Viver em condomínio

Viver em condomínio não é um processo pacífico face à dificuldade de harmonizar e conciliar a dupla condição de proprietários e comproprietários, pelo que, importa evitar situações susceptíveis de potenciar o surgimento de conflitos de vizinhança. O desiderato deste blogue é abordar as questões práticas inerentes ao regime jurídico da propriedade horizontal, atento o interesse colectivo dos condóminos em geral e administradores em particular.

8/09/2023

Remover piscina em terraço


Tribunal: Julgado de Paz do Porto
Processo: 187/2011-JP
Data: 31-05-2012

Sentença:

A Demandante veio propor contra os Demandados a presente acção declarativa enquadrada na alínea c) do n.º 1 do art.º 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, pedindo a condenação destes a remover a piscina identificada no requerimento inicial, repondo a situação anterior.
Os Demandados devidamente citados, apresentaram contestação nos termos plasmados a fls. 17 a 27.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 4.950,00 – artºs 306º nº1 e 315º nº2, ambos do C.P.Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandante por representação - artº 21º do C.P.Civil) e são legítimas.
Não há excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
 
FACTOS PROVADOS
 
A. Mediante deliberação da Assembleia de Condóminos do A, sito na Rua A, no Porto, a Demandante foi eleita como administradora do referido imóvel.
B. A Demandada M é proprietária da fracção “BD”.
C. No último andar do edifício identificado em A. supra, situa-se um terraço que, sendo parte comum desse edifício, é de uso exclusivo da fracção “BD”.
D. A Demandante fez incluir na ordem de trabalhos da Assembleia realizada a 17 de Junho de 2009 a questão da instalação de um jacuzzi por parte dos Demandados.
E. Nessa Assembleia de Condóminos, o Demandado D participou e fez-se acompanhar de dois convidados, o Arquitecto V e o J.
F. Na qual, foram discutidos vários aspectos da questão em apreço, tendo os condóminos, quanto à matéria da instalação do jacuzzi no terraço ao uso da fracção dos Demandados, aprovado por unanimidade a seguinte deliberação: “Necessidade de avaliação do impacto de instalação da piscina no terraço e, no caso de parecer técnico escrito ser positivo, que se exija seguro de responsabilidade civil extracontratual à primeira instância”.
G. Trata-se de um jacuzzi que consiste numa estrutura amovível (de 4,20m x 2,30 m e com 1,20 m de profundidade) e construída num molde único.
H. Na sequência da Assembleia de Condóminos de 17 de Junho de 2009, os Demandados obtiveram da parte do construtor do edifício - a sociedade E - uma informação escrita sobre as cargas que o piso 8, onde se encontra a fracção “BD” estava dimensionado para suportar.
I. Tendo obtido a informação que a área em questão poderia suportar uma sobrecarga total de 897,72 KN, ou seja, cerca de 90 toneladas.
J. De seguida, os Demandados requisitaram ao Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, um parecer técnico sobre a viabilidade da execução/montagem do jacuzzi no seu terraço.
K. O parecer teve um custo de € 4.200,00.
L. As conclusões do parecer referido em K. supra, são as seguintes:
- O projecto de estruturas contabilizou a acção de uma piscina com l.0m de altura no piso 8 (...), tendo a laje desse piso sido dimensionada para suportar essa carga (carga global de,750 KN);
- A instalação do jacuzzi, de acordo com as pretensões do proprietário (numa área máxima de 16 m2), representa um acréscimo de carga total (160 KN) ao nível das fundações dos elementos de estrutura portante vertical da zona estudada de 1,7% face às cargas actualmente instaladas, o que é um valor manifestamente baixo;
- A avaliação dos elementos do projecto da estrutura da laje do piso 8, permitiu concluir que esta laje apresenta a capacidade resistente para suportar a carga adicional da piscina contemplada no projecto;
- Em termos estruturais verificou-se que a estrutura do piso 8 tem condições para suportar a carga devida à instalação do jacuzzi, não se tendo identificado qualquer impedimento à sua instalação como pretendido pelo proprietário nas condições apresentadas.
M. Após ter recebido o parecer técnico positivo, os Demandados obtiveram por e-mails datados de 14 e 15/06/2009, a confirmação da Demandante, na qualidade de Administradora de Condomínio, de que podiam avançar com a realização da obra.
N. Já após a instalação do jacuzzi que ocorreu em Julho de 2010, teve lugar a Assembleia de Condóminos que ocorreu em 09.09.2010.
O. Na qual foi deliberada a remoção do jacuzzi.
 
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
 
Os factos assentes resultaram da conjugação dos documentos constantes dos autos, sendo que o facto constante em A., considera-se admitido por acordo – artº 490º, nos termos do nº 2 do CPC.
 
O DIREITO
 
A Demandante pretende com a presente acção a remoção da piscina identificada no requerimento inicial e que seja reposta a situação anterior.
Alega para tal e em síntese, que os Demandados sem prévia autorização do condomínio, instalaram no terraço de cobertura que serve a sua fracção uma piscina/jacuzzi, mas que é uma parte comum do edifício, sendo que a mesma, pelas suas dimensões e localização é bem visível e, para além de chocar a sensibilidade dos condóminos, modifica o arranjo estético do edifício, a própria segurança foi colocada em causa, uma vez que a laje do piso em questão, bem como a restante estrutura do edifício, não foi projectada para receber uma estrutura tão pesada como uma piscina, pelo que violaram quer o disposto no artº 1422º nº1 e nº2 alínea a), bem como o estatuído no artº 1425º nº2, todos do CC.
Por sua vez, os Demandados sustentam que a instalação do jacuzzi não precisa sequer de autorização da assembleia de condóminos, pois é amovível, não constituindo inovação para os efeitos do artº 1425º do CC, nem interfere com a estrutura e/ou a linha arquitectónica do prédio. Contudo, foi requerida previamente autorização da assembleia de condóminos, o que foi dado, ficando apenas condicionado à obtenção de parecer técnico positivo e à realização de um seguro de responsabilidade civil.
Daqui decorre, que os Demandados entendem que a piscina/jacuzzi não constitui uma inovação para os efeitos do artº 1425º do CC e que por isso, não necessita de autorização do condomínio.
Será assim?
A propriedade horizontal caracteriza-se pela co-existência em simultâneo da propriedade singular – sobre a fracção autónoma e a compropriedade – sobre as partes comuns, constituindo assim uma figura distinta da compropriedade, sendo por isso alvo de tratamento pela lei em capítulo à parte.
Resulta do nº1 do artº 1421º do CC que: “cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns.
Em matéria jurídica dos direitos e encargos dos condóminos está especialmente vedado a estes prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício – art. 1422º, nº 2, al. a), do CC.
Por sua vez, em matéria de inovações, estabelece o art. 1425º do citado código que: “As obras que constituem inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio” – seu nº 1.“Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns” – cf. seu nº 2.
Ou seja, o campo de aplicação de cada norma varia em função do tipo e natureza de obras realizadas. No que respeita às que integram a qualificação de “inovações”, constata-se que as obras aqui previstas são aquelas que dizem respeito às partes comuns – cf. seu nº 2, conjugado com o nº 1, onde se exige a aprovação da maioria dos condóminos, devendo representar dois terços do valor total do prédio. Já se se tratar de obras nas fracções pertença exclusiva de um ou cada um dos condóminos rege o art. 1422º, nº 2, al. a). Relativamente às partes comuns, o nº 2 do art. 1425º do CC prevê que não serão permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como comuns.
Ora, não é motivo de discórdia de que o terraço que está ao uso exclusivo da fracção “BD” é uma parte comum do edifício.
Vejamos então se a instalação do jacuzzi é ou não uma inovação?
Resulta do regime legal supra citado que o legislador optou por não definir o que são obras inovadoras nem consagrar na lei o que deve entender-se por inovação, deixando tal tarefa para a jurisprudência, que tem vindo a entender que “Inovar” é “trazer algo de novo” àquilo que está. Obras inovadoras serão, portanto, aquelas que trazem algo de novo ao que está ou seja, algo diferente daquilo que está. Será, pois, toda a obra que constitua uma alteração do prédio tal como originariamente foi concebido.
Nessa perspectiva, a instalação do jacuzzi, não pode deixar de considerar-se uma inovação. Com efeito, da própria alegação dos Demandados resulta que para a instalação do mesmo foram retiradas aproximadamente 350 lajetas, que substituíram por deck em madeira à volta do jacuzzi. Acresce ainda, a instalação de toda a canalização necessária para o respectivo funcionamento.
Sendo uma inovação, necessita pois, de autorização da assembleia de condóminos.
Nesta matéria, resultou provado que a Demandante fez incluir na ordem de trabalhos da Assembleia realizada a 17/06/2009 a questão da instalação de um jacuzzi por parte dos Demandados, na qual, foram discutidos vários aspectos da questão em apreço, tendo os condóminos, quanto a esta matéria, aprovado por unanimidade a seguinte deliberação: “Necessidade de avaliação do impacto de instalação da piscina no terraço e, no caso de parecer técnico escrito ser positivo, que se exija seguro de responsabilidade civil extracontratual à primeira instância”.
Ou seja, a autorização ficou condicionada a dois pressupostos: o parecer técnico positivo e o seguro de responsabilidade civil extracontratual.
Nessa sequência, os Demandados obtiveram da parte do construtor do edifício - a sociedade E - uma informação escrita sobre as cargas que o piso 8 (piso da fracção dos Demandados) estava dimensionado para suportar, tendo obtido a informação que a área em questão poderia suportar uma sobrecarga total de 897,72 KN, ou seja, cerca de 90 toneladas. De seguida requisitaram ao Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, um parecer técnico sobre a viabilidade da execução/montagem do jacuzzi no seu terraço, o qual foi positivo.
Faltaria o seguro de responsabilidade civil.
Após ter recebido o parecer técnico positivo, os Demandados obtiveram por e-mails datados de 14 e 15 de Junho de 2009, a confirmação da Demandante, na qualidade de Administradora de Condomínio, de que podiam avançar com a realização da obra.
Das funções do Administrador definidas no artº 1436º do CC, não consta das alíneas aí mencionadas, que tenha poderes para permitir o início da obra em causa, pois tal matéria, mesmo a questão de apreciar o parecer técnico obtido, seria da competência exclusiva da assembleia de condóminos.
Acresce que, terminada a obra e encontrando-se em funcionamento o jacuzzi, pelo menos há um mês, conforme se retira do conteúdo da acta nº 10 relativa à assembleia de condóminos realizada aos nove dias do mês de Setembro de 2010, o comprovativo da existência do seguro de responsabilidade civil ainda não tinha sido entregue pelos Demandados.
Nessa sequência, veio a ser deliberada a remoção do jacuzzi, deliberação essa, que não foi sequer posta em causa pela Demandada condómina M, pelo que é vinculativa.
Assim sendo e sem necessidade de mais considerações, deverá ser dado cumprimento à deliberação supra referida.
 
DECISÃO
 
Face ao que antecede, julgo a acção procedente e em consequência condeno os Demandados a remover a piscina/jacuzzi identificada no requerimento inicial, repondo a situação anterior.

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