasura deve tal facto ser ressalvado antes da assinatura”, e que “Todo o comerciante é obrigado a arquivar a correspondência emitida e recebida, a sua escrituração mercantil e os documentos a ela relativos, devendo conservar tudo pelo período de 10 anos, podendo os mesmos ser arquivados com recurso a meios electrónicos”.

Quanto aos livros de actas de outros órgãos (de administração ou de fiscalização ou órgão consultivo) – serão os respetivos membros, e nos termos referidos no art. 31º do CCom., a numerar e a rubricar as respetivas folhas e a lavrar os termos de abertura e encerramento, não estando sujeitos, conforme se encontra acima explicitado, a imposto do selo.

É, porém, no CSC, nomeadamente no seu art. 63º (Actas), que vem estabelecido com muito mais pormenor, não só a justificação da sua imprescindibilidade como os requisitos mínimos que as mesmas devem conter. Assim, e segundo o estabelecido no nº 1 deste artigo, “As deliberações dos sócios só podem ser provadas pelas actas das assembleias ou, quando sejam admitidas deliberações por escrito, pelos documentos donde elas constem.”

Por sua vez, o número 2 estabelece que a acta deve conter, pelo menos:

a) A identificação da sociedade (recordamos que, relativamente a esta “identificação da sociedade”, deve ser tido em atenção o disposto no art. 171º do CSC, pois a sua omissão, segundo o nº 2 do art. 528º, também do CSC, será punida com coima de 250 a 1 500 euros, pelo que aconselhamos a sua leitura para que os requisitos nele constantes fiquem expressos nas correspondentes atas), o lugar, o dia e a hora da reunião;

b) O nome do presidente (significa esta disposição que as AG devem ser sempre presididas por um sócio, normalmente pelo que detiver maior participação no capital social, ou, em igualdade de circunstâncias, pelo sócio mais velho, salvo se existir disposição diversa no contrato de sociedade, vide o nº 4 do art. 248º do CSC. É óbvio que no caso das sociedades unipessoais quem preside é o sócio único, como não poderia deixar de ser) e, se os houver, dos secretários;

c) Os nomes dos sócios presentes ou representados e o valor nominal das partes sociais, quotas ou ações de cada um, salvo nos casos em que a lei mande organizar lista de presenças, que deve ser anexada à acta;

d) A ordem do dia constante da convocatória, salvo quando esta seja anexada à acta;

e) Referência aos documentos e relatórios submetidos à assembleia;

f) O teor das deliberações tomadas;

g) Os resultados das votações;

h) O sentido das declarações dos sócios, se estes o requererem.

O número 3 estipula “Quando a acta deva ser assinada por todos os sócios que tomaram parte na assembleia e algum deles não o faça, podendo fazê-lo (repare-se que não pode deixar de ser tido em atenção, neste caso, o disposto no art. 521º (Recusa ilícita de lavrar acta), do CSC, que dispõe que aquele que, tendo o dever de redigir ou assinar acta de AG, sem justificação o não fizer, ou agir de modo que outrem igualmente obrigado o não possa fazer, será punido, se pena mais grave não couber por força de outra disposição legal, com multa até 120 dias), deve a sociedade notificá-lo judicialmente para que, em prazo não inferior a 8 dias, a assine; decorrido esse prazo, a ata tem a força probatória referida no nº 1, desde que esteja assinada pela maioria dos sócios que tomaram parte na AG sem prejuízo do direito dos que a não assinaram de invocarem em juízo a falsidade da acta”.

O nº 4 refere que “Quando as deliberações dos sócios constem de escritura pública, de instrumento fora das notas ou de documento particular avulso, deve a gerência, o conselho de administração ou o conselho de administração executivo inscrever no respetivo livro a menção da sua existência”.

O nº 5 estabelece “Sempre que as actas sejam registadas em folhas soltas, deve a gerência ou a administração, o presidente da mesa da assembleia geral e o secretário, quando os houver, tomar as precauções e as medidas necessárias para impedir a sua falsificação”.

O nº 6 dispõe “As actas são lavradas por notário, em instrumento avulso, quando, no início da reunião, a assembleia assim o delibere ou ainda quando algum sócio o requeira em escrito dirigido à gerência, ao conselho de administração ou ao conselho de administração executivo da sociedade e entregue na sede social com 5 dias úteis de antecedência em relação à data da assembleia geral, suportando o sócio requerente as despesas notariais”.

O nº 7 refere que “As actas apenas constantes de documentos particulares avulsos constituem princípio de prova, embora estejam assinadas por todos os sócios que participaram na assembleia”.

Finalmente, o nº 8, estabelece que “Nenhum sócio tem o dever de assinar as actas que não estejam consignadas no respetivo livro ou nas folhas soltas, devidamente numeradas e rubricadas”.

Vejamos, também, o que dispõe, nesta matéria, o Código do Procedimento Administrativo (CPA), nomeadamente nos seus art. 34º e 35º:

Assim, o art. 34º (Acta da reunião), estabelece no seu nº 1: “De cada reunião é lavrada acta, que contém um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente”.

Por sua vez, os nºs 2, 3, 4 e 5 dispõem, respetivamente, “As actas são lavradas pelo secretário e submetidas à aprovação dos membros no final da respetiva reunião ou no início da reunião seguinte, sendo assinadas, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário”, “Não participam na aprovação da acta os membros que não tenham estado presentes na reunião a que ela respeita”, “Nos casos em que o órgão assim o delibere, a acta é aprovada, logo na reunião a que diga respeito, em minuta sintética, devendo ser depois transcrita com maior concretização e novamente submetida a aprovação”, “O conjunto das actas é autuado e paginado de modo a facilitar a sucessiva inclusão das novas actas e a impedir o seu extravio” e “As deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de aprovadas as respetivas actas ou depois de assinadas as minutas e a eficácia das deliberações constantes da minuta cessa se a acta da mesma reunião não as reproduzir”.

Atentemos, agora, aos seguintes comentários a este art. 34º do CPA, respigados da obra «Código do Procedimento Administrativo – Anotado – Comentado – Jurisprudência» – 2ª edição – Atualizada e Aumentada – 1992 – Livraria Almedina – da autoria de José Manuel Botelho, Américo Pires Esteves e José Cândido de Pinho. Note-se que este Código foi alvo de profundas alterações, levadas a efeito pelo DL nº 4/2015, de 7/1, e republicado em anexo a este mesmo decreto-lei, mas, dado que o art. 34º não sofreu qualquer alteração, os comentários por nós acima referidos têm toda a atualidade.

A pág. 111, desta obra, a nota 3 refere que “A acta representa o registo formal da formação da vontade do órgão descrevendo tudo o que se passou na reunião”. A pág. 112, a nota 13 refere que “A acta, lavrada pelo secretário ou por quem o substitui, deve ser aprovada no final da reunião ou na reunião seguinte, sendo, de seguida, assinada pelo presidente e pelo secretário. Por vezes, a importância da deliberação não se compadece com formalismos que tendam para a morosidade. Por isso, desde que seja deliberado pela maioria dos membros presentes, a acta ou o texto da deliberação podem ser aprovados nessa mesma reunião sob a forma de minuta, numa primeira redação da acta”.

Na mesma pág., a nota 14 refere que “As deliberações tomadas só são eficazes e, portanto, só estão aptas a produzirem efeitos jurídicos uma vez aprovadas as actas ou assinadas as minutas. Enquanto isso não acontecer, o acto de deliberação pode até ser válido, mas não será eficaz, nem suscetível de execução”.

E, na pág. 113, a nota 18, relativa a jurisprudência, refere que “Se a acta da reunião não satisfazer os requisitos legais, é como se não exista, e as declarações nelas contidas consideram-se inexistentes por carência absoluta de forma, nos termos do art. 363º, nº 5, do Código Administrativo. (Ac. do STA de 19/5/50, CA, 367 e Ac. STA de 1/3/46, II Série de 21/5/46”.

Após a leitura destas anotações, que pensamos serem úteis para a assimilação da importância da existência das atas, retomamos o CPA, para transcrever o seu art. 35º (Registo na acta do voto de vencido), o qual estipula no nº 1 que “Os membros do órgão colegial podem fazer constar da acta o seu voto de vencido, enunciando as razões que o justifiquem”. Por sua vez, o nº 2, estabelece: “Aqueles que ficarem vencidos na deliberação tomada e fizerem registo da respetiva declaração de voto na acta ficam isentos da responsabilidade que daquela eventualmente resulte”. Finalmente, o nº 3, dispõe: “Quando se trate de pareceres a dar a outros órgãos administrativos, as deliberações são sempre acompanhadas das declarações de voto apresentadas”.

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