Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

1/21/2022

Impugnações fora da alçada dos Julgado de Paz

Os condóminos podem recorrer aos Julgados de Paz para impugnarem as deliberações contrárias à lei porquanto o requerimento enquadra-se no diploma das atribuições dos mesmos, desde que o conteúdo das deliberações não exceda o valor da competência que lhes é atribuída.

Importa ressalvar que o valor da causa é fixado nos Julgados de Paz nos precisos termos do CPC aplicável por remissão do art. 63º da Lei dos Julgados de Paz. Assim, dispõe o art. 296º nº 1 do CPC que “a toda causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.

Resulta assim do citado preceito que a “utilidade económica” imediata do pedido, expressa em dinheiro, constitui o critério geral para a determinação do valor da causa. Lebre de Freitas (in “Código de Processo Civil anotado, vol. I, pág. 543) escreve que há, porém, que ter em conta que o pedido se funda sempre na causa de pedir, que o explica e o delimita. Dela – conclui aquele Mestre – não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstratamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para apuramento do valor da causa…Tal como o pedido desligado da causa de pedir não basta à determinação do valor da acção, também a causa de pedir, por si, não o determina…”(sublinhado nosso)  

Acresce que o art. 301º também do CPC preceitua que “quando a acção tiver por objecto a apreciação da existência, validade, cumprimento, modificação ou resolução de um acto jurídico, atender-se-à ao valor do ato determinado pelo preço ou estipulado pelas partes”. Por outro lado, o art. 303º do mesmo código estabelece que “as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01”.

Nesta conformidade, caso a deliberação a anular tenha como base a validade da deliberação (por exemplo deliberação estranha à convocatória ou tomada com falta de quórum) ou um interesse não quantificável não nos parece possível fazer intervir o Julgado de Paz. Na verdade, as acções sobre interesses imateriais compreendem as acções cujo objecto não tem expressão pecuniária, as acções cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro (cfr. Alberto dos Reis, «Código de Processo Civil Anotado, I, 3.ª edição, pág. 414»).

Cumpre sublinhar que na nossa jurisprudência verifica-se uma unanimidade no sentido de se considerar que “numa cação em que é pedida a anulação de todas as deliberações tomadas na Assembleia de Condóminos, onde, entre outras, estão em causa questões inerentes à validade da sua convocatória, terá de se entender, para efeitos de atribuição do valor à acção, estarmos face a situação que visa a salvaguarda de valores imateriais, correspondendo-lhe, por isso, o valor de 30.000,01€" (cfr. Ac. da Relação de Lisboa 20-09-2013).

Encontramos na nossa jurisprudência uma situação algo idêntica, reportada a uma acção em que se pedia a anulação de deliberações sociais: «Estando em causa a anulação de deliberações sociais, tomadas em assembleia geral de uma sociedade, com fundamento na falta de qualidade de sócio de um dos presentes nessa assembleia geral, o valor da respectiva acção deve ser fixado de acordo com o disposto no art. 312º do CPC, pois estamos perante uma acção que visa sobre interesses imateriais.» (cfr. Ac. da Relação do Porto de 04-10-2001, Proc. nº 0130793, em que foi Relator o Desembargador, Dr. Camilo Camilo, disponível em www.dgsi.pt ).

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