Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

12/15/2023

Forma da procuração - IV



Por outro lado, como afirma Maria Helena Brito, “O acto de atribuição de poderes é também funcional e estruturalmente independente em relação ao negócio jurídico representativo”(36), isto é, há autonomia do poder de representação face ao negócio jurídico celebrado pelo representante e terceiro. Símbolo desta autonomia é o regime vertido no artigo 259.° do CC:

“1. À excepção dos elementos em que tenha sido decisiva a vontade do representado, é na pessoa do representante que deve verificar-se, para efeitos de nulidade ou anulabilidade da declaração, a falta ou vício da vontade, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio.
2. Ao representado de má fé não aproveita a boa fé do representante.” (itálico nosso)

Em matéria de forma, porém, a regra do CC, ao impor para a procuração a solenidade exigida ao negócio a realizar pelo procurador (cfr. artigo 262.°), constitui excepção à independência do negócio jurídico atributivo do poder de representação relativamente ao negócio principal.

II - Procuração: da sua forma

a) Regra: igualdade de forma entre a procuração e o negócio jurídico representativo

Tendo em conta a independência da procuração relativamente ao negócio representativo, seria de esperar que, no domínio da forma, a regra para aquela fosse a não exigência da solenidade requerida para este. É esta, aliás, a solução vigente nos ordenamentos jurídicos suíço e germânico (37).

No CC português, a opção, porém, foi diversa, consagrando-se, como regra geral, a sujeição da procuração à forma exigida para o negócio principal(38)(39). Dispõe o artigo 262.°, n.° 2:

“Salvo disposição legal em contrário, a procuração revestirá a forma exigida para o negócio que o procurador deva realizar.”

Na base desta previsão legislativa, parece ter estado o pensamento de Vaz Serra: “Mas, se a procuração não é parte do negócio a realizar pelo representante, não estando por isso, como tal, sujeita às formalidades prescritas para este, pode a razão dessas formalidades compreender o acto pelo qual o interessado atribui poderes de representação a terceiro. (…) Se, por exemplo, com a exigência de formalidades, se pretende assegurar a ponderação do interessado, evitando que levianamente realize o negócio em questão, essa finalidade abrange a procuração, que é o único acto em que se manifesta a vontade do interessado.”(40)

Noutros termos: a ratio subjacente à exigência de forma legal para a conclusão de certos negócios jurídicos (v.g. artigos 875.° e 947, n.° 1, do CC e artigo 80.° do Código do Notariado) obriga à adopção de formalismo idêntico pela procuração atributiva de poderes representativos para a celebração destes negócios. De outro modo, as razões de garantia de ponderação das partes, de publicidade e de segurança jurídica que estão na base da necessidade da observância das solenidades para alguns negócios representativos (ditos formais)(41) não seriam salvaguardadas.

Notas:

(36) Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., pág. 124.

(37) Existem, contudo, algumas excepções, legais e jurisprudenciais, ao princípio geral da independência da procuração relativamente ao negócio representativo no domínio da forma, consagrado nos direitos alemão e helvético. Assim, a título de exemplo, “ a jurisprudência do Bundesgericht esclarece que, no caso de o negócio representativo estar sujeito a forma autêntica, a «vontade de representar» do representante deve ser declarada sob a mesma forma.” e a doutrina suíça “informa que o princípio da independência da procuração relativamente ao negócio representativo é em parte contrariado pelos responsáveis pelo registo predial, ao exigirem procuração escrita relativamente aos actos de transferência de propriedade, e que numerosos cantões subordinam a validade dos actos à autenticação da assinatura do autor.” Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., pág. 107.

(38) Em Itália, a simetria formal entre negócio – base e procuração foi também acolhida no CC (artigo 1392.°). Para a indicação da doutrina italiana mais relevante sobre esta questão, vide Pedro de Albuquerque, Ob. cit., pág. 1037.

(39) Nos termos do artigo 268.°, n.° 2, primeira parte, do CC, também “ a ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração”.

(40) Vide Vaz Serra, “ Anotação ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 24-05-1960 (Vaz Pereira)”, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 94, 1961-1962, pág. 184.

(41) Segundo Menezes Cordeiro, as razões de solenidade, de reflexão e de prova, tradicionalmente apontadas como estando na base da forma negocial legalmente exigida “assumem (…) tão-só, uma consistência de tipo histórico: elas [as justificações de determinadas exigências de forma] terão levado o legislador ou, mais latamente, o Direito, a prescrevê-las.” (parêntesis nosso) Vide Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, cit., pág. 569.

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