Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

12/13/2023

Forma da procuração - II


Existem, porém, outras hipóteses de eficácia do negócio em relação ao representado quando haja actuação sem poder de representação. De facto, a actuação do representante depois da modificação ou cessação duma procuração pode exigir a tutela da confiança de terceiros que com ele mantenham relações jurídicas. Dispõe, por isso, o art. 266° do CC:

“1—As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio.
2—As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que sem culpa as tenha ignorado.”

Por outro lado, no caso de abuso de representação(11), quando a contraparte não conheça nem deva conhecer a falta de poderes do representante, o negócio produz efeitos relativamente ao representado (cfr. art. 268° e 269° (12) do CC).

Pelo contrário, nas situações em que a falta de poderes do representante resulta da falta de uma procuração, porque este nunca teve legitimação representativa, não é aplicável o artigo 266.° do CC, acima transcrito, nem parece justificar-se a protecção de terceiro mediante a eficácia do negócio na esfera jurídica do representado.

Na verdade, cabe ao terceiro exigir ao representante a justificação dos seus poderes (cfr. art. 260° do CC(13)), pelo que, fora dos casos excepcionais configuradores de um abuso do direito, não parece haver razões convincentes para a tutela daquele(14).

Em matéria de representação aparente, não se pode, contudo, olvidar o disposto no art. 23°, n° 1, do DL n° 178/86, de 3 de Julho, diploma regulador do contrato de agência(15):

“1—O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro.”

De acordo com este preceito, a existência de circunstâncias objectivas que fundem uma aparência de representação, aliada à condição subjectiva da actuação do representado, justificam a tutela da confiança da contraparte e a eficácia do negócio perante o representado-principal.

Embora não nos pareça que o dispositivo em análise consagre um princípio geral de relevância da aparência, concordamos com Maria Helena Brito, segundo a qual “a situação objectiva geradora de confiança imputável ao pretenso representado – a aparência de poder de representação do pretenso representante – pode surgir no âmbito de outras relações contratuais, como no contrato de trabalho e, em geral, sempre que se confie a execução de determinadas tarefas a outrem.” Afirma, por isso, a autora: “Somos assim conduzidos à conclusão de que a aplicação do regime estabelecido pelo art. 23° do DL n° 178/86 se justifica especialmente no âmbito dos contratos de cooperação ou até, de modo mais rigoroso, no âmbito dos contratos de cooperação auxiliar, de que o contrato de agência constitui, nesta matéria, o paradigma, por razões que se prendem com o momento em que foi legislativamente regulado.”(16)

Notas:

(11) Segundo Menezes Cordeiro, o abuso de representação “traduz a situação na qual os poderes efectivamente existentes sejam superados pelo acto praticado. Ele é equiparado à representação sem poderes da qual é, no fundo, apenas uma modalidade. (…) Em termos mais gerais, o abuso de representação vem a ser o exercício dos inerentes poderes em oposição com a relação subjacente.” Vide Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil…”, cit., págs. 418 e 419.

(12) Estipula o art. 269° do CC: “O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso.”

(13) O art. 260° do CC reza o seguinte:
“1—Se uma pessoa dirigir em nome de outrem uma declaração a terceiro, pode este exigir que o representante, dentro de prazo razoável, faça prova dos seus poderes, sob pena de a declaração não produzir efeitos.
2—Se os poderes de representação constarem de documento, pode o terceiro exigir uma cópia dele assinada pelo representante.”

(14) Neste ponto, seguimos a posição de Menezes Cordeiro, o qual não admite, perante os dados do Direito português, a “procuração tolerada” nem a “procuração aparente”. Vide Menezes Cordeiro, “A Representação no Código Civil…”, cit., págs. 414-416. Também Heinrich Ewald Hörster considera estas figuras de difícil aceitação no direito português “devido ao disposto no art. 457.° CCiv.” Vide Heinrich Ewald Hörster, Ob. cit., pág. 484.
Mota Pinto, por seu lado, afirma poder justificar-se a protecção do terceiro na “procuração por tolerância”, embora lhe ofereça mais dificuldades a vinculação do representado nas hipóteses de mera “procuração por aparência”. Vide Carlos Alberto da Mota Pinto, Ob. cit., pág. 551.

(15) Sobre o art. 23° do DL n° 178/86, vide António Pinto Monteiro, Contrato de Agência-anotação, 5.ª edição, Coimbra, 2004, págs. 109-110 e Paulo Mota Pinto, “Aparência de poderes de representação e tutela de terceiros. Reflexão a propósito do artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 178/86, de 3 de Julho”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, volume LXIX, 1993, pág. 587 e seguintes.

(16) Vide Maria Helena Brito, Ob. cit., págs. 138-139.

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