Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

29 maio 2025

Uso da coisa comum


Nos termos do art. 1406.° do Código Civil, "Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros consortes do uso a que têm direito."

Na ausência de qualquer acordo, qualquer consorte pode utilizar a coisa, dentro dos fins a que se destina e sem privar os demais dessa utilização. Essa utilização pode ser exercida quanto á totalidade da coisa, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz.

Por outro lado, a estatuição do art. 1403º, nº 2, do CC, referindo os direitos dos consortes como qualitativamente iguais, pese embora a diferença quantitativa, afasta a ideia de uma unidade do direito, com pluralidade de titulares. A compropriedade tem a natureza de um direito único com pluralidade de titulares, qualitativamente idêntico, mesmo quando quantitativamente distinto.

Em consequência, deve entender-se a faculdade de uso da coisa por cada consorte como referindo-se à coisa em si mesma, na sua totalidade, independentemente da dimensão quantitativa que a quota traduz. Porém, tal direito, tem a limitação legal de não privação do uso pela outra consorte.

Deve entender-se que esta privação do uso tem carácter abstracto, decorrendo da consideração da própria natureza da coisa em conjunção com a utilização a que se destina, ou que tem carácter concreto, decorrendo de uma impossibilidade de utilização efectiva e concretamente pretendida pelo outro consorte?

Ou seja, deve considerar-se que, na falta de acordo, a utilização por um consorte de uma coisa que não permite a utilização simultânea pelos demais implica a privação do uso por estes?

Ou, pelo contrário, mesmo neste caso, só se verificará a privação se em concreto o consorte não utilizador pretender utilizar, vendo-se impedido de o fazer, pela utilização dada pelo consorte utilizador?

A primeira solução, implicaria a derrogação do regime art. 1406º, do CC, quanto às coisas que apenas permitissem o uso exclusivo por um dos consortes, instituindo a obrigação do gozo indirecto e impossibilitando o gozo directo.

É essa a solução quando haja desacordo, mas não parece que seja quando o acordo falte no sentido de nada ter sido estabelecido. A tal se parecendo referir a expressão «falta de acordo» utilizada pelos Autores citados no inciso acima transcrito. O acórdão do STJ de 15 de Fevereiro de 2007, proferido no processo 06B4630 (Cons. Bettencourt de Faria), embora possa inculcar a defesa de posição diversa da defendida, fá-lo fundando-se numa situação de colisão de direitos nos termos do art. 335º, do CC, de que o art. 1406º, nº 1, é exemplo. Porém, a colisão de direitos tem de ver-se não em abstracto, mas na dinâmica concreta do seu exercício.

É nesta concretização da faculdade de usar que se afigura que os Professores Pires de Lima e Antunes Varela exprimem a diferença entre os regimes português e italiano: «o segundo limite do uso da coisa pelo comproprietário é ditado pela necessidade de facultar aos outros consortes a possibilidade de igualmente se serviram dela (…).

A restrição só funciona, porém, em relação às utilizações da coisa que os outros comproprietários possam fazer ou tenham necessidade de fazer. (…) Neste aspecto afigura-se mais feliz a fórmula do Código português, falando no uso a que os outros consortes têm direito (sendo certo que a existência do direito pressuporá, neste caso, a existência da necessidade correspondente), do que a do art. 1102º do Código italiano, que alude à necessidade de o uso feito por um dos consortes não impedir os outros participantes de usarem igualmente a coisa» (sublinhado nosso).

Do que decorre a licitude da utilização exclusiva da coisa em compropriedade por um dos consortes, mesmo quando a coisa não seja susceptível de utilização simultânea por todos. Aliás, tal ocorrerá, na generalidade dos casos, quando apenas um consorte estiver interessado no gozo directo e nenhum dos outros esteja interessado num gozo indirecto a que aquele obste, sem que nada tenha sido em concreto estipulado.

Refere a esse respeito o Professor Carvalho Fernandes: «como é evidente, os problemas surgem, quanto a este limite, nos casos em que não se mostre praticável um fraccionamento do uso. Suponha-se uma situação de compropriedade que tenha por objecto uma fracção autónoma e esta não permita o uso simultâneo de todos os comproprietários. Na falta de acordo, as alternativas são as de não permitir o uso de qualquer dos comproprietários e a de encontrar uma solução sucedânea da prevista na lei. Poderia ela ser a de o comproprietário, que venha a ter o uso exclusivo, compensar os demais pelo valor do uso que exceda a sua quota. Do ponto de vista económico-social, afigura-se-nos ser esta uma solução acertada».

Nessa situação, embora o gozo pelos demais consortes não seja materialmente possível, os mesmos não estão dele privados porque não o pretendem em concreto exercer e enquanto tal se verificar. Caso o pretendam, podem fazer cessar de imediato a utilização exclusiva, pela declaração dessa pretensão; quando a mesma não seja acatada, cessa a licitude da utilização, na medida em que passa a ocorrer

A privação da utilização pelos demais consortes tem de ser apreciada em concreto e não em abstracto pela mera consideração da natureza ou fins a que a coisa se destina; quando assim não fosse, ficaria derrogado o regime do art. 1406º, nº 1, quanto às coisas que apenas permitam o uso exclusivo, impossibilitando o gozo directo por qualquer dos comproprietários.

A restrição a que a norma alude, deve ser apreciada em concreto, cabendo ao consorte não utilizador alegar e demonstrar a privação do uso concreto da coisa. Caso contrário, a mera falta de estipulação consensual poderia privar todos os consortes do uso da coisa em benefício de nenhum deles, pois até o uso indirecto poderia estar vedado; o que, do ponto de vista socioeconómico seria absurdo, podendo até constituir abuso de direito.

A colisão de direitos nos termos do art. 335º, do CC, de que o art. 1406º, nº 1, é uma sub-espécie, tem de ver-se não em abstracto, mas na dinâmica concreta do seu exercício.

26 maio 2025

Prazo de caducidade de impugnação


Tribunal: TRL
Processo: 9684/22.8T8LSB.L1-6
Relator: Eduardo Petersen Silva
Data: 28-09-2023

Descritores:
  • Acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos
  • Prazo de caducidade
  • Início do prazo
Sumário:

Conta-se desde a data da deliberação, tanto para os condóminos presentes na assembleia quanto para os ausentes, o prazo de caducidade do direito de acção de anulação da mesma deliberação.

Texto integral: vide aqui

19 maio 2025

Assembleia de comproprietários


Nos termos do art. 1403º, nº 1, do CC, há compropriedade quando duas ou mais pessoas detêm simultaneamente direito de propriedade sobre uma mesma coisa. A compropriedade define-se como uma situação de titularidade conjunta e simultânea de direitos, reais ou não, iguais sobre uma coisa.

De acordo com a concepção dominante na doutrina portuguesa (cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid iuris, Lisboa, p. 352), a compropriedade é um conjunto de direitos, coexistindo sobre toda a coisa e não sobre qualquer realidade imaterial ou ideal (quota) nem sobre uma parte da coisa.

Sendo esses direitos qualitativamente iguais, tal implica que se autolimitam, na medida em que o exercício de cada um, terá de se fazer sem prejuízo de um exercício equivalente dos demais (Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, p. 352).

Enquanto o direito subjetivo tem uma natureza singular porque ligado à realização de interesses de pessoa determinada, a compropriedade consiste num conjunto de direitos de propriedade sobre uma mesma coisa e autolimitados, com a particularidade de que cada um dos direitos incide sobre a coisa comum e não se refere a uma parte específica.

Neste sentido se tem também orientado a jurisprudência (cfr. Ac. STJ, de 15-02-2007, proc. n.º 06B4630): «I - Os comproprietários, sendo iguais as respectivas quotas, usufruem a coisa objecto da compropriedade de modo igual, o que significa que o gozo de cada um tem de ser limitado por forma a obter essa igualdade - arts. 1405.º, n.º 1, e 1406.º, n.º 1, do CC.
II - No entanto, é lícito a cada um deles servir-se da totalidade dessa coisa, desde que não prive os restantes consortes do uso a que têm direito».

O comproprietário exerce, conjuntamente com os outros, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular. Quanto ao modo do seu exercício, a lei identifica três modalidades diferentes: poderes de exercício isolado, poderes de exercício maioritário e poderes de exercício unânime (cfr. Mota Pinto, Direitos Reais (Segundo as prelecções do Prof. Doutor C. A. da Mota Pinto ao 4.º ano jurídico de 1970-71), Almedina, Coimbra, pp. 260 e ss).

Cada um dos comproprietários, seja qual for a sua quota, de acordo com o princípio da solidariedade, detém o poder de utilização da coisa na sua totalidade. Contudo, o comproprietário não pode afectar a coisa a fim diferente daquele a que ela se destina e não pode impedir os demais de fazer da coisa o uso a que também tenham direito. A doutrina designa estes poderes como poderes de exercício isolado. Esta possibilidade de uso integral da coisa tem, contudo, natureza suplectiva, e pode ser derrogada por acordo dos interessados. Os limites ao exercício deste direito resultam, portanto, de acordo entre os interessados no título constitutivo ou de acordo posterior, em que se disciplina o poder de uso da coisa, por exemplo, através de uma divisão material do gozo da coisa ou através de uma divisão temporal ou por turnos. Já os poderes de alienação ou oneração da coisa comum ou de parte específica dela são poderes de necessário exercício unânime, ou seja, só com o consentimento dos restantes pode qualquer comproprietário praticar esses actos (art. 1408º, nº 2, do CC).

Ao lado destes poderes, de exercício isolado ou de exercício unânime, há poderes de exercício maioritário, que estão subordinados à vontade da maioria dos consortes. É o caso dos poderes de administração da coisa comum, regulados no art. 1407º do CC, e que abrangem os atos de fruição da coisa comum, da sua conservação ou beneficiação, e ainda, os atos de alienação de frutos, bem como o poder de os comproprietários nomearem um ou vários deles como administradores da coisa comum ou de criarem para o efeito, órgão próprio – v. Carvalho Fernandes, ob. cit., p. 362)

O art. 1407º do CC, que regula a administração da coisa, remete para o art. 985º do mesmo diploma legal, preceito que tem a sua localização sistemática no capítulo III (Sociedade) do Livro do Direito das Obrigações, secção II (Relações entre os sócios), e que se refere à administração das sociedades civis.

Dispõe o artigo 1407º do Código Civil:

1. É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações, o disposto no artigo 985.º; para que haja, porém, a maioria dos consortes exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade do valor total das quotas.
2. Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de equidade.
3. Os atos realizados pelo comproprietário contra a oposição da maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável pelo prejuízo a que der causa.

Por sua vez, o artigo 985.º, com a epígrafe, “Administração”, dispõe o seguinte:

1. Na falta de convenção em contrário, todos os sócios têm igual poder para administrar.
2. Pertencendo a administração a todos os sócios ou apenas a alguns deles, qualquer dos administradores tem o direito de se opor ao ato que outro pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição.
3. Se o contrato confiar a administração a todos ou a vários sócios em conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser tomadas por maioria.
4. Salvo estipulação noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna os sufrágios de mais de metade dos administradores.
5. Ainda que para a administração em geral, ou para determinada categoria de atos, seja exigido o assentimento de todos os administradores, ou da maioria deles, a qualquer dos administradores é lícito praticar os atos urgentes de administração destinados a evitar à sociedade um dano iminente.

Ora numa interpretação conjugada dos art. 1407º e 985º, nºs 1 e 2, ambos do CC, conclui-se que “(…) todos os comproprietários têm igual poder de administração da coisa comum e o afastamento desta regra apenas pode ter lugar com o acordo de todos os comproprietários”. (…) Assim sendo, não existindo qualquer acordo entre os comproprietários quanto à administração da coisa comum, terá de prevalecer a regra estabelecida nos art. 1407°, n° 1 e 985°, n° 1 do CC, que atribui igual poder de administração aos comproprietários.

Os poderes da administração concentram-se integralmente em cada um dos administradores, podendo estes individualmente praticar os actos de administração, sem necessidade do consentimento nem sujeição às diretivas dos outros”, daí extraindo a exigência de unanimidade dos consortes como condição de validade da deliberação em litígio, que confere os poderes de administração a dois dos comproprietários. Com efeito, “Assim sendo, afigura-se correcto afirmar que todos os comproprietários têm igual poder de administração da coisa comum e o afastamento desta regra apenas pode ter lugar com o acordo de todos os comproprietários” (acompanhamos Ac. anterior).

Todavia, a regra, segundo a qual, a administração cabe por igual, a todos os consortes, consagrada no nº 1 do art. 985º do CC, para além de ser temperada pelo direito de oposição conferido a todos os outros consortes e pela atribuição à maioria do poder de decidir o conflito (art. 985º, nº 2, do CC), não é um princípio de ordem pública e cede perante convenção dos consortes, em sentido contrário, tomada por maioria, nos termos da lei. Desde logo, esta norma pode ser derrogada, nos termos do nº 3 do art. 985º, que permite que os consortes estabeleçam a administração conjunta dos bens por todos ou vários sócios, prevendo que as deliberações sejam tomadas por maioria, regra que deve aplicar-se também à designação dos consortes a quem são atribuídos os poderes de administração.

O art. 985º do CC deve assim ser lido como determinando que, havendo convenção em contrário, os comproprietários podem atribuir o poder para administrar a coisa comum apenas a um, ou a vários consortes, desde que representem a maioria quantitativa e qualitativa.

A interpretação, segundo a qual o princípio da administração disjunta veda a atribuição, por maioria, de poderes de administração a vários comproprietários, com exclusão dos demais, contraria o elemento gramatical de interpretação, bem como a ratio legis das normas constantes dos art. 1407º e 985º, destinadas a agilizar a administração dos bens e a prevenir conflitos. Até porque o princípio da administração disjunta, que atribui por igual poderes de administração a todos os comproprietários, não é um princípio de natureza imperativa ou inderrogável, não lhe correspondendo qualquer interesse público.

Como afirmam Pires de Lima/Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra editora, 1987, p. 361), “A natureza suplectiva atribuída, pelo artigo 985.º, ao princípio do igual poder de administração dos consortes mostra, não só que os interessados podem regular em termos diversos a administração da coisa comum, mas também que é renunciável o poder atribuído a cada um dos comproprietários”.

No caso da compropriedade, a maioria exigida determina-se segundo um critério diferente do que vigora para o contrato de sociedade (art. 1407º, nº 1, do CC). Não basta o critério pessoal da maioria per capita, exigindo a lei também o elemento real, constituído pelo valor das quotas, ou seja, a maioria dos consortes deve representar, pelo menos, metade do valor das quotas (não é necessária a maioria do valor). Da conjugação do regime específico do nº 1 do art. 1407º com o art. 985º, ambos do CC, resulta que as deliberações da assembleia de comproprietários devem ser tomadas por maioria, desde que votem no mesmo sentido mais de metade dos consortes e desde que estes representem, pelo menos, metade do valor das quotas. 

Por último, deve afirmar-se não ter a deliberação controvertida nestes autos a natureza de regulamento da administração da coisa comum com natureza real, que, por isso, carece do acordo de todos os comproprietários e de inscrição no registo para ser eficaz em relação a terceiros (cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Direitos Reais, 5.ª edição, Coimbra Editora, 1993, p. 268 e Pires de Lima/Antunes Varela, ob. cit., 361).

A tese, a nosso ver, sem fundamento legal, de que as deliberações da assembleia de comproprietários relativas à administração da coisa comum (em que se inclui o poder de designar os administradores) sejam aprovadas, por unanimidade dos consortes, tem efeitos práticos que julgamos preversos, na medida em que permite a um dos comproprietários boicotar o exercício de poderes de administração nos termos decididos pela maioria, correndo-se o risco de paralisação da exploração dos bens, resultado que o legislador não deseja.

Além de não ter respaldo na lei, a tese da unanimidade fomenta a perpetuação do conflito entre os comproprietários e aumenta, desnecessariamente, o recurso ao tribunal, tornando praticamente inviável a administração de qualquer acervo comum de bens, na medida em que dá um direito de veto a um só comproprietário que não concorde com a deliberação da maioria.

A interpretação das normas jurídicas aplicáveis, os art. 1407º e 985º do CC, indica que a regra, segundo a qual a administração cabe por igual, a todos os comproprietários, não é um princípio de ordem pública e cede perante convenção dos consortes, em sentido contrário, tomada por maioria nos termos da lei, porquanto da conjugação do regime específico do nº 1 do art. 1407º com o art. 985º, ambos do CC, resulta que as deliberações da assembleia de comproprietários devem ser tomadas por maioria, desde que votem no mesmo sentido mais de metade dos consortes e desde que estes representem, pelo menos, metade do valor das quotas.

Conflitos nos condomínios vão passar pela arbitragem


O Ministério da Justiça está a desenvolver um plano estratégico de resolução alternativa de litígios, alargando as matérias que podem ser julgadas pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) ao invés dos tribunais judiciais. Uma das matérias que pode passar a ser resolvida com recurso à arbitragem são os litígios com condomínios.

O Governo está a preparar o Plano Estratégico Nacional para os Meios de Resolução Alternativa de Litígios (RAL), cujas linhas gerais deverão estar prontas até ao final deste ano. No início de 2025, deverão avançar as primeiras iniciativas legislativas para avançar com este plano, adiantou a secretária de Estado da Justiça, Maria José Barros, citada pelo Jornal de Negócios.

Em concreto, este plano pretende alargar o número de matérias que podem ser tratadas por meios alternativos de resolução de litígios, nomeadamente através da arbitragem. Uma destas matérias passa pelos litígios resultantes de relações de condomínios, em prédios em propriedade horizontal ou relações entre senhorios e inquilinos. Estes conflitos nos condomínios poderão vir a ser resolvidos com recurso à arbitragem, em alternativa aos tribunais, refere a notícia.

“Queremos ter meios alternativos de resolução de litígios que sejam complementares e que permitam de facto contribuir para uma justiça mais próxima, mais célere e mais acessível aos cidadãos”, disse ainda Maria José Barros ao mesmo meio. Além dos litígios dos condomínios, a ideia do Governo é que a arbitragem passe também a resolver conflitos na área da educação, saúde, e nos transportes e aviação.

Artigo visto em (Jornal de Negócios)

16 maio 2025

Inconstitucionalidade da norma do art. 1433º/4


Processo n.º 441/2010
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro

Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do STJ, em que é recorrente A. e recorrida a Administração do Condomínio do prédio sito na …, n.º .., na Amadora, foi interposto recurso de constitucionalidade da sentença daquele Tribunal, para apreciação da inconstitucionalidade da norma do art. 1433º, nº 4, do CC, na interpretação segundo a qual «o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente, comunicação essa, aliás, obrigatória nos termos do art. 1432°, nº 6, do mesmo diploma», por violação dos art. 2º, 13º e 20º da CRP.

2. O recorrente apresentou alegações onde conclui o seguinte:

«1- O acórdão recorrido faz uma interpretação desconforme com a Constituição do normativo inserto na parte final do art. 1433º, nº 4, do CC, ao afirmar que o prazo para e condómino ausente impugnar deliberação da assembleia de condóminos se conta a partir da data da deliberação, mesmo para os condóminos ausentes e independentemente do conhecimento das deliberações.

2- A obrigatoriedade de comunicação acta da assembleia ao condómino ausente, que impende sobre o administrador do condomínio, destina-se a dar conhecimento das deliberações ao condómino ausente para que possa exercer os direitos que a lei consagra, designadamente o direito de impugnar as deliberações ilegais não havendo fundamento material bastante para estabelecer uma distinção entre o direito a impugnar a deliberação, por um lado, e os direitos de exigir a convocação de assembleia extraordinária, recorrer a centro de arbitragem ou manifestar a estar sua discordância ou assentimento relativamente a deliberações que exijam unanimidade.

3- Entendimento diverso, ao impor sobre o condómino ausente um ónus de se informar, pelos seus próprios meios, do teor da deliberação da assembleia de condóminos, deixando-o na dependência de terceiros, e criando um regime menos favorável do que vigora para os condóminos presentes, com risco de, sem culpa sua ficar impossibilitado de impugnar uma deliberação ilegal, viola os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da confiança e do acesso aos tribunais, princípios ínsitos na ideia de Estado de Direito Democrático.

4- O prazo de sessenta dias para o condómino ausente impugnar a deliberação da assembleia de condóminos deve ser contado a partir da notificação da deliberação ao condómino ausente.

Normas violadas: artigos 2.º, 13.° e 20.° da Constituição da República.

Termos em que o art. 1433°, n°4, do CC, deve ser julgado materialmente inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido ao dispensar o conhecimento da deliberação para o início da ontem do prazo para instauração da acção de impugnação, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!»

3. O recorrido contra-alegou, concluindo o seguinte:

«Em resumo, dir-se-á que:

Basta estar atento — como atento terá que estar no caso de haver lugar à 2ª reunião da AG, a qual se considera convocada para uma semana depois, na mesma hora e local (nº 4 do art. 1432º do CC) - para não deixar esgotar o prazo de 60 dias a contar da data da deliberação que pretende impugnar (...)” — reitera-se. Porquanto, em relação à caducidade do direito de propor a acção anulatória, deixou de haver distinção entre condóminos presentes e condóminos ausentes” (reitera-se).

Pois, entendimento diverso — no sentido de a contagem do prazo de caducidade da acção anulatória se iniciar só com a comunicação nos termos do nº 6 do art. 1432º do CC — que trata de situações diferentes, propiciará o laxismo, absentismo e a indefinição das questões condóminas, ao contrário do que, naturalmente, é pretendido pela lei e que o legislador pretendeu abolir com a reformulação introduzida em 1994.

O Acórdão recorrido, seguiu na esteira da jurisprudência e doutrina maioritárias, que os condóminos têm de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-las no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação. Não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, regime alterado e reformulado pelo DL 256/4, de 24.10.

O objectivo é claro, e jurisprudencialmente aceite, que a aspiração é: “(...) de se privilegiarem os meios extrajudiciais (a assembleia extraordinária) ou parajudiciais (o centro de arbitragem) para a apreciação e eventual revogação das deliberações anuláveis a que se reporta o nº 1 do art. 1433º, do CC”.

Ao assegurar a defesa dos seus direitos aos condóminos, através quer de meios judiciais, extrajudiciais e parajudiciais, não se observa como pode estar a ser violado o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no art. 20º da CRP.

Os condóminos faltosos terão de cuidar diligentemente de se informar sobre se teve ou não lugar a assembleia e se novo dia foi efectivamente designado e terão, de igual modo, de diligenciar no sentido de conhecerem o teor das deliberações, para, se o desejarem, poderem impugná-lo no prazo dilatado de 60 dias (repare-se que o primitivo prazo de 20 dias foi alargado) sobre a data da deliberação e, não da comunicação da deliberação, como primitivamente se estipulava, mas regime de prazo que foi revogado e sublinhado por outro.

É manifesto, assim, que a impossibilidade de recurso a juízo, com êxito, surgiu como resultado da negligência do recorrente em propor a acção, se bem que por escassos dias, o que se presume que este da lei tinha conhecimento...

Entende o recorrido que deve ser mantida a interpretação, dada ao art. 1433º, nº 4 do CC, no sentido de que o prazo de caducidade para interpor a acção de anulação é de 60 dias para todos os condóminos, sendo o prazo a quo, contado da data da deliberação da assembleia de condóminos, não só porque foi este o teor literal dado pelo legislador ordinário, com pelo facto de esta interpretação não violar nenhum dos preceitos com consagração constitucional e invocados pelo recorrente, nomeadamente os art. 2º, 13º e 20º da CRP, sufragando in totum a interpretação da lei feita pelo STJ e constante do aresto.

Nestes temos, há que concluir pela não inconstitucionalidade:

a) Da parte final do n2, do artigo 1433. do Código Civil; ou,

b) Do referido art. 1433/2, por não ser materialmente inconstitucional na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido, quando consagra que a contagem do prazo para a instauração da acção de anulação, se conta da data da deliberação, negando-se assim provimento ao recurso, com o que se fará como sempre a costumada

JUSTIÇA!»

II − Fundamentação

4. O art. 1433º do CC, com a redacção que lhe foi dada pelo DL 267/94, de 25/10, estabelece o seguinte:

«Artigo 1433.º
(Impugnação das deliberações)

1. As deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado.
2 - No prazo de 10 dias contado da deliberação, para os condóminos presentes, ou contado da sua comunicação, para os condóminos ausentes, pode ser exigida ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária, a ter lugar no prazo de 20 dias, para revogação das deliberações inválidas ou ineficazes.
3 - No prazo de 30 dias contado nos termos do número anterior, pode qualquer condómino sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem.
4 - O direito de propor a acção de anulação caduca no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária ou, caso esta não tenha sido solicitada, no prazo de 60 dias sobre a data da deliberação.
5. Pode também ser requerida a suspensão das deliberações nos termos da lei de processo.
6. A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.»

Constitui objecto do presente recurso a norma do nº 4 deste preceito legal, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar a acção de anulação de deliberação da assembleia do condomínio é de 60 dias, tanto para a os condóminos presentes como para os ausentes, contando-se o prazo a partir da data da deliberação e não da data da comunicação ao condómino ausente.

Alega o recorrente que fazer coincidir o termo inicial do prazo para o exercício do direito de anulação com a data da deliberação tem como consequência que ao condómino ausente seja coarctado “o direito de impugnar judicialmente a deliberação da assembleia, criando um regime menos favorável ao que vigora para os condóminos presentes”.

O tratamento uniforme, quanto a este ponto, de acordo com a interpretação impugnada, de condóminos presentes e ausentes na assembleia de condomínio corresponde ao teor literal do actual nº 4 do art. 1433º do CC, introduzido pelo DL 267/94, de 25/10. Esta norma veio afastar o anteriormente disposto − desde a redacção inicial do CC – no nº 2 do mesmo artigo, nos termos do qual «o direito de propor a acção caduca, quanto aos condóminos presentes, no prazo de vinte dias a contar da deliberação e, quanto aos proprietários ausentes, no mesmo prazo a contar da comunicação da deliberação.» Isto é, se, quanto à duração do prazo de caducidade, a nova lei o alongou para 60 dias, no que se refere ao início da sua contagem, fê-lo coincidir com a data da deliberação, sem qualquer distinção entre condóminos presentes e condóminos ausentes.

Este último aspecto, e não obstante a enunciação expressa desse termo inicial, suscitou controvérsia interpretativa, sustentando parte da doutrina – cfr. Sandra Passinhas, A assembleia de condóminos e o administrador na propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, 2002, págs. 249-250, n. 626, e Aragão Seia, Propriedade horizontal, 2.ª ed., Coimbra, Almedina, pág. 179 – e da jurisprudência – cfr., por exemplo, o acórdão do STJ, de 21 de Janeiro de 2003 − que, para os condóminos ausentes, releva a data da comunicação, e não a da deliberação.

Excede a competência do Tribunal Constitucional − restrita, no domínio da fiscalização concreta, a decidir, em último recurso, questões de constitucionalidade − pronunciar-se sobre a interpretação que melhor cabe ao segmento normativo em causa, em face dos elementos hermenêuticos disponíveis. O Tribunal é apenas chamado a ajuizar da conformidade constitucional da interpretação efectivamente seguida e aplicada na decisão recorrida. O que, no caso, implica decidir se a contagem do prazo de caducidade de propositura da acção de anulação a partir da data da deliberação e não da sua comunicação aos condóminos ausentes viola ou não algum princípio constitucional ou algum direito constitucionalmente garantido.

5. Para a formulação de um tal juízo, importa ter presente que o DL 267/94 não se limitou, em matéria de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, à alteração assinalada. Na verdade, para além da já anteriormente admitida impugnação judicial, através da competente acção de anulação, aquele diploma consagrou novas vias alternativas de reacção a deliberações inválidas ou ineficazes, por qualquer condómino que não as tenha aprovado. Elas constam, na redacção actual, dos nº 2 e 3 do art. 1433º do CC, conferindo, o primeiro, a faculdade de exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação de tais deliberações, e outorgando, o último, o poder de “sujeitar a deliberação a um centro de arbitragem”.

Para além disso, o art. 1432º passou a integrar, entre outras alterações, uma norma, dispondo que «as deliberações têm que ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias» (nº 6).

Do conjunto destas disposições resulta que, perante uma deliberação anulável, um condómino, para tal habilitado pela não aprovação dessa deliberação, tem, hoje, ao seu dispor, para além da propositura da acção de anulação, outros dois meios de atacar a deliberação: a exigência de convocação de uma assembleia extraordinária e a possibilidade de accionar uma decisão arbitral. E, no caso de um condómino ausente, qualquer dos prazos estabelecidos para estas duas iniciativas – 10 dias, quanto à primeira; 30 dias, quanto à segunda – se conta a partir da comunicação da deliberação – comunicação que, já vimos, deve ser feita por carta registada com aviso de recepção, portanto, com sólida garantia de cognoscibilidade do seu conteúdo, por parte do destinatário. Acresce que, se a deliberação da assembleia extraordinária não for no sentido da revogação da deliberação impugnada, ela pode ser objecto de uma acção de anulação, a propor no prazo de 20 dias contados sobre a deliberação da assembleia extraordinária (1ª parte do nº 4 do art. 1433º). Sublinhe-se, ainda, que a eventual não convocação, pelo administrador, da assembleia extraordinária, é suprível pelo mecanismo geral de recurso, predisposto no art. 1438º do CC, de convocação directa e individual pelo próprio condómino.

Feita a necessária articulação da 2ª parte deste preceito com essas outras disposições do bloco normativo em que está integrada, também relevantes do ponto de vista da satisfação do interesse em impugnar uma deliberação anulável, apura-se um resultado não coincidente com o que obteríamos mediante a leitura isolada daquele segmento normativo. De facto, dado que os prazos de caducidade dos meios alternativos de impugnação só começam a contar da data da comunicação da deliberação, está excluído que o prazo de 60 dias se esgote sem que o interessado já tenha tido, ou venha a ter, uma possibilidade efectiva de reagir judicialmente contra a decisão anulável.

Explicitando melhor. Dado que a comunicação deve ser feita no prazo de 30 dias e os prazos de caducidade previstos no nº 2 e 3 do art. 1433º são substancialmente mais curtos do que o do nº 4, corresponderá à normalidade, se a gestão do condomínio se processar com regularidade, que, no termo daquele período, já tenham também decorrido os prazos de 10 e de 30 dias, a contar da comunicação. Se assim for, já não é exercitável o direito de impugnar, por qualquer das vias previstas. Mas esse resultado não pode ser imputado à falta de garantias de cognoscibilidade da deliberação.

Na hipótese contrária, de, no termo final do prazo de 60 dias, ainda não terem começado a contar ou não terem ainda findado aqueles prazos, devido a omissão de comunicação ou comunicação tardia da deliberação ao condómino ausente, a situação não importa a definitiva preclusão da satisfação do interesse em impugnar, pois subsiste a possibilidade de recurso aos meios alternativos. Na realidade, esse prazo de 60 dias – em face dos termos da estatuição do nº 4 e da sua inequívoca adstrição unicamente ao direito nele previsto − não pode valer, independentemente do que possa ter sido a intenção legislativa, como um prazo-limite objectivo para todas as vias de impugnação, mas apenas o prazo especificamente aplicável à propositura directa da acção de anulação, pelo que o seu decurso total em nada prejudica o exercício do direito de impugnação, pelos meios previstos no nº 2 ou nº 3 do art. 1433º, dentro dos respectivos prazos. E nem sequer importa o afastamento do recurso à via judicial, pois, se o condómino optar pela convocação de uma assembleia extraordinária, a deliberação desta (que, obviamente, recaiu sobre a deliberação primitiva) é anulável judicialmente; se optar pelo recurso a um centro de arbitragem, a decisão arbitral terá, sem mais, a força e produzirá os efeitos de uma decisão judicial (art. 26º, nº 2, da Lei nº 31/86, de 29/08).

Significa isto que o não aproveitamento do prazo de 60 dias, por eventual desconhecimento da deliberação e do seu teor, resultante de não ter sido efectuada comunicação tempestiva dela, não tem como consequência a extinção do direito de impugnar, em juízo, essa deliberação (ou, o que vem dar ao mesmo, a deliberação que não a revogou). Esse direito fica sempre salvaguardado, ainda que já não se possa suscitar directamente a intervenção de uma instância judicial estadual.

Num plano infraconstitucional, é legítimo questionar o bem fundado da indiferenciação de tratamento de condóminos presentes e ausentes, quanto ao início de contagem do prazo de 60 dias para propor a acção de anulação da deliberação, contrariamente ao estabelecido na redacção anterior e ao consagrado nos actuais nº 2 e 3 do art. 1433º, quanto aos prazos aí previstos. Pode, até, suscitar-se dúvidas quanto à coerência interna do sistema, tendo particularmente em conta a obrigatoriedade de comunicação das deliberações aos ausentes. Mas a interpretação normativa contestada não acarreta a perda irremediável do direito dos condóminos ausentes à tutela jurisdicional efectiva do seu interesse em impugnar, nem sequer, a dificultação excessiva do seu exercício.

6. É certo que estes condóminos podem efectivamente vir a dispor de um período de tempo mais curto do que o utilizável pelos condóminos presentes para ponderarem e tomarem uma decisão quanto à impugnação judicial, no caso de só terem tido conhecimento da deliberação, através da comunicação, quando decorrido parte do período de 60 dias. Ou, se não quiserem recorrer a um centro de arbitragem, podem, mesmo, verem-se obrigados, contra a sua vontade, a lançar mão previamente da exigência de convocação de uma assembleia extraordinária, no caso (anómalo, há-de convir-se, e configurando um incumprimento grosseiro do prazo legal) de a comunicação não ser efectuada em tempo útil, antes de extinto aquele prazo.

Mas nenhuma destas desvantagens comparativas é de molde a sobrecarregar o condómino ausente com ónus gravosamente desproporcionados. A convocação obedece à forma de carta registada (nº 1 do art. 1432º) e, pelo menos quando a impossibilidade de comparência pessoal é antecipadamente previsível, o condómino pode fazer-se representar, preservando, assim, as vantagens da participação na assembleia e do conhecimento imediato das deliberações. Se não o fizer, pode ainda diligenciar para obter informações sobre o resultado da assembleia, antes de receber a comunicação na forma legal.

Reconhece-se que o exercício do direito de impugnar com recurso directo a uma acção de anulação pode exigir do condómino ausente uma diligência acrescida, quer na recolha de dados quanto à tomada e ao teor das deliberações, quer, sobretudo, na rapidez das iniciativas a desenvolver com vista à propositura dessa acção. Em casos-limite, pode, até, ver inviabilizado, pelo decurso do prazo, o acesso directo a um tribunal judicial. Mas, resultando a ausência de uma factor da esfera pessoal, e mesmo quando ela não proceda de desinteresse ou incúria, mas antes de uma razão objectivamente justificativa, não se afigura que o princípio da igualdade imponha ao legislador medidas legais compensatórias, de forma a colocar o ausente, em todos os planos e para todos os efeitos, exactamente na mesma posição do condómino presente.

Em último termo, o condómino ausente tem sempre garantido, em qualquer circunstância, o que é essencial: uma oportunidade efectiva em exercitar o seu direito de impugnar, com garantia de intervenção, ainda que em via de recurso, de uma instância judicial.

III − Decisão

Pelo exposto, acordam em:

a) Não julgar inconstitucional a norma do art. 1433º, nº 4, do CC, quando interpretada no sentido de que o prazo para intentar acção de anulação de deliberação do condomínio é de sessenta dias, indistintamente quer para condóminos presentes, quer para os ausentes, a partir da data da deliberação, e não da data da comunicação ao condómino ausente;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 UC.

Lisboa, 9 de Dezembro de 2010.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Catarina Sarmento e Castro – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos.

15 maio 2025

Prazo para impugnar

Tribunal: TRP
Processo: 3528/20.2T8GDM.P1
Relatora: Judite Pires
Data: 15-09-2022

Descritores:
  • Deliberações do condomínio;
  • Impugnação;
  • Prazo;
  • Contagem.
Sumário:

I - Do confronto entre a primitiva e a actual redacção do artigo 1344.º do Código Civil, resulta da versão vigente que é de 20 dias ou 60 dias o prazo para os condóminos impugnarem as deliberações, contados, respectivamente, da deliberação da assembleia extraordinária, ou, caso não tenha sido solicitada, da data da deliberação.
II - Os prazos em causa aplicam-se independentemente de os condóminos terem estado presentes ou não na assembleia onde foi votada a deliberação, e o prazo para interpor acção de anulação da deliberação não depende da comunicação da deliberação ao condómino ausente.

Texto integral: vide aqui


14 maio 2025

Jurisprudência: Terraços


Propriedade horizontal Acção de reivindicação Fracção autónoma Terraços Partes comuns Título constitutivo

I -A fracção A é um pavilhão industrial no rés-do-chão; a fracção B é um pavilhão industrial no 1.º andar do mesmo prédio; o principal pedido da autora é o de que se declare o seu direito de propriedade sobre a totalidade da fracção B e a consequente restituição do terraço que a ré ocupa.
II - Mas, desde logo, não há terraço algum referido como fazendo parte da fracção B; de acordo com o regime legal em vigor ao tempo da constituição da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são, seriam sempre, necessariamente, coisa comum; compropriedade dos condóminos do prédio, como manda o n.º 1 do art. 1420.º do CC.
III - E se é certo que o n.º 3 do art. 1421.º do CC abria a porta para que o bilhete de identidade da propriedade horizontal afectasse um tal terraço ao uso exclusivo de um dos condóminos, ainda assim esse estatuto não faria nascer um direito de propriedade sobre o terraço, mas um outro direito real de gozo -exactamente o direito real de uso; mesmo em termos de puro facto, nos autos não está feita a prova da exclusividade do uso; improcede, pois, a acção.
Revista n.º 217/09 -7.ª Secção Pires da Rosa (Relator) Custódio Montes Mota Miranda

Propriedade horizontal Parte comum Terraços Condomínio

I - O condomínio deve suportar os encargos resultantes da conservação e fruição do terraço enquanto cobertura; o condómino que tem o exclusivo da sua utilização suportará os encargos de conservação e fruição do terraço, enquanto espaço de utilização individualizada.
II - Estando assente que os defeitos do terraço - cobertura da fracção do piso 3.º e de uso exclusivo do condómino do 4.º do piso -, que provocaram os danos sofridos pelo proprietário da fracção do piso 3.º, são defeitos do terraço enquanto cobertura - pois resultaram de deficiências da tela que o revestia -, e não o resultado de uma qualquer utilização daquele por parte do dono da fracção do 4.º piso, forçoso é de concluir que o condomínio é responsável pela reparação dos prejuízos suportados pelo proprietário da fracção inferior.
Revista n.º 3468/06 - 7.ª Secção Pires da Rosa (Relator)Custódio MontesMota Miranda

Propriedade horizontal Condomínio Administrador Obras

I - Em regra, os condóminos não podem fazer obras de reparação e conservação nas partes comuns dos edifícios, salvo se estas se apresentarem indispensáveis e urgentes e, mesmo assim, sempre na falta ou no impedimento do administrador.
II - A recusa do administrador na realização das obras de reparação e conservação legitima a actuação do condómino.
III - São obras de reparação e conservação as que se mostram necessárias para manter em condições de utilização as partes comuns do prédio, quer eliminando defeitos, quer reparando estragos, quer impedindo deteriorações.
IV - Devem ter-se por obras de reparação necessárias e urgentes aquelas que concretamente foram efectuadas pelo autor no terraço de cobertura - parte comum do prédio - e destinaram-se a eliminar um defeito do imóvel que causava infiltrações de água, as quais atingiam a fracção do autor, colocando-a em risco.
Revista n.º 1019/06 - 7.ª Secção Mota Miranda (Relator)Oliveira Barros Salvador da Costa

Propriedade horizontal Parte comum Despesas de condomínio Regra proporcional

I - O que releva é o uso que cada condómino pode fazer das partes comuns, medido em princípio pelo valor relativo da sua fracção e não o uso que efectivamente se faça delas; a responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si ou por intermédio de outrem) as respectivas fracções e se não sirvam, por con-seguinte, das partes comuns do prédio.
II - Se uma 'sala do condomínio' e uma 'arrecadação geral' do edifício - partes comuns - se localizam no 11.º piso do prédio, apenas aí sendo possível aceder através das escadas comuns e dos ascensores do imóvel - também partes comuns - há que concluir, segundo um critério aferidor de carácter objectivo - o único legalmente definidor da situação - ser manifesta a susceptibilidade (abstracta) de as diversas fracções poderem ser servidas pelas referidas partes e equipamentos comuns.
III - Não se pode considerar isento de responsabilidade pelos encargos relativos às partes comuns qualquer condómino cuja fracção esteja objectivamente em condições de ser servida por essas partes ou equipamentos comuns.
IV - Apenas deverão ficar isentos de contribuir para as despesas de manutenção e conservação dos ele-vadores os condóminos cujas fracções não são (nem podem ser) servidas por eles como os do rés-do-chão, a menos que possuam algum arrumo no último piso ou na cave (neste incluída uma gara-gem ou um lugar de aparcamento) no caso desta também ser servida por elevador, ou se houver no último piso um terraço, sala de reuniões ou de convívio que possa ser usada por todos os condómi-nos.
V - É possível instituir, por acordo majoritário da assembleia de condóminos, um critério equitati-vo/proporcional de repartição de despesas distinto do da proporcionalidade (permilagem) do valor das respectivas fracções, quiçá em função da regularidade ou da intensidade da utilização das par-tes ou equipamentos comuns .
Revista n.º 94/05 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) * Abílio Vasconcelos Duarte Soares

Propriedade horizontal Partes comuns Terraços Inovação

I - Os terraços de cobertura de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal, são partes imperativamente comuns.
II- Quanto às partes obrigatoriamente comuns, não vale qualquer convenção em contrário, nomeadamente contida no título constitutivo de propriedade horizontal.
III - Um anexo construído num terraço de cobertura constitui uma inovação.
IV - Não tendo sido autorizado por maioria qualificada (2/3 do valor total do prédio), é uma obra proibida.
V - Tendo a construção do anexo modificado o arranjo estético do edifício, a obra é proibida, não tendo sido aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio.
VI - O Condomínio, em tais circunstâncias, tem direito de pedir a demolição dessa obra.
Revista n.º 2567/03 - 2.ª Secção Loureiro da Fonseca (Relator) * Lucas Coelho Santos Bernardino

Negócio formal Prova testemunhal Propriedade horizontal Título constitutivo Partes comuns Terraços Inovação

I - A existência de regras específicas relativas à interpretação de declarações negociais obrigatoriamente documentadas, não exclui a sua complementação por via do recurso à prova testemunhal.
II - Tendo em conta o relevo em matéria de propriedade horizontal do respectivo título constitutivo, não deve ser formulado quesito no sentido de saber se certa fracção predial não se prolonga até à fachada do prédio ou de haver ao seu nível uma área que não entra na sua composição.
III - A previsão do n.º 1 do art.º 1421 do CC é de natureza imperativa, pelo que, independentemente do que constar do título constitutivo da propriedade horizontal, os terraços de cobertura são comuns à pluralidade dos condóminos, ainda que destinados ao uso exclusivo de um ou de algum deles.
IV - O conceito de terraço de cobertura a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art.º 1421 do CC abrange, e já abrangia na sua anterior versão, qualquer terraço que sirva de cobertura ao próprio edifício ou a alguma das suas fracções prediais.
V - Constitui inovação nas partes comuns do edifício a sua alteração de forma ou de substância ou a modificação da respectiva afectação e destino.
VI - A modificação ou a alteração dos elementos estruturais da construção, que ao edifício conferem a sua individualidade específica, são susceptíveis de prejudicar a sua linha arquitectónica do edifício, bastando para o efeito a sua modificação.
Revista n.º 1984/03 - 7.ª Secção Salvador da Costa (Relator) * Ferreira de Sousa Armindo Luís

Propriedade horizontal Partes comuns Terraços

Se um terraço é constituído por uma placa que serve de elemento protector de todo o bloco inferior do prédio, sendo por isso de concluir que a mesma faz parte integrante da estrutura do edifício, é de o qualificar como 'parte comum', não obstante ao mesmo só ser possível o acesso pelo interior de uma das fracção do imóvel.
Revista n.º 2062/02 - 2.ª Secção Ferreira de Almeida (Relator) Abílio Vasconcelos Duarte Soares

Propriedade horizontal Terraços

I - A redacção inicial do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC, nos termos da qual são comuns a todos os condóminos 'o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento', aplica-se aos casos em que a propriedade horizontal foi constituída antes da sua nova redacção, introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25 de Outubro, por força do disposto no art.º 12, n.º 2, daquele código.
II - Não estão aí abrangidos, por não serem terraços de cobertura, os terraços existentes nos planos dos vários pisos, com acesso pelos mesmos.
III - Não é exigível a um condómino que prove as razões da ocorrência de infiltrações provenientes dum terraço, basta demonstrar que advieram da sua deficiente impermeabilização.N.S.
Revista n.º 2899/00 - 7.ª Secção Araújo Barros ( Relator) Oliveira Barros Miranda Gusmão

Propriedade horizontal Partes comuns Sótão

I - Os espaços compreendidos entre o tecto do último andar de um edifício e as telhas (vão, sótão ou águas furtadas), não sendo telhado ou terraço de cobertura, não têm de ser considerados obrigatoriamente coisa comum, nos termos do art.º 1421, n.º 1, al. b), do CC. I - Não se trata de parte do edifício que, pela função que desempenha, careça de ficar afecta a todos os condóminos, como sucede com todas aquelas que se enumeram no citado n.º 1.
II - Deixam de ser comuns as coisas que estejam afectas ao uso exclusivo de um dos condóminos, para tal bastando uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da constituição do condomínio, não se exigindo que ela conste do respectivo título constitutivo.
Revista n.º 703/99 - 1.ª Secção Machado Soares (relator) Fernandes Magalhães Tomé de Carvalho

Propriedade horizontal Câmara municipal Condomínio Obras Finalidade dos recursos

I - Os recursos destinam-se a reapreciar e modificar decisões e não a criá-las sobre matéria nova, a menos que se trate de questões de conhecimento oficioso.
II - De outro modo, estar-se-ia a violar o princípio do duplo exame jurisdicional a que as partes têm, em princípio, direito.
III - A câmara municipal, órgão do município, pela circunstância de ser proprietária de três fracções autónomas do prédio está colocada na mesma situação de qualquer outra pessoa colectiva, despojada dos poderes próprios do órgão que é da autarquia.
IV - Na situação conflitual que a opõe ao condomínio desse prédio não têm que ser ponderadas as motivações que levaram a câmara municipal à realização das obras, as finalidades que se propõe atingir com as mesmas.
V - São-lhe, pois, aplicáveis, como a qualquer outro condómino do prédio, as normas que estabelecem o estatuto jurídico das relações nascidas da propriedade horizontal, designadamente as limitações ao exercício de direitos (art.º 1422 do CC) e a proibição, ou condicionamento a prévia aprovação da maioria dos condóminos, da realização de certas obras (art.º 1425 do CC).
VI - Partes comuns do edifício não são apenas o solo, os terraços de cobertura, as entradas e vestíbulos. São-no também as colunas, os pilares, as paredes mestras e outras partes mais do edifício (art.º 1425, n.º 1, do CC).
VII - Seria abusivamente restritiva a interpretação que se fizesse do art.º 1425, em termos de o considerar aplicável apenas àquelas partes comuns primeiro referidas, quase o reservando às que constituem áreas horizontais do edifício.J.A.
Processo n.º 437/97 - 2.ª Secção Relator: Almeida e Silva

Propriedade horizontal Terraços Parte comum

Terraço de cobertura é aquele que tem uma função - relativamente ao prédio em si - idêntica à do telhado
rocesso n.º 756/96 - 1ª Secção Relator: Machado Soares Descri

Construção de edifício Projecto aprovado Alteração Sala de condóminos Propriedade horizontal Título constitutivo Nulidade

I - Autorizada pela câmara municipal a construção de um compartimento no terraço do edifício, com a condição de o mesmo se destinar a sala de reuniões de condóminos, não pode no título constitutivo da propriedade horizontal atribuir-se-lhe outro destino com a sua afectação a uso exclusivo de um dos condóminos.
II - Tendo na escritura de constituição da propriedade horizontal tal compartimento e a respectiva casa de banho sido considerados como fracção autónoma, ofendeu-se, portanto, nesse título constitutivo o disposto nos artºs. 1º, 2º, 3º, 6º e 8º do RGEU, aprovado pelo Dec.-Lei nº 38382, de 7.8.1951 .
III - E porque se trata de preceitos de ordem pública, ao desrespeitá-los, a escritura em causa é nula na parte em que atribuiu autonomia àquela dependência, constituída por sala e casa de banho.
Processo nº 129/96 - 2ª Secção Relator: Mário Cancela

ACSTJ de 06/11/2018: Terraços em socalcos


Tribunal: Supremo Tribunal de Justiça
Processo: 572/15.5T8SSB.E1.S1
Meio Processual: Revista
Relatora: Ana Paula Boularot
Data: 06/11/2018

Jurisprudência:
  • Ac. STJ de 08-04-1997
  • Ac. STJ de 15-05-2012, Relator Hélder Roque
  • Ac. STJ de 09-06-2016, Relator Orlando Afonso
  • Ac. TRG de 14-12-2006
  • Ac. TRC de 23-09-2008
Descritores:
  • Propriedade horizontal
  • Terraços
  • Varandas
  • Partes Comuns
Sumário:

I Dispõe o art.º 1421º, nº1, alínea b), do CCivil, que «1. São comuns as seguintes partes do edifício: b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.», acrescentando o seu nº3 que «O título constitutivo pode afectar ao uso exclusivo de um condómino certas zonas das partes comuns.».

II Os terraços de cobertura são parte, imperativamente comum, quando a sua função é exercida no interesse de toda a construção, quando tiverem função análoga à do telhado, quando, por assim dizer, o substituam.

III Se o edifício dos autos, como resulta da materialidade assente « está construído em socalcos e não tem telhado: todas as frações são cobertura das frações inferiores.», o terraço/varanda do apartamento propriedade do Autor, aqui Recorrente, será também cobertura do apartamento nº…que constitui o andar imediatamente inferior e onde ocorreram infiltrações na sua parede poente e tecto, tratando-se deste modo de uma parte forçosa ou necessariamente comum por integrar a estrutura do edifício, sendo um elemento vital da sua construção.

Texto integral: vide aqui

13 maio 2025

Os terraços antes e depois do DL 268/94


O nascimento do direito de propriedade na esfera jurídica de alguém rege-se pela lei em vigor à data da ocorrência dos respectivos factos constitutivos.

Com efeito, uma vez constituído o direito de propriedade sobre um bem, o direito só se extingue pelas formas previstas na lei, como vem referido no art. 1308º do CC, onde se determina que «Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei».

Por conseguinte, o direito de propriedade no que respeita aos terraços constituiu-se de acordo com a lei em vigor à data da constituição da propriedade horizontal e de acordo com o respectivo título constitutivo.

Uma lei que altere posteriormente o estatuto das partes comuns e das partes individuais inerentes à constituição do direito de propriedade horizontal não produz «uma expropriação sem indemnização» de direitos anteriormente constituídos, antes respeita as situações já existentes e consolidadas.

Por isso, os direitos já definidos não podem ser afectados.

O que se afigura estar de acordo com o disposto na 1ª parte do nº 2 do art. 12º do CC, onde se dispõe que «Quando a lei dispõe (…) sobre (…) quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos».

Com efeito, uma lei que, posteriormente à constituição da PH, altere a definição legal acerca daquilo que é parte comum do edifício ou parte individual de um edifício construído em regime de propriedade horizontal, versa sobre um facto, ou seja, sobre a construção de um edifício com determinadas características, que o tornam apto para a constituição da PH, e versa também sobre os efeitos desse facto, isto é, sobre que partes do edifício são obrigatoriamente comuns, individuais ou livremente submetidas pelo título a uma destas situações jurídicas, pelo que a nova lei só se aplica às situações factuais que surjam após a sua vigência.

Nesta factualidade, existe uma alteração legislativa no que respeita ao art. 1421º do CC onde se definem quais são as partes comuns do edifício submetido ao regime da PH.

Até 1994, a al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, dispunha que eram comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento»”. Posteriormente, o DL nº 267/94, de 25/10, reformulou esta norma, a qual passou a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção.»

Face à actual redacção da al. b) do nº 1 do art. 1421º, do CC, não existem quaisquer dúvidas no sentido de que os terraços são partes comuns, desde logo por se as fracções destinadas a habitação, beneficiam do uso do terraço que se situa imediatamente por cima de outras fracções, e que, por sua vez, lhes serve de cobertura.

Porém, a lei à luz da qual tem de se verificar se o terraço é parte comum ou individual, será a lei em vigor à data da constituição da PH e tal lei tanto pode ser a que resulta da redacção primitiva do Código Civil de 1996, por a constituição da propriedade ter ocorrido antes da data de entrada em vigor do DL 268/94 de 25/10, como a nova redacção introduzida por este diploma legal.

Afigura-se, no entanto, que a nova redacção dada à al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC, pelo DL nº 267/94, de 25/10, constitui lei interpretativa em relação à anterior redacção (neste sentido Ac. TRC de 23/9/2008, proc. nº 521/1996, relatado pela Desembargadora Sílvia Pires, ao escrever que anteriormente era a seguinte a redacção desta alínea, a qual correspondia à versão original do C. Civil de 1966, que quase copiou o ponto 2.º, do artigo 13º, do antigo Decreto-Lei n.º 40.333: ‘O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento’.

Na vigência desta redacção discutiu-se se tal previsão abrangia os chama­dos terraços de cobertura intermédios, isto é os terraços que apesar de servirem de cobertura a alguma ou algumas fracções, se situavam ao mesmo nível doutra ou doutras fracções, podendo servir de pátio ou varanda a estas.

Enquanto uns consideravam que tais terraços estavam incluídos na previ­são da transcrita alínea (vide os seguintes acórdãos do TRL de 23/3/1982, relatado por Eliseu Figueira, na C.J., Ano VII, tomo 2, pág. 173, de 27/4/1989, relatado por Ianquel Milhano, na C.J., Ano XIV, tomo 2, pág. 151, do TRP de 2/7/1991, relatado por Mettelo de Nápoles, na C.J., Ano XVI, tomo 4, pág. 231, de 3/11/1994, relatado por Cesário de Matos, na C.J., Ano XIX, tomo 5, pág. 197), outros sustentavam opinião contrária (Acórdão da TRL de 21/5/1991, relatado por Diniz Nunes, na C.J., Ano XVI, tomo 3, pág. 148).

Ora, como as alterações efectuadas pelo DL 267/94, de 25/10, não esque­ceram o estudo atento das decisões judiciais que sobre esta matéria e ao longo do tempo se têm vindo a pronunciar, a nova redacção introduzida à al. b) do art. 1421º, nº 1, do CC, teve como intenção acabar com as dúvidas que a anterior redacção suscitava relativamente aos terraços de cobertura intermédios, optando pela sua inclusão no seu âmbito de previsão.

Estamos, pois, perante uma lei interpretativa que se integra na lei inte­grada (art. 13º do CC), pelo que o esclarecimento interpretativo efectuado deve ser considerado para classificar um terraço de cobertura intermédio, mesmo que a PH tivesse sido constituída em data anterior à entrada em vigência do referido DL 267/94.

Como referiu Batista Machado, «Para que uma Lei Nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o legislador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face dos textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a Lei Nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora» in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador. Coimbra, Almedina, 1989, pág. 246/247.

Como se sabe, a solução dada à questão em análise era controvertida, quer na doutrina quer na jurisprudência. Com efeito, a lei em vigor antes da aprovação do DL 268/94 de 25/10 dispunha que «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento» - al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC. Após o DL nº 267/94, de 25/10, a norma foi reformulada passando a ter a seguinte redacção: «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção».

Da leitura das redacções vemos que a após a entrada em vigor DL nº 267/94, de 25/10, se eliminou a referência ao «último pavimento», segmento que poderia dar a entender que os terraços de cobertura intermédios não integravam o conceito de «partes comuns», ficando agora claro que todos os terraços de cobertura são comuns.

Ora, já era possível chegar a esta conclusão no âmbito da lei antiga, como resulta do antes exposto, embora aquela norma desse também origem a decisão em sentido oposto.

Há quem advogue o entendimento seguido no Ac. proferido no processo n.º 17/15.0T8SAT.C1, datado de 15/11/2016, onde se perfilha pelas razões expostas, o entendimento seguido no Ac. supra citado, n.º 521/996, relatado pela adjunta Desembargadora Sílvia Pires, que a nova lei veio colocar termo à controvérsia, sendo por isso uma lei interpretativa, cuja aplicação abrange as situações constituídas antes da sua entrada em vigor, nos termos do nº 1 do art. 13º do CC, onde se dispõe que «1. A lei interpretativa integra-se na lei interpretada, ficando salvos, porém, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

Às razões supra referidas, neste sentido, cabe ainda acrescentar outras, a saber:

Em primeiro lugar, cumpre ter presente, como se referiu no ponto 4 do preâmbulo do DL nº 40.333, de 14/10/1955, relativo à definição dos bens comuns aos diversos proprietários, diploma que definiu o regime da PH até ao início de vigência do novo CC, que «A ideia fundamental sobre a qual deve repousar o critério de distinção entre as coisas comuns e as coisas de propriedade singular parece ser esta: devem considerar-se comuns, na falta de título em contrário, as coisas que se encontram afectadas ao uso comum dos diversos proprietários.

Quanto a nós tal não significa que – uso em comum e propriedade comum – andem necessariamente associadas no capítulo do domínio horizontal. Concebe-se perfeitamente que uma coisa possa ser usada por alguns ou todos os interessados, que todos os co-utentes concorram por esse facto para as respectivas despesas de conservação e funcionamento e, no entanto, a propriedade dela caiba a um ou a alguns deles apenas, não sendo é esse o regime correspondente à intenção com que, em regra, agem os interessados».

Desde logo, por a natureza e função do direito de PH não excluir que uma parte do prédio pode ser comum e, no entanto, o seu uso exclusivo pode encontrar-se reservado para um dos condóminos.

Em segundo lugar, a letra e o sentido da norma constante da al. b) do nº 1 do art. 1421º do CC apontam no sentido de se considerarem como partes comuns os terraços com função de cobertura. Com efeito, afigura-se ser esse o sentido imediato da norma: são comuns «O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento». Com efeito, toda a cobertura de um edifício ou parte de um edifício, interessa ao universo dos condóminos, pois a cobertura tem uma função de protecção da totalidade ou de parte do edifício.

A natureza comum de tais partes do edifício justifica-se apelando ao interesse comum que existe no sentido de garantir permanentemente a segurança e protecção do edifício, pois a boa manutenção das coberturas do edifício (mesmo que sejam terraços de cobertura situados em cotas inferiores à do telhado), torna-se necessária para garantir a «saúde» do edifício.

No sentido dos terraços que servem ao mesmo tempo de cobertura serem sempre comuns, independentemente do piso em que se situam, pronunciou-se Rui Miller, in Propriedade Horizontal, 3.ª edição revista e actualizada. Almedina, 1998, pág. 156, ao comentar a nova redacção dada à al. b) do nº 1, do art. 1421º, pelo DL nº 267/94, de 25/10, ao referir «O Decreto-Lei n.º 267/94, além de aditar a este artigo o n.º 3, introduziu ligeiras alterações nas alíneas b) e d) do n.º 1 e d) do n.º 2. Na primeira dessas alíneas, veio afirmar que são comuns o telhado ou os terraços de cobertura ainda que destinados ao uso de qualquer fracção e não apenas, como constava, ao do último pavimento. Veio, assim, tornar certo o que já podia concluir-se por interpretação do texto anterior: pois que, sendo o telhado ou a cobertura do edifício essencial à normal fruição do prédio por todos os condóminos, o seu uso por um só deles, seja ele o do último pavimento ou de qualquer outro, ou por parte ou pela totalidade daqueles, é insusceptível de desvirtuar a natureza comum dessa parte do edifício», Ac. STJ de 16/10/2003, do TRP de 25/9/2003).

Em sentido oposto pronunciou-se Moutinho de Almeida, in Propriedade Horizontal, Almedina, 1996, pág. 57, ao referir que «Os terraços de cobertura são coberturas que excluem o telhado, ou melhor, telhados sui generis, feitos geralmente de pedra, cimento ou outra matéria impermeável, sendo acessíveis por baixo. Podem cobrir todo o edifício ou apenas parte dele. Não há que confundir terraços existentes nos planos dos vários pisos com acesso pelos mesmos e que deles fazem parte. A esta última espécie de terraços, que não são comuns, dão os italianos o nome de “terraza a livello», Ac. STJ, no acórdão de 8/4/1997, www.DGSI.pt, identificado com o número 96A756 onde refere «I - Não é terraço de cobertura, para efeitos do artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, o terraço intermédio, incrustado num dos vários andares do prédio e que dá cobertura apenas a uma parte deste, que não se situa na sua parte superior ao nível do último pavimento. II - Tal terraço intermédio não se presume comum, desde que exclusivamente afecto ao uso de um dos condóminos, isto por interpretação a contrário do artigo 1421.º, n.º 2, alínea e), do citado Código. III - O artigo 1421.º, n.º 1, alínea b), do CCIV66, na redacção do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de Outubro, não abrange os terraços intermédios, embora podendo servir de cobertura a outros andares. IV - Mesmo que assim não devesse entender-se, a nova redacção desse preceito dada pelo Decreto-Lei n.º 267/94 não se aplica às situações jurídicas constituídas por força da verificação de certos factos, cujo conteúdo ou cujos efeitos ficaram legalmente determinados com a produção desses factos e à medida dos mesmos factos, como sucede no caso de o terraço já ter sido afectado ao uso exclusivo de determinado condómino no domínio da lei na sua primitiva redacção, sob pena de se atribuir efeito retroactivo à nova redacção do preceito, efeito que ela não tem» e Ac. do mesmo venerando Tribunal datado de,, 8 de Abril de 1997, relatado pelo Conselheiro Machado Soares. Ponderando as várias posições, temos para nós, como já deixamos referido in supra, que a tese que melhor se adequada às normas legais é a primeira porque é aquela que promove os interesses dos condóminos, dado que os terraços de cobertura existentes nos edifícios, dados os riscos que apresentam para a degradação dos edifícios, não podem ficar na dependência da vontade individual de um ou alguns condóminos.

Sendo que também não vemos diferença entre esse terraço intermédio que tem função de cobertura, “telhado” ainda que situado numa posição intermédia e um mesmo espaço físico agora colocado no topo do edifício mas agora coberto com um telhado (deixando de ser terraço) (cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 16/10/2003 (Luís Fonseca), em www.dgsi.pt, identificado sob o n.º 03B2567, onde se escreveu: «E tais terraços de cobertura tanto podem ser do último pavimento como de pavimentos intermédios pois onde a lei não distingue, também o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir ser outro o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica neste caso».

12 maio 2025

Uso exclusivo terraço


Tribunal: Relação de Coimbra
Processo: 297/03.4TBBGRD.C1
Data: 29-05-2007

Sumário:
 
I - A situação jurídica dos imóveis, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública.
II - Na ausência de definição sobre o fim a que se destina – no título constitutivo ou no regulamento do condomínio – o terraço, como parte comum na propriedade horizontal, pode ser usado em exclusivo pelo último morador, se a construção do edifício assim o consente, não obstante ser propriedade dos condóminos.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. A... e mulher B... demandam, na comarca da Guarda, C... e mulher D... , pedindo a condenação dos réus a reconhecer que o terraço do prédio identificado na petição inicial e do qual são titulares de fracções autónomas, é parte comum; a reporem a porta inicialmente existente, por forma a que tenham acesso directo ao terraço; e a absterem-se de praticar quaisquer actos que obstem a que o terraço seja propriedade comum;
Alegam, em síntese, que são titulares da “fracção A”, que compreende o rés-do-chão direito, 2.º e 3.º andares do prédio e que os réus são titulares da “fracção B”, que compreende o rés-do-chão esquerdo, 1.º, e 4.º andar e sótão para arrumações.
Acontece que os réus têm vindo a impedir o acesso dos autores ao terraço de cobertura do prédio, que estes entendem ser parte comum, e ao qual tinham acesso por uma porta cuja utilização os réus lhes vedaram.

2. Os réus contestaram, opondo, também em síntese, que, apesar do título constitutivo só lhes atribuir a titularidade da fracção B que compreende o rés-do-chão esquerdo, 1.º, e 4.º andar e sótão amplo para arrumações, o certo é que, por acordo, autores e réus alteraram o projecto inicial e, por virtude dessa alteração, ficou a pertencer-lhes o último piso do edifício que passou a ser composto por cozinha, arrumos, casa de banho e varanda, correspondendo esta ao que no projecto inicial era o terraço do prédio. E ainda que, em face disso, adquirira, por usucapião todo esse terraço.

3. No prosseguimento da causa veio a realizar-se a audiência de julgamento, posto o que foi proferida sentença que apenas condenou os réus a reconhecerem os autores como donos da fracção A, absolvendo-os de tudo o mais que era pedido, o que corresponde, na prática, à improcedência da acção.
Os autores não se conformam e apelam a esta Relação, concluindo:
1) O Tribunal " a quo” faz uma arbitrária e subjectiva análise interpretação dos factos.
2) Os Juízes têm de fazer uma análise critica integrada dos depoimentos e documentos, atendendo ás garantias de imparcialidade, seriedade, razão da ciência.
3) Devem ser dados como provados os pontos 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10,11, 12, 13, e 14 constantes da Base instrutória.
4) Devem ser dados como não provados os factos dos pontos 23, 24,30,31,32 e 33.
5) Devem os réus reconhecer o terraço como parte integrante e comum do prédio constituído em propriedade horizontal.
6) Em conformidade com as disposições legais que sustentam o regime da Propriedade Horizontal, e face ao disposto na Escritura Pública de constituição da Propriedade Horizontal, dever-se-á proceder à realização de obras, por responsabilidade do condomínio, de forma a criar uma porta de acesso ao terraço (com base no projecto de obra original), por forma a respeitar o disposto no art. 1415°CC (fracção autónoma com saída própria para uma parte comum do edifício).
7) Devem os réus abster-se de praticar todos e quaisquer actos que obstem ao reconhecimento de que o terraço é parte comum do prédio.
8) A sentença recorrida viola as mais elementares normas Jurídicas.

4. Os apelados contra-alegaram em defesa do julgado. Estão colhidos os vistos. Cumpre conhecer e decidir.
Entretanto vejamos os factos que vêm dados como provados da 1.ª instância, seguindo a mesma ordem e numeração.
A. Os autores são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção A”, sita na Rua X..., correspondente ao rés-do-chão direito, que serve de garagem, com uma casa de banho; segundo andar com seis divisões, cozinha e duas casa de banho, terceiro andar com 4 divisões, cozinha e duas casa de banho, inscrita na matriz predial da freguesia de Santa Maria, Manteigas sob o artigo 861 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, freguesia de Santa Maria sob o 00003/100185/ A e inscrito a favor dos autores pela inscrição G1.
B. Os réus são donos e legítimos proprietários do seguinte prédio: “Fracção B”, sita na Rua X..., correspondente ao rés-do-chão esquerdo, que serve de garagem, com uma casa de banho; primeiro andar com cinco divisões, cozinha e duas casa de banho, quarto andar com 4 divisões, cozinha e duas casa de banho, e sótão amplo para arrumações, inscrita na matriz predial da freguesia de Santa Maria sob o artigo 861, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas, freguesia de Santa Maria sob o n.º 00003/100185/B e inscrito a favor dos autores pela inscrição G1.
C. Tais fracções resultaram da constituição em propriedade horizontal do prédio urbano, sito na R. X..., composto de casa de habitação com r/chão direito e esquerdo, 1, 2, 3 e 4 andares e sótão amplo, com área coberta de 165 m 2 - L. 35 m2, inscrito na matriz predial da freguesia de S. Maria sob o artigo 861, de que autores e réus eram comproprietários na proporção de metade, por escritura de constituição de propriedade horizontal e divisão outorgada no Cartório Notarial de Manteigas em 17 de Janeiro de 1985 e exarada a fls 10 do L 137.
D. Tal prédio foi construído por autores e réus, num prédio rústico denominado Santo Estevão ou Tanque, destinado a construção urbana, com a área de 200 m2 e fazendo parte do inscrito na matriz predial sob o artigo 802 da freguesia de Santa Maria.
E. O prédio descrito em D) foi adquirido por autores e réus por compra a E... e mulher F... e inscrito na Conservatória do Registo Predial pela apresentação 2/100185.
F. Nos termos da escritura de constituição de propriedade horizontal junta a fls l0, cujo teor se dá por reproduzido, acordaram autores e réus que “São partes comuns do edifício as escadas de acesso e as previstas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil”.
G. A antena de televisão está colocada no terraço junto à chaminé.
H. E todos os circuitos de distribuição da rede de televisão.
I. Os réus deslocaram-se a Portugal onde permaneceram cerca de 10 dias.
J. Os autores e réus alteram o projecto inicial do prédio, em 1983.
L. Por força dessa alteração o último piso do prédio passou a ser constituído por casa de banho, arrumos, cozinha e terraço.
M. E o acesso ao terraço passou a ser feito pela cozinha.
N. O sótão ficou a pertencer à fracção B porque a fracção A tinha o rés-do-chão maior e dois pisos seguidos, valorizando-o
O. E o 1.° andar da fracção B está enterrado.
P. A porta de acesso ao sótão é a mesma que existia em 1982.
Q. Colocada antes do projecto de alterações.
R. Os réus possuem em exclusivo o último piso desde a construção, em 1982 .
S. Sem oposição de quem quer que fosse.
T. À vista de todos, incluindo os autores.
U. De forma contínua, sempre que vêm a Portugal.
V. E na convicção de serem dele legítimos proprietários.
W. Os réus tiveram conhecimento da alteração do projecto.
X. Os réus deslocaram-se a Portugal;
Y. Os réus pagarão honorários ao seu mandatário;

5. O que os autores pretendem com esta acção é que se reconheça ser parte comum do prédio o terraço – que tudo indica ser de cobertura do prédio – e que os réus sejam condenados a facultar-lhes o acesso a esse terraço, já para ter acesso às coisas comuns que aí estão, tais como a antena colectiva e equipamento de distribuição de sinal de televisão e arranjos necessários do isolamento da cobertura do prédio, para evitar infiltrações de águas pluviais, queixando-se mesmo de humidades na sua fracção que exigem uma intervenção desse tipo e a atitude dos réus o impedem.
A posição dos réus é que todo esse piso superior lhes pertence, quer porque uma parte – o sótão para arrumações já integra a sua fracção, quer porque adquiriram o terraço por usucapião, em virtude duma posse em nome próprio a partir do acordo que fizeram com a alteração do projecto de construção.
Não lhes tendo dado razão, a 1.ª instância rejeitou a pretensão dos autores e aceitou a posição dos réus, configurando-a como uma defesa por excepção, já que, apesar de intitularem o seu articulado de “contestação reconvenção”, não formularam qualquer pedido reconvencional, nem mesmo após advertência do sr. Juiz.
Agora, em recurso, os autores apelantes resumem a sua discordância a duas questões: i) alteração da matéria de facto, por erro de julgamento, de forma a que se dê como provados os factos que suportam a compropriedade do terraço e não provados os factos que suportaram a declaração de propriedade exclusiva desse mesmo terraço; ii) que se realizem as obras necessárias (abertura da porta de acesso directo ao terraço) para evitar a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal.

6. Digamos, desde já, que a nulidade do título constitutivo da propriedade horizontal não consta dos articulados e não foi, por isso mesmo, apreciada em 1.ª instância, pelo que é uma questão nova e a Relação só reaprecia decisões já proferidas e não conhece de novas questões. Logo, tudo o que envolva uma tomada de posição sobre a validade ou nulidade do título constitutivo não vai ser aqui e agora apreciado.
Resta, então, a 1.ª questão – saber se o terraço é propriedade comum ou exclusiva dos réus – pela confirmação ou alteração da matéria de facto decidida em 1.ª instância.
E a resposta é não. Não é propriedade exclusiva dos réus. E não é porque a decisão que o declara tem como pressuposto a usucapião e a usucapião é a posse mantida por certo lapso de tempo que faculta ao possuidor a aquisição do direito (artigo 1287.º do Código Civil). A posse é um conceito de direito. À base instrutória foi levado o ponto 29, assim redigido: “ os réus possuem em exclusivo o último piso desde a construção, em 1982?”. A resposta foi: provado.
Ora esta resposta decidia a acção. Não seria preciso mais nada. E não pode ser assim, como é óbvio. Pretendeu-se responder a um pretenso facto, quando na verdade se respondeu a uma questão de direito. Logo a consequência é que se tem por não escrita a resposta que o tribunal deu a esse quesito, como resulta expressamente do artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
Só por aqui se fica com a noção exacta de que não ficou provada a posse exclusiva dos réus sobre o terraço. Logo, não há usucapião; não há aquisição da propriedade exclusiva por esse modo de adquirir. Por conseguinte não importa rever a prova sobre os restantes factos reclamados pelos apelantes.
Por outro lado está dado como provado o que consta do título constitutivo – escritura de constituição de propriedade horizontal junta a fls l0 – “são partes comuns do edifício as escadas de acesso e as previstas no n.º 1 do artigo 1421.º do Código Civil”. E o artigo 1421.º, n.º 1, b) inclui no elenco das partes comuns dos edifícios em regime de propriedade horizontal os terraços de cobertura. Logo o questionado terraço constitui parte comum do edifício.
A este propósito convirá anotar o que escrevem os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela ( 1): nestes casos “prevalece sempre o que resultar do título constitutivo, dada a natureza real do estatuto que nele se contém. A situação jurídica do imóvel, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional (…) nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública”. Também a jurisprudência tem sido nesse sentido. (2 )

7. Claro que isto ainda não resolve o problema dos autores, dado que fica por definir o pretenso direito de acesso ao terraço, porque uma coisa é uma parte do prédio ser comum e outra é o fim a que se destina essa parte comum, que tanto pode ser definido no título constitutivo (artigo 1418.º, n.º 2, a) e b) do Código Civil), como no próprio regulamento do condomínio, quando elaborado pela assembleia de condóminos (artigo 1429-A do Código Civil).
Sendo cada condómino proprietário da fracção que lhe pertence, (artigo 1420.º, n.º 1 do Código Civil) os direitos inerentes estão definidos no respectivo regime jurídico da propriedade em geral, com as especificidades da propriedade horizontal; mas sendo comproprietário das partes comuns, o uso das mesmas depende do fim a que se destinam, podendo até haver partes comuns dotadas de autonomia, assim como podem ser atribuídos aos comproprietários de determinadas fracções autónomas direitos especiais de uso sobre certas coisas comuns (3 ).
A este propósito é elucidativa a seguinte passagem escrita pelo saudoso Prof. Mota Pinto “o terraço na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador – mesmo quando este o pode utilizar para recreio ou usos vários – é propriedade dos condóminos. E, por exemplo, um direito de construir sobre ele é um direito de que dispõe a comunidade, e não apenas o proprietário do último andar”. ( 4 )
Aliás é assim que acontece, de um modo geral, com o último patamar das escadas de qualquer condomínio, que normalmente só é utilizado pelo último morador, sem prejuízo de qualquer um aí poder aceder.
É esta a diferença entre o direito de compropriedade do condómino no regime da propriedade horizontal e o de uso que cada um pode fazer de partes comuns.
No caso dos autos, o modo como o edifício está construído em consequência da alteração do projecto por acordo dos condóminos, apenas permite, ao que parece, que só os réus consigam aceder directamente da sua fracção ao terraço, relativamente ao qual o título é omisso quanto ao fim a que se destina e não consta que haja regulamento sobre o seu uso.
Não obstante, os autores não deixam de ser comproprietários do terraço. O que acontece é que, ao que parece por culpa própria, não têm condições de acesso ao terraço. E também não tem apoio legal a sua pretensão de obrigar os réus a fazer obras na própria fracção (repristinando o projecto inicial) que permitam o acesso dos autores ao terraço. Claro que sem prejuízo do direito de passagem forçada momentânea a que se refere o disposto no artigo 1349.º do Código Civil, efectivado através do processo de suprimento regulado no artigo 1425.º do Código de Processo Civil.
E se porventura os autores entendem que esta situação é causa de anulação do título constitutivo da propriedade horizontal, só lhes resta seguir o caminho indicado no artigo 1416.º, 1 e 2 do Código Civil, certos de que esta acção não o tem por objecto.
Podemos então concluir que:
- A situação jurídica dos imóveis, como objecto de um direito real, é definida pelo título de que este direito emerge, e não por qualquer negócio com eficácia meramente obrigacional nem, muito menos, pelo projecto de construção do edifício, ainda que aprovado pela administração pública.
- Na ausência de definição sobre o fim a que se destina – no título constitutivo ou no regulamento do condomínio – o terraço, como parte comum na propriedade horizontal, pode ser usado em exclusivo pelo último morador, se a construção do edifício assim o consente, não obstante ser propriedade dos condóminos.

8. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, em consequência do que revogam, em parte, a sentença recorrida e declaram que o terraço do prédio identificado nos autos é parte comum, condenando-se os réus a reconhecê-lo e a abster-se de praticar quaisquer actos que obstem a esse reconhecimento, mantendo-se a absolvição quanto ao pedido de condenação de repor a porta que, no projecto inicial, dava aos autores acesso directo ao terraço.
Custas, em ambas as instâncias, na proporção de decaimento.
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(1) Código Civil anotado, 2.ª edição, vol. III, págs.412
(2) Veja-se, entre muitos outros, o acórdão desta Relação, de 21-11-1989, sumariado no BMJ, 391.º- 712
(3) Cfr. P. Lima e A. Varela, ob. Cit. 411
(4) Direitos Reais, 1970/71, 286, nota 58