Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

14 dezembro 2024

Garantia dos bens imóveis

Com a entrada em vigor do DL nº 84/2021, de 18 de Outubro (todos os preceitos havidos no presente escrito, salvo indicação diversa, reportam-se a este diploma) foi reforçado o direito dos condóminos caso ocorra uma falta de conformidade nos bens imóveis, alargando-se para 10 anos o prazo de garantia dos mesmos no que respeita à falta de conformidade relativa a elementos construtivos estruturais, mantendo-se contudo o actual prazo de 5 anos quanto às restantes faltas de conformidade.

Estão aqui em causa os contratos de compra e venda havidos celebrados entre o promitente-vendedor (profissional) e o promitente-comprador (consumidor) que tenham por objecto a transmissão de prédios urbanos para fins habitacionais, entendendo-se como tais todos os edifícios incorporados no solo, com os terrenos que lhes sirvam de logradouro, sendo partes integrantes todas as coisas móveis ligadas materialmente aos prédios com um carácter de permanência.

Nesta conformidade, o "profissional" é qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que actue, inclusivamente através de qualquer outra pessoa em seu nome ou por sua conta, para fins relacionados com a sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional, no que respeita aos referidos contratos, ao passo que o "consumidor" é a pessoa singular que, nos mesmos contratos, actue com fins que não se incluam no âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional (cfr. art. 2º).

De acordo com o disposto no citado diploma legal, o referido profissional terá que responder perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista aquando da entrega do bem imóvel ou se manifeste no prazo de 10 anos, relativamente a quaisquer faltas de conformidade inerentes aos elementos construtivos estruturais, e de 5 anos, relativamente às restantes faltas de conformidade (cfr. art. 23º).

Importa salientar que os prazos suspendem-se a partir da data da comunicação da falta de conformidade pelo consumidor ao profissional e bem assim durante o período em que o consumidor estiver privado do uso do bem (cfr. nº 2 do art. 25º). A falta de conformidade que se manifeste naqueles prazos presume-se existente aquando da entrega do bem imóvel, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade (cfr. nº 4 do art. 24º).

Presume-se que os bens imóveis não estão conformes com o contrato caso:
  • não estejam conformes com a descrição que deles é feita pelo profissional ou não possuam as qualidades do bem que o profissional tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo (cfr. al. a) do art. 22º);
  • não sejam adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine, desde que o profissional tenha sido informado de tal uso aquando da celebração do contrato e o tenha aceite (cfr. al. b) do art. 22º);
  • não sejam adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo (cfr. al. c) do art. 22º); ou ainda,
  • quando não apresentem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo profissional, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade (cfr. al. d) do art. 22º).
De observar que as características de qualidade, segurança, habitabilidade, protecção ambiental e de funcionalidade que os bens imóveis devem apresentar, de modo a assegurar a aptidão dos mesmos ao uso a que se destinam durante o seu período de vida útil, são descritas na ficha técnica da habitação (cfr. nº 1 do art. 22º).

No entanto, importa ressalvar que não se considera existir falta de conformidade, caso o consumidor tivesse conhecimento da mesma aquando da celebração do contrato, não a pudesse razoavelmente ignorar ou se aquela decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor (cfr. nº 4 do art. 22º).

Assim, em caso de falta de conformidade, o consumidor tem direito a que esta seja reposta, a título gratuito, por meio de reparação ou de substituição, à redução proporcional do preço ou à resolução do contrato (cfr. nº 1 do art. 24º). 

Há que atentar que estes direitos caducam decorridos três anos a contar da data da comunicação da falta de conformidade e transmitem-se ao terceiro adquirente do bem imóvel a título gratuito ou oneroso (cfr. nº 1 do art. 25º), sendo que o prazo de caducidade suspende-se desde a data de comunicação da falta de conformidade ao profissional até à conclusão das operações de reparação ou substituição e durante o período temporal em que durar a tentativa de resolução extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao profissional ou ao produtor (cfr. nº 2 do art. 25º).

Mais, a reparação ou substituição deve ser realizada dentro de um prazo razoável, tendo em conta a natureza da falta de conformidade, sem grave inconveniente para o consumidor (cfr. nº 3 do art. 24º), caso contrário, o profissional pode incorrer na prática de uma contraordenação económica grave, punível nos termos do art. 48º do Regime Jurídico das Contraordenações Económicas.

Cabe, pois, ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC, I.P.), fiscalizar e instruir os respetivos processos por contraordenação, competindo ao presidente do seu conselho diretivo aplicar as respetivas coimas e demais sanções acessórias (cfr. art. 47º).

Acresce sublinhar que são ainda incorporadas as soluções, já constantes do actual regime legal, sobre a possibilidade de o consumidor exercer os direitos de reparação e substituição do bem em caso de falta de conformidade directamente perante o produtor - salvo se tal se manifestar impossível ou desproporcionado, tendo em conta o valor que o bem teria se não existisse falta de conformidade, a importância desta e a possibilidade de ser encontrada uma solução alternativa sem grave inconveniente para o consumidor -, bem como a respeito do direito de regresso do profissional perante uma pessoa em estágios anteriores da cadeia contratual, quando esta seja responsável perante uma falta de conformidade (cfr. art. 41º e 42º).

Este diploma visa assim reforçar, assim, os direitos dos consumidores na compra e venda de bens imóveis, mas também na compra e venda de bens móveis e de conteúdos e serviços digitais, procedendo à transposição para a ordem jurídica interna das Directivas (UE) 2019/771 e 2019/770.

No entanto, o citado diploma legal só se aplica aos imóveis adquiridos depois de 1 de Janeiro de 2022, para os quais, a garantia dos elementos construtivos estruturais é de 10 anos. Nas casas compradas até essa data, a garantia continua a ser de 5 anos.

O que são elementos construtivos estruturais?

Estabelece-se no nº 5 do art. 23º que o governo poderá aprovar, por portaria, uma lista exemplificativa dos elementos construtivos estruturais dos bens imóveis. Enquanto se aguarda pela mesma, temos uma lista com as designações técnicas dadas pelo despacho normativo 9/2014 de 31 de Julho.

São as partes resistentes fundamentais da construção que suportam os esforços a que a mesma está sujeita, funcionando em conjunto e sendo objecto de projecto específico. São elementos que comprometem a estabilidade da construção e, por vezes, não estão visíveis e/ou acessíveis.

Por meio de cálculos precisos realizados por engenheiros civis, os elementos estruturais irão servir de base e estrutura para o desenvolvimento da construção de forma que não ocorram incidentes durante ou após o término da empreitada.

Consideram-se, como tais: 
  • As fundações directas (sapatas, lintéis de fundação, ensoleiramentos, poços de fundação, etc);
  • As fundações indirectas (estacas, maciços de encabeçamento, microestacas, etc);
  • As estructuras de contenção (estacas-prancha, paredes moldadas, muros de berlim, muros de munique, etc);
  • As super-estructura (pilares, lajes, vigas, paredes resistentes, etc);
  • Os sistemas de pré-esforço;
  • Os elementos da estructura da cobertura (madres, travessas, etc);
  • A estrutura metálica, estrutura de madeira, estrutura de pedra, estrutura mista.
E elementos construtivos não estruturais?

São as partes não resistentes da construção suportadas pelos elementos estruturais, com funcionalidades diferenciadas, sendo geralmente definidas no projecto de arquitectura. São elementos que não comprometem a estabilidade da construção, sendo normalmente visíveis ou de fácil acesso.

Os elementos estruturais servem como base para os elementos não estruturais.

Consideram-se como tais:
  • As paredes não resistentes;
  • Os elementos de cantaria;
  • Os isolamentos e impermeabilizações (isolamentos térmicos, impermeabilização da cobertura, etc);
  • Os acabamentos e revestimentos (betonilha, pintura, azulejo, telha, etc);
  • Os caixilharia (porta, janela, etc);
  • Os dispositivos de protecção (vedações, guardas de segurança, portões, etc).
Hão ainda mais bens que integrando o imóvel, têm uma garantia de 5 anos, como no caso das instalações eléctricas, telecomunicações, canalizações, louças sanitárias, mobiliário de cozinha e outros bens do mesmo género, ou seja, todo o tipo de bens que não sendo estruturais, fazem parte da habitação.

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